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Renata Gomes: Prémio Rotary

A cientista portuguesa a trabalhar em Londres recebeu, no dia 18 de outubro, a distinção de Profissional do Ano 2013, pelo Rotary Clube de Barcelos. O primeiro prémio atribuído em Portugal à cientista vai figurar numa lista já cheia de distinções internacionais.

Na cerimónia de entrega do prémio, foram distinguidas as qualidades científicas e humanas de Renata Gomes e o seu empenho social no apadrinhamento e na criação da Rede de Pequenos Cientistas, entre outros.

Em outubro de 2013, a LuxWoman publicou uma entrevista com a cientista, de 28 anos. Leia agora a versão integral:

Não precisa propriamente de perguntas. Renata Gomes, 28 anos, é capaz de falar de tudo sem muletas, do trabalho à infância. É uma entusiasta de tudo o que faz. Encontro-a via Skype depois do turno no hospital, já no laboratório do King’s College of London, e o cansaço é evidente nos gestos e nas olheiras, mas não no discurso.

Confessa-me pouco depois que se levantou às 4h30 da manhã do dia anterior. Não se deitará até ter pelo menos, as ideias bem alinhadas para o artigo que está a escrever. Este ritmo de trabalho não é coisa que a assuste, está habituada a trabalhar intensamente e o ritmo tem dado frutos.

Foi para Londres muito jovem?

Vim aos 12 anos, com a minha mãe, que emigrou para Londres já com três filhas. Eu sou a mais velha. E há cinco anos nasceu a minha irmã mais nova, que engoliu o disco dos porquês. Ainda bem!

Qual considera o fator mais importante para o seu sucesso profissional?

A educação em casa. A minha mãe e os meus avós sempre me ensinaram a ser curiosa e a dar asas à imaginação, mas sempre com respeito. A primeira escola onde andei em Londres era uma escola horrorosa, num ranking de 100 estaria no 70º lugar. Mas em casa tinha o estímulo para fazer bem. Os professores são muito importantes, mas não se pode pedir-lhes tudo.

A curiosidade nasceu consigo?

Quando era pequena, andava a abrir bichos. Nasci em Barcelos e cresci numa aldeia próxima. Os vizinhos matavam pássaros com pressão de ar e eu ia à procura deles, para os abrir e ver como eram por dentro. Também tinha um tio que era médico forense no Instituto de Medicina Legal de Braga e andava sempre de roda dele. O meu tio era a pessoa mais fixe de sempre, quando vinha passar os dias connosco, perguntava-me coisas sobre anatomia e dissecávamos o coração dos frangos que a minha avó fazia para o almoço.

Como é que decidiu estudar Medicina?

Em Inglaterra, quem é muito bom estudante faz o que quer. Mas eu cresci numa família tradicional portuguesa e como era muito boa aluna, tinha de ir estudar medicina. Quando chegou a altura de ir para a universidade, havia a opção de ir para Medicina ou para Medicina Forense. Era um curso fast track piloto que, se corresse mal, depois dos três primeiros anos, me permitia mudar para Medicina.

Mas correu bem e eu gostava muito porque podia fazer investigação. Comecei a fazer investigação durante os verões. Arranjava bolsas que me pagavam as despesas básicas durante o verão e ia para laboratórios trabalhar. Trabalhei em cirurgia plástica e comecei a fazer investigação com a Karin Schallreuter.

Se estivesse em Portugal, conseguiria já tantos reconhecimentos?

Acho que teria sido igual. Muito do que eu consigo é por causa da determinação que tenho, passada pela mãe e pelos avós.

O SET for Britain reconheceu a sua investigação na regeneração dos tecidos cardíacos. O que é que este trabalho conseguiu?

Nós conseguimos pôr a nanotecnologia ao serviço da medicina. Usamos a nanotecnologia para manter as células estaminais vivas, de forma a chegarem ao coração e a regenerarem o tecido cardíaco depois de um episódio agudo.

Em que é que está a trabalhar agora, para não poder ir dormir?

Estou a fazer o pós-doutoramento. Estamos a tentar perceber como é que a placa arteriosclerótica é formada, usamos sistemas de imagens e moléculas micro RNA para estudar como prevenir ou causar doença.

Pode explicar o conceito micro RNA?

