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‘Não era para ser assim…’

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Assinala-se hoje o Dia Internacional pela Eliminação da Violência Contra as Mulheres.

No primeiro semestre de 2014 foram assassinadas 24 mulheres em Portugal, vítimas de violência doméstica, segundo dados do Observatório das Mulheres Assassinadas (OMA). Em 2015, o número aumentou para 27, o que dá uma média de duas mulheres mortas por mês.

A violência doméstica, mesmo quando não mata, é crime público em Portugal. Quando mata, o agressor habilita-se, no máximo, a uma pena de 10 anos por homicídio conjugal. E o fenómeno só tem mudado para pior…

Era o dia de casamento do irmão, mas o sentimento de felicidade de Carlota rapidamente cedeu lugar ao medo. Depois de vários meses, quase um ano, a sofrer pressão psicológica e agressão verbal, o marido agride-a pela primeira vez, com um estalo, em pleno ambiente de festa. O choque, no entanto, não foi grande.

Os maus tratos tinham começado já há algum tempo. O primeiro impacto, a primeira vez que Carlota se apercebeu de que tudo aquilo não era normal, foi quando o marido lhe cuspiu na cara. “Humilhou-me de uma forma que ninguém pode imaginar… Aí, tive um momento de lucidez e pensei que realmente aquilo não era normal. Pensei na vida que tinha antes de o conhecer e naquilo que me estava a acontecer… Questionei-me sobre toda aquela situação e o sentimento foi péssimo. A partir daí, comecei a sofrer de depressão”, explica.

E a tristeza avassaladora não deixou que mais pensamentos claros tivessem lugar. Na verdade, Carlota achava apenas que o marido tinha “momentos maus e maus dias.” Achava que o estalo que tinha sofrido tinha sido por culpa dela, porque na verdade ele não podia nunca sentir ciúmes e se sentiu, tinha de sofrer as consequências… A única coisa que lhe restava, a ela, era pedir-lhe desculpa. Foi o que fez. “Cheguei a casa a pedir-lhe desculpa, depois de ele me ter batido. Foi humilhante!”, diz.

Como tudo começa…

No início vem a agressão verbal e só depois a pressão psicológica acompanhada, quase sempre, de maus tratos físicos. Depois do estalo que o marido de Carlota lhe deu na festa, agrediu-a de novo em casa. O pedido de desculpa não tinha chegado. Seguiram-se mais ofensas e mais maus tratos. “Tenho fotografias do dia do casamento do meu irmão – um dia em que, supostamente, devia estar alegre e com um sorriso – com os lábios inchados, tal foi a força com que me bateu…”, refere, em tom de tristeza e desilusão.

De origem brasileira e com toda a família a viver no Brasil, Carlota pouco apoio tinha em Portugal. Ao sentimento de desilusão e à depressão, juntava ainda a angústia de travar esta luta sozinha. A pessoa que tinha conhecido em Portugal e com quem tinha planeado dividir a vida era o seu maior inimigo. O que poderia ter sido uma bonita história de amo, tinha dado origem a uma feia história de violência doméstica.

Pouco tempo depois de se terem conhecido via Internet, Carlota e o futuro marido marcaram um encontro em Fortaleza, onde ela vivia, em maio de 2008, quando ele foi de férias ao Brasil. Seguiu-se uma visita de Carlota a Portugal. Os encontros faziam crescer um sentimento de amor que parecia ser mútuo e a decisão de viverem juntos seria tomada em outubro do mesmo ano. Com vontade de serem pais, decidiram não tomar precauções e a gravidez apareceu em novembro.

Casaram-se no mesmo mês. Ela, feliz com a vida que tinha escolhido, achava, no entanto, estranho que ninguém da família do marido pudesse estar presente na cerimónia e nem pudesse sequer saber que estavam casados. Só o souberam no início de 2014. Quando o questionava, ele não referia a razão de tamanho secretismo, dizia apenas que tinha de ser assim… Depois do casamento, começaram as agressões.

Primeiro, porque Carlota não era boa dona de casa. Depois, porque a comida estava mal confecionada. Depois, porque ela era preguiçosa e não queria trabalhar. Grávida, a viver num país que não era o seu, Carlota saía de casa todos os dias para procurar emprego, mas como estava à espera de bebé, não conseguia nada. Seguiram-se mais ofensas e mais maus tratos, desta vez justificados pelo facto de não ter conseguido emprego.

Após o nascimento da filha, tudo piorou. Aumentaram as pressões psicológicas para sair do País e deixar cá a filha, ao cuidado do pai e da sogra. Como não quis fazê-lo, os maus tratos duplicaram-se. Depois de inúmeras ameaças, o marido de Carlota conseguiu que ela deixasse de poder estar com a filha.

Hoje, quase um ano depois de se terem separado, continuam oficialmente casados, porque o processo de divórcio e o de violência doméstica ainda estão na barra do tribunal. “Já estou há 50 dias sem ver a minha filha. Tenho um processo judicial a decorrer, supostamente poderia vê-la semanalmente, mas já não a vejo há muito tempo, porque toda a família se uniu para que não a possa ver e como ele tem família a trabalhar na GNR, facilita a sua impunidade. O que quero apenas neste momento é realizar o sonho de ser mãe e poder cuidar da minha filha, em paz.”

Como Carlota, existem outras mulheres na mesma condição, com os seus dias pautados por episódios de violência doméstica, onde o amor é substituído pelo medo constante e que não as deixa falar, desabafar, contar e fazer uma queixa formal. Só no primeiro semestre de 2014 foram assassinadas 24 mulheres em Portugal, vítimas de violência doméstica, segundo dados do Observatório das Mulheres Assassinadas (OMA).

A juntar a este facto surge outro dado preocupante: se antigamente as mulheres se mantinham numa relação violenta durante 20 ou 30 anos, hoje as relações duram menos mas, segundo um estudo publicado recentemente por Mário Paulino – ‘Vítima ou Cúmplice, caracterização da mulher vítima de violência doméstica na região de Lisboa e Vale do Tejo’ – os relacionamentos ainda demoram, em média, 13 anos até terminarem.

A razão da diminuição não é necessariamente uma boa notícia, como refere Daniel Cotrim, responsável da APAV: “Um dado preocupante em relação à violência doméstica é que a tomada de decisão da queixa acontece mais cedo porque a escalada da violência é maior, o tipo de violência é muito maior.”

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