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O jantar de Marc Fosh

Marc Fosh tem uma estrela Michelin no seu curriculum, mas deixou o hotel em que a ganhou, em Palma de Maiorca, para se dedicar a uma cozinha “mais de sabores e menos de elaboração.”

Hoje tem dois restaurantes, o Misa Braseria e o Simply Fosh, ambos naquela ilha balear. Este cozinheiro de escolhas arriscadas veio ao Pine Cliffs Resort, no Algarve, cozinhar no evento Cooking Through Generations e para nós levantou o véu, da sua cozinha e do jantar que se seguiu.

É mais britânico ou mais espanhol? Como é que se define enquanto chef?

Penso que sou um chef britânico – porque foi onde comecei –, mas já estou em Espanha há 20 anos, e penso que todo o meu estilo tem sido definido pelos últimos 20 anos.

Foi para Maiorca em 1991…

Acho que sim.

Como é que tomou essa decisão? Porque é que mudou de país?

Já estava em Londres há algum tempo e precisava de uma mudança. E achei mesmo que ia passar seis meses, se calhar um ano, fora e depois voltava. Apenas para ver coisas diferentes. E Espanha… Quando cheguei, fui para San Sebastián e fui a um restaurante muito simples. Comi um prato de bacalhau fresco, e este prato tinha dois ingredientes básicos: o bacalhau e o azeite. Vi esse prato a ser feito, provei-o e estava absolutamente delicioso. E acho que me apercebi nessa altura de que se pode criar comida maravilhosa, sem os molhos pesados franceses, e os cremes, e as manteigas. Vi a simplicidade dessa cozinha e mudei de ideias com esse prato.

Portanto, não foi uma decisão imediata a de ir para Palma de Maiorca, primeiro foi para San Sebastián. Foi uma decisão gradual?

Foi-me apresentada uma oportunidade de ir para lá abrir a cozinha de um hotel, um restaurante em Maiorca. Fui, conheci a ilha e pensei: “Porque não?” Nunca se sabe, quando se faz uma coisa destas, se se vai ficar um ano, dois anos – nunca se sabe. Mas para mim também foi o apaixonar-me pelo Mediterrâneo e por Maiorca, que agora é a minha casa.

Agora faz comida mediterrânica e, muita dela, orgânica, também. Não é verdade?

Não gosto de comida que tenha muitos sabores e que seja muito complicada. Gosto de sabores limpos e puros. O meu mote na cozinha é, por estes dias, sempre “Fresco, limpo, direto”. Procurar ingredientes frescos, procurar sabores diretos – não tentar mudá-los. Se há ervilhas, deixar que as pessoas as provem; e penso que têm de ter uma apresentação e um sabor limpos.

O que vamos provar esta noite é aquilo que habitualmente serve aos seus clientes em Palma de Maiorca?

São quatro pratos que para nós são regulares no restaurante, sim. Há dois que me são queridos: há um prato de robalo com alcaçuz e salsa, e a combinação do alcaçuz e da salsa é muito incomum, mas é uma combinação fantástica e resulta muito bem. Lá está, é uma coisa pessoal quando se cria estas pequenas combinações de sabores, que não se veem noutro sítio, e que ficam connosco para sempre, são como os nossos pequenos tesouros. E o mesmo se passa com a entrada desta noite: uma sopa clássica espanhola – gaspacho blanco –, mas nós servimo-la com maçã e sardinha. E, mais uma vez, a combinação é fantástica.

Inspira-se na cozinha de Palma de Maiorca. Como é que define os sabores que põe num único prato?

Atualmente, inspiro-me ao tentar encontrar um ingrediente incomum que desperte qualquer coisa em mim. Portanto, para mim, não funciona se comprar um bocado de carne ou de peixe e pensar no que vou fazer com a carne ou o peixe, porque assim pensa-se sempre nas coisas clássicas que vão com essa carne ou com esse peixe. Por exemplo, se começar com o alcaçuz, a partir daí penso no que é que posso fazer com ele, e não se sabe se vai ser uma entrada ou um prato principal ou uma sobremesa.

E há algum produto que nunca usaria na sua cozinha?

Sim! Há muitos. Nunca usaria molho se soja.

Porquê?

Não gosto… Acho que a cozinha mediterrânica tem de respeitar o Mediterrâneo e os ingredientes. Não é realmente necessário o molho de soja e esse tipo de coisas. Eu, por acaso, usava, há uns anos, mais ingredientes asiáticos.

Agora usa mais ingredientes do Mediterrâneo, mas com cambiantes…

Exatamente. Há uma sobremesa que vou servir esta noite que é um tanto complicada para o palato. É mediterrânica, mais inspirada em Marrocos, mas, mais uma vez, é uma coisa interessante porque não leva propriamente os ingredientes que se associariam às sobremesas. É um desafio: ou se adora, ou se odeia… O que é perigoso para esta noite.

Costuma ter esse tipo de reações?

Sim, de vez em quando. Obviamente que se acontecer todas as noites, tem de se mudar o prato, e é mais importante que haja mais pessoas a gostar do que a não gostar – é muito importante! Obviamente que se nove de dez pessoas não gostarem da sobremesa, tenho de a mudar, mas tenho tido reações fantásticas. Mas claro que percebo que é um desafio, nem toda a gente vai gostar.

É quase um lugar-comum dizer que os sabores estão relacionados com as recordações/memórias, o que é um pouco estranho para esta conversa porque é inglês mas faz cozinha mediterrânica. Por isso, o que é que diz sobre as memórias ao criar uma cozinha tão diferente da das suas origens?

Digo duas coisas. Primeiro: na cozinha britânica, temos inspiração vinda de muitas culturas diferentes, apesar de, recentemente, as pessoas se terem voltado para a cozinha tradicional britânica, muito mais do que quando eu comecei a cozinhar. Obviamente, os restaurantes número um no Reino Unido são os indianos, e os pratos mais populares são Galinha Tikka Masala, e é engraçado ver que esse é quase um prato nacional de Inglaterra nos dias de hoje. Segundo: eu acho que as memórias… À medida que vamos vivendo, vamos construindo memórias novas, embora, definitivamente sejam importantes as memórias de quando éramos crianças e costumávamos apanhar morangos ou ir ao jardim e comer ervilhas diretamente da planta, e é provável que queiramos relembrar esse sabor, puro. Para mim, o mais importante é, mal encontro um sabor, tentar mantê-lo limpo para que as pessoas o identifiquem claramente.

Poderia fazer esta cozinha no Reino Unido?

Sim, penso que hoje em dia sim. O Reino Unido tem mudado muito, mudámos todos, penso eu. O que não conseguiria encontrar ou ter seria provavelmente ingredientes incrivelmente frescos, o que é quase básico para a minha cozinha. Um deles, provavelmente o mais importante, é o azeite.

É mais fácil encontrar azeite em Palma de Maiorca?

Sim, e unicamente porque… Obviamente que podes encontrar um bom azeite em qualquer parte do mundo, mas um bom azeite deteriora-se muito rapidamente, cerca de três meses depois de ter sido comprado… O azeite que uso no meu restaurante é de um produtor que eu conheço bem, sei quando é feito, quando é engarrafado, portanto é incrivelmente fresco.

Fotografias de João Guerreiro

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