As micro RNA foram descobertas há cerca de seis anos, são supernovas. Normalmente para combater o colesterol faz-se targeting de proteínas, tentando-se resolver o problema todo. É como pegar em 10 kg de areia para envolver toda a parede de arteriosclerose. A micro RNA é como se fosse um grão de areia, mas é muito importante, porque quando conseguimos tirar esta micromolécula, conseguimos desfazer o problema inteiro.

Isso é um grande avanço para a prevenção e o tratamento de doenças vasculares?

Conseguimos em laboratório desconstruir quase tudo de uma forma muito mais eficaz e muito mais rápida do que aquilo que se faz hoje. Agora, estamos a tentar perceber se conseguimos desfazer todo o problema. Vou submeter esta tese ao Congresso Mundial de Cardiologia da American Heart Association, e o meu professor diz-me que quando eu fizer a apresentação, no Texas, tenho de vestir um colete à prova de balas.

Porque esta investigação mexe com a fundamentação de muitos medicamentos farmacêuticos? Como é que lida com isso?

Eu tive muita sorte, porque até hoje nunca fui financiada por uma farmacêutica. Por isso, posso libertar a bomba que for, como esta que vem a caminho.

Quem é que financia o seu trabalho?

Tive o apoio da Fundação Internacional Vitiligo, depois o da British Heart Foundation. Os cientistas não ganham grande coisa, temos de dividir a patente com a universidade e os envolvidos, mas mesmo assim é melhor. Se fosse financiada por uma farmacêutica, não estaria a fazer esta investigação. Procuraria uma versão melhor do medicamento, provavelmente.

Como é que consegue ser tão boa em tantos projetos?

Eu acordo por volta das 4h30, vou correr meia hora, por volta das 5h volto a casa e às 7h estou no trabalho. Tento sair do trabalho às nove da noite, às dez estou em casa e consigo ainda pensar em comer. Trabalho praticamente todos os dias. Há dias em que estou de banco no hospital e depois venho para o laboratório.

Com todo esse ritmo, não tem medo de ter um ataque cardíaco?

Ter medo não tenho, mas sei que pode acontecer. Dormir pouco é muito mau para o coração. Eu tento compensar com a corrida.

E o seu coração tem espaço para o amor?

No que toca a maridos, noivos, namorados, é preciso que sejam muito como nós, com muita paciência, poucas manias e muita fé em nós e neles próprios. O meu noivo já me disse imensas vezes: “És louca, isso é demais, mas conta comigo… vamos.” E lá está ele sempre ao fundo do corredor, atrás das câmaras e das luzes, mas sempre lá e até é responsável por muito do que fiz e faço.

Sozinha é difícil conseguir fazer tudo o que queremos e correr à velocidade das nossas mentes, pelo menos eu tenho a sorte de ter quem me ama e também trabalha comigo as minhas ideias, apesar de ter uma profissão totalmente não relacionada com a minha.

Prémios e distinções de Renata Gomes

Em 2006 Renata Gomes foi Prodígio Nacional no Reino Unido, ainda lhe faltava um ano para se licenciar, sendo por isso notícia da primeira página do jornal The Times. Recebeu mil libras e o dinheiro foi “direitinho para pagar propinas.”

Depois recebeu o reconhecimento como revelação científica, Estudante Clínica do Ano com Investigação Científica. Em 2012, foi-lhe atribuído o Set for Britain, “uma espécie de mini Prémio Nobel da Ciência,” pela investigação na regeneração do tecido cardíaco através de nano partículas.

Não é a maior distinção científica que um cientista pode receber, mas, “como apresentamos o trabalho no Parlamento, acabamos por conhecer pessoas que depois vão permitir o financiamento dos nossos projetos ou que nos apresentam potenciais financiadores.”

Quem é que entregou o prémio a Renata Gomes? Nada mais, nada menos do que David Cameron, o primeiro-ministro britânico.

Já em 2013, concorreu com imagens de ressonância ao coração e ganhou, pela quarta vez, a categoria Mending Broken Hearts, do concurso anual da British Heart Foundation.

E foi selecionada para o Encontro de Lindau, uma espécie de universidade de verão em que os professores são os laureados com o Prémio Nobel da Medicina. Concorrem normalmente 20 mil candidatos e apenas cerca de 100 pessoas são selecionadas.

No dia 18 de outubro, recebeu a distinção de Profissional do Ano 2013, pelo Rotary Clube de Barcelos.

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