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A mulher, 50 anos depois do 25 de Abril, na voz de Ana Bacalhau, Diana Castro e Mimicat

“Como vê hoje a mulher, 50 anos depois do 25 de Abril?”. Desafiámos três artistas portuguesas a responderem-nos a esta questão, de uma forma livre e pessoal.

Eram, mais ou menos, 22h55 do dia 24 de Abril de 1974, na antena dos Emissores Associados de Lisboa passava a música “E depois do adeus”, de Paulo de Carvalho. Meia hora depois, na Rádio Renascença, “Grândola Vila Morena”, de Zeca Afonso, confirmava o arranque da revolução. Este ano, celebramos 50 anos do dia 25 de Abril. Para as mulheres, que não podiam votar ou sair do país sem autorização do marido, a Revolução dos Cravos era a promessa de uma vida mais livre e igual àquela que viam os homens ter. Embora tenhamos evoluído e conquistado muito, ainda hoje enfrentamos inúmeros desafios e a paridade é uma realidade distante. Para assinalar esta efeméride, desafiámos Ana Bacalhau, Diana Castro e Mimicat a responderem à questão “Como vê hoje a mulher, 50 anos depois do 25 de Abril?”.

 Ana Bacalhau

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Há 51 anos, se o chefe de família apanhasse a sua mulher em flagrante adultério e a sua filha em flagrante corrupção, poderia, segundo a lei, matá-las. A punição para isto era o desterro por 6 meses da comarca onde vivia. O mesmo não se verificava no caso de ser a mulher a apanhar o homem ou o filho nas mesmas condições.

Como esta, muitas outras leis impediam a mulher de ser livre, quase impedindo-a de ser humana, tanto que pugnavam por estabelecer com afinco e empenho que mulher era propriedade de um homem, fosse o seu pai ou o seu marido.

Uma mulher não podia ter passaporte ou viajar sem autorização do seu pai ou marido, uma mulher não podia ter uma conta bancária em seu nome, seria em nome do seu marido, uma mulher não podia ser dona da sua casa, apenas e só “dona de casa”, que é como quem diz, trabalho escravo, não remunerado (perdoem-me o pleonasmo, mas é para que não restem dúvidas sobre o que quis dizer com “escravo”), em favor do chefe de família que, livre de quaisquer responsabilidades domésticas, estava disponível para preencher o seu tempo com as actividades lúdicas que quisesse (ou eram permitidas na altura, nunca esquecendo que todos, homens e mulheres vivam sob uma ditadura).

Estes são apenas alguns exemplos, de entre os muitos que teria para elencar, com respeito à forma como a mulher e o seu papel eram vistos pela sociedade Salazarista.

50 anos nos separam, portanto, de um regime ferozmente misógino, que, felizmente, foi sendo substituído na lei por uma livre existência e pensamento femininos, mas que está presente ainda em muitas pessoas nos costumes e mentalidades. Prova de que este pensamento ainda não morreu são os números elevadíssimos de mulheres mortas em contexto de violência doméstica no nosso país, ou o ressurgimento de discursos que voltam a trazer a expressão “dona de casa” para o debate público, querendo revesti-la de uma aura de boas intenções para as mulheres que ficam com a gestão da casa e família a seu encargo (o chamado “rebranding”), mas sempre remetendo para os velhos e bafientos conceitos de mulher ser igual a cuidadora e homem ser igual a provedor que nortearam a sociedade antes do 25 de Abril.

Para os de nós que não se revêm neste colete demasiado apertado, que pretendem que todos vistamos de acordo com o sexo biológico com que nascemos, é imperativo que façamos ouvir a nossa voz e o nosso desacordo (repúdio, até), por um discurso profundamente limitador do papel naturalmente rico que a mulher pode trazer à sociedade.

Há que perceber o seguinte: se se conseguir subjugar 50% da população a uma subserviência financeira e legal (as mulheres serão, pelo menos, metade da população portuguesa e mundial), será, depois, muito mais fácil continuar a limitar direitos e liberdades a minorias e, de minoria em minoria, chegarão a todos os que não pertencerem à elite que domina.

Por isso, é tão importante que todos, mulheres e homens, estejamos atentos e prontos a intervir, a debater, a rebater e a lutar para que os direitos conquistados não sejam revertidos e para que todos os seres humanos possam viver uma vida livre e plena, porque assim é a condição humana: livre e plena.

Diana Castro

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50 anos. A minha vida teve lugar em 35 desses 50 anos.

Sei que, por isso, hoje falo de um lugar de privilégio. Desde o cantar, ao escrever canções, ao viajar, trabalhar, tirar férias, ter ou não ter filhos, ou até mesmo escrever para uma revista sobre a minha própria visão sobre “o que é ser mulher”.

Sei que muito caminho foi feito nestes 50 anos. Sei que devemos lembrar que nem sempre foi assim, para diminuir os riscos de que a história se repita.

Passaram-se 50 anos desde que começámos a construir a nossa liberdade.

Ser mulher ainda hoje é um desafio em muitas coisas, ainda está mergulhado em desigualdade.

Da ideia da fada do lar – que paira ainda tanto sobre nós- às ideias pré-concebidas sobre a super-mãe, ou sobre que lugar deve ou não ocupar a ambição profissional na nossa vida, até à forma como nos comportamos, falamos, agimos. Há, sim, caminho por fazer.

Mas é tempo de gritar que o caminho foi orgulhosamente começado. Há 50 lindos anos. E por isso serei eternamente grata a quem lutou pelo primeiro parágrafo desta bonita e desafiante história de liberdade.

Mimicat

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Ser mulher, hoje, não é fácil, mas posso apenas imaginar como seria ser mulher num tempo em que a liberdade não era para todos, muito menos para todas. As mulheres continuam a ter de lutar ao minuto para criar espaço para si e para outras mulheres e homens. Ser mulher, hoje, é também um privilégio, por poder escolher o mundo que me rodeia, as pessoas com quem vivemos, comemos e dormimos. Somos donas do nosso corpo e gosto de pensar que do nosso destino. Abrimos estradas, quebramos barreiras e derrubamos muros. Somos mães, esposas, filhas, irmãs, amigas, somos tudo o que quisermos. Somos mulheres.

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