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A carne é fraca, mas o molho é bom!: Feijoada de Bacalhau

Afonso Vilela volta a trazer-nos mais aventuras e desventuras todas as semanas. Além disso, em “A Carne é fraca, mas o molho é bom!”, há sempre uma receita a acompanhar.

Feijoada de Bacalhau

Era já a terceira vez que acontecia. O Severino não aparecia para a feijoada das sextas feiras. Não avisava, nada!

Algo de muito importante devia estar a acontecer, ou terrível!

O Severino nunca faltava. Aquelas tertúlias eram o ponto alto da semana.

Sempre com a mesa bem regada e recheada, os convivas iam debitando à vez as poucas novidades e muitas estórias, por vezes repetidas, acrescentadas e ou até inventadas.

Estes almoços, um exclusivo dos homens, que tinham por hábito “tirar a tarde” de forma a que se alongassem o mais possível, por vezes até à noite, ou pelo menos até que algum membro do grupo saísse a cambalear. Nada a que as respectivas esposas não estivessem habituadas.

O Severino não, nunca se excedia. Nem um copo a mais, por muito que os restantes insistissem. Era o mais “cinzentão” do grupo, limitava-se a ouvir os outros e vibrar com os relatos, raramente tinha algo ou imaginação para partilhar com a grupeta. Casado desde sempre com a Cindinha, sua namorada do liceu e que se saiba a única, sempre com mesmo emprego no escritório de contabilidade, a mesma rotina, a mesma casa, os mesmos 15 dias de férias no Algarve com os sogros, tudo igual sempre.

A sua ausência e falta de notícias era no mínimo preocupante.

Até que apareceu o João, esbaforido e ofegante, tentava falar, mas gaguejava enquanto os pingos de suor lhe corriam pelo rosto ruborizado. “O Severino!…O Severino..! com os olhos esbulhados quase que a perder o ar …O grupo chegou a pensar o pior.

Lá o acalmaram com um copo de vinho, e todos em volta dele tão ansiosos e expectantes como o próprio, até que o João “largou a bomba”:

Quando vinha a caminho, tinha visto o Severino a entrar para o motel acompanhado de uma loira esfuziante!

Ninguém acreditou, achavam que era uma graçola do João na brincadeira com grupo, para animar o almoço.

– O Severino? Indagaram todos em tom de gozo quase em uníssono.

Impossível, devia ter visto mal ou confundido com outro casal.

Mas não, não havia margem para dúvidas, era o Severino, no seu carro, um golf de 1900 e carqueja, com o cãozinho de peluche atrás, inconfundível. Era mesmo o Severino.

O grupo permaneceu em silêncio, e total estupefação durante alguns segundos. O almoço, que habitualmente seria uma ruidosa animação, daí em diante mais parecia uma reunião de agentes secretos a acertar pormenores para o próximo golpe de estado.

Como era possível? Ele que não partia um prato, agora mijava fora do penico? Com uma louraça? E a Cindinha, coitada, o que seria dela se sonhasse que ele andava nestas andanças? Logo ela que ainda era mais sem graça do que ele, como se não bastasse ser casada com aquele cromo, ainda era enganada. Também a ela nunca lhe conheceram outro namorado, só aquele e segundo constava, casou virgem mesmo depois de cinco anos de namoro. Pobrezinha…

Inconscientemente o grupo começou a vibrar de adrenalina e emoção, como se o “affair” do Severino fosse o de cada um deles. Imaginaram todos possíveis até aos mais absurdos.

Mas não, não podia ser. Decidiram unanimemente que tinham que tirar aquilo a limpo! Afinal de contas o Severino era ou não do grupo? E todos tinham partilhado as suas aventuras e desvios (mesmo que inventados), naqueles almoços. Apenas ele nunca contava nada. Sempre acharam que não tinha nada para dizer, mas afinal…estava na hora do Severino abrir o jogo.

Ficou o João encarregado de lhe fazer o ultimato, visto que fora testemunha quase ocular do sucedido. Ou o Severino se “desbroncava” perante o grupo, ou então o mais provável é que algum dos convivas num momento de fraqueza alcoólica ou outra qualquer, acabasse por contar à respetiva esposa, e esta por sua vez, inevitavelmente, fosse contar tudo à Cindinha. Era uma questão de tempo, o Severino só tinha a ganhar em esclarecer esta questão, quanto antes.

