Não sabendo que é de Shakespeare, quem assista a Coriolano acredita facilmente que o texto foi escrito hoje, agorinha mesmo.
A encenação de Nuno Cardoso, a que assisti ontem na estreia da peça, coloca (através dos figurinos) a ação nos dias de hoje e a imponente escadaria que ocupa o palco do Teatro Nacional Dona Maria II, durante toda a peça, remete o espetador, logo ao subir do pano, para os protestos na escadaria da Assembleia da República.
A proximidade com a realidade portuguesa não acaba aqui. O texto é, sobretudo, acerca da manipulação do povo através da palavra. E a ação demonstra como as palavras matam mais do que os atos.
A história é relativamente simples de contar: um general romano, Márcio Caius Coriolano, ganha tantas guerras e batalhas que se torna um herói de Roma, mas por ser arrogante, intempestivo e irascível, cai na armadilha de dois tribunos quando quer ser nomeado cônsul. É banido de Roma e vai ter com o seu maior inimigo para destruir a cidade natal. Durante o cerco, a mãe de Coriolano conversa com ele para o demover da sua sede de vingança e, ao ceder, comovido pelas palavras da mãe, acaba por assinar a sua própria sentença de morte.
O povo, a personagem coletiva, tem em vários momentos o poder de mudar o percurso de Coriolano e os destinos de Roma, já que o povo tem de votar pela eleição e depois pelo banimento de Coriolano. E, em vários momentos, o povo contradiz-se e toma decisões opostas quase em simultâneo, de acordo com o discurso do mais bem-falante do momento. Minhas senhoras, este texto foi escrito em 1608 com base numa personagem da Roma Antiga que terá vivido no século V a.C. e é impressionante como hoje ainda faz tanto sentido.
Da encenação que estreou ontem no Teatro Nacional D. Maria, em Lisboa, há a dizer que Ana Bustorff tem uma excelente interpretação e que Albano Jerónimo, ator que encarna o protagonista, mostra em alguns momentos que a sua grandeza não