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Aborto: enquadramento da questão espanhola

Rafael Coca Pérez, 44 anos, espanhol residente em Portugal desde 1998 e diretor-geral da Clínica dos Arcos, estabelecimento oficialmente reconhecido para a prática da interrupção voluntária da gravidez (em 2007), enquadra-nos a questão espanhola:

Como vê o anteprojeto da Lei de Proteção dos Direitos do Concebido e da Mulher Grávida?

A apresentação do anteprojeto de lei não responde a uma exigência da sociedade e constitui uma brutal regressão nos direitos das mulheres. Merece a rejeição unânime de todos os grupos parlamentares na oposição e mesmo nas filas do Partido Popular são cada vez mais os que se manifestam contra, como, por exemplo, os presidentes das regiões autónomas da Galiza, da Extremadura e de Castela e Leão. O líder do PP da Extremadura afirmou que “ninguém pode retirar a uma mulher o direito a ser mãe, nem lhe pode impor a obrigação de o ser contra a sua vontade”, já que retira toda a autonomia à mulher, incapacitando-a para decidir responsavelmente sobre a sua maternidade, e arrogando este direito a médicos e juízes. Menção à parte merece o tratamento dado às malformações fetais que, com uma interpretação retorcida das resoluções de ONU e OMS, obrigam a mulher a continuar com uma gravidez mesmo no caso de malformação.

Em que medida a nova lei, se aprovada, afeta a operação da Clínica dos Arcos em Espanha e em Portugal?

A Clínica dos Arcos não prevê qualquer alteração no seu perfil de operação, desde já porque confia em que este violento anteprojeto seja retirado totalmente. Caso contrário, haverá marginalmente, como antes de 1985, um reduzido número de mulheres que pode permitir-se viajar para países onde o aborto seja legal. O que haverá será um incremento inaceitável do aborto inseguro, fundamentalmente, pelo autoaborto, isto é, pela administração de fármacos conseguidos num canal paralelo (internet) e que se traduzirão num incremento no número de abortos (pelo não acesso a política de planeamento familiar) e por um incremento da mortalidade.

Como era a realidade espanhola antes da lei aprovada pelo Governo de Zapatero?

Até 1985, com a primeira lei de despenalização da IVG em Espanha, a situação era muito similar à verificada em Portugal até 2007. Tínhamos um reduzido número de mulheres com possibilidades financeiras para poder viajar ao estrangeiro, para beneficiar de condições de dignidade e segurança (fundamentalmente Londres, até 1985). Tínhamos um insuportável número de mulheres sem acesso a serviços de saúde dignos e, apesar de haver poucos dados oficiais, estima-se que a mortalidade estivesse à volta de 400 mulheres/ano; não existem registos fidedignos de morbilidade, mas os serviços de urgência referem a entrada, nesses anos, todas as semanas, de vários episódios de perfuração, infeção, septicémia.

A legalização do aborto aumenta o número de abortos?

Se a IVG fosse utilizada como método contracetivo, deveria observar-se uma correlação negativa entre partos e abortos: quando uma diminuísse, a outra aumentaria. Na prática, verifica-se uma correlação positiva entre partos e IVG, pois são duas variáveis independentes, que dependem de uma terceira: número de gravidezes. O número de gravidezes está a diminuir, de onde advêm menor número de IVG e menor número de partos. Um estudo publicado na revista The Lancet, ‘Induced abortion: incidence and trends worldwide from 1995 to 2008’, revelou que a taxa de abortos diminui com a despenalização, enquanto se verifica maior número de abortos onde este é penalizado.

Conheça as reações ao anteprojeto de lei, em dezembro de 2013 e saiba como é a lei portuguesa sobre a Interrupção Voluntária da Gravidez.

Foto © Reuters

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