Perante o ultimato, o Severino lá se dignou a aparecer, combinaram tudo para aquela noite, marcaram encontro ao jantar, no mesmo restaurante. Algo que deixou de imediato as esposas de sobressalto, já que todos apareceram em casa ainda sóbrios e visivelmente transtornados, apenas para trocar de roupa e voltar a sair para o mesmo lugar e apresentando para tal facto as desculpas mais estapafúrdias que lhes ocorreu, todas diferentes uns dos outros, sem sequer se lembrarem da comunicação inter-esposas que inevitavelmente decorria nas suas costas.

Quando confrontado perante o grupo, tipo CPI (comissão parlamentar de inquérito) de extrema-direita fundamentalista, Severino mal conseguia encarar os outros, envergonhado sem nunca levantar o olhar, mais parecia uma criança de 5 anos que acabou de partir as porcelanas da avó. Não falava, limitando-se a acenar que não com a cabeça ao insistente e impiedoso interrogatório do grupo.

Todas as questões, na realidade resumiam-se a uma, quem era a LOIRA?

Mesmo ameaçado de porrada por diferentes elementos do grupo, seus amigos subentenda-se, continuou a recusar-se. Somente quando alguém teve a brilhante ideia de afirmar que sabia quem era a dita “acompanhante”, afirmando que claramente que só podia ser a esposa de um outro conviva, ex-membro das tertúlias da feijoada, que se tinha finado recentemente com um AVC, é que o Severino “quebrou”, implorando por tudo que não, que não era a esposa de outrem, era a Cindinha!

– A Cindinha? exclamaram os presentes.

Impossível, a Cindinha não é loira.

Severino lá explicou que era mesmo a Cindinha, com uma cabeleira postiça. Faziam aquilo já algum tempo, ela mascarava-se, vestia-se a rigor com todos os detalhes e acessórios e saíam para o Motel uma vez por semana, sempre sem falhar. Só que devido ao estado de saúde dos sogros, deixaram de ter os fins de semana livres e tiveram que passar para as sextas-feiras à hora de almoço.

Não desenvolveu muito a parte dos pormenores por respeito à esposa, deixando assim o devido espaço para a fértil imaginação dos amigos.

Sem levantar a cabeça, qual recluso condenado a perpétua, abandonou a mesa, vexado como se fosse chorar por ter sido descoberto, sem uma palavra ou gesto de conforto dos restantes, ainda não recompostos do choque.

A Cindinha! No motel! Toda kitada e vestida a rigor…e lá começaram os devaneios de cada um dos mentecaptos do grupo. Cindinha dominatrix, stripper, professora, enfermeira… Naqueles parcos momentos, Cindinha passara de esposa insípida a fetichista total, encaixando na perfeição em todos os desejos e devaneios sexuais.

Até que um dos iluminados se lembrou na possível hipótese de as esposas virem a saber das aventuras do casal em questão.

Então ocorreu-lhes que as respectivas poderiam ter a mesma imaginação fértil acerca do Severino!

Não, nunca! Ninguém poderia saber, aquele segredo de alcova teria que ser escrupulosamente guardado. Aquilo era um pecado, uma injuria e uma falta pela qual Severino jamais seria perdoado.

Ter uma aventura, um desvio ainda vá que não vá. Agora com a própria, com a legitima, jamais!

Todos acordaram em que aquele jantar nunca acontecera. Combinaram entre todos dizer às esposas que tinham ido a um clube de meninas, paciência, os riscos e as consequências seriam menores do que a verdade.

Severino iria ser votado ao ostracismo, e teria que permanecer adúltero, para sempre. Em prol do bem-estar e estabilidade do grupo.

Feijoada / Salada de Bacalhau com feijão branco à moda de Castro Daire

Modo preparação

  • Escaldar o bacalhau e retirar pele e espinhas ( deixar encruado)
  • Refogar levemente a cebola em meias-luas (só até ficar transparente), temperada de sal e pimenta e em azeite generoso, adicionar o bacalhau em lascas e envolver.
  • Misturar tudo com o feijão (cozido) e salsa ou coentros a gosto
  • Servir frio ou morno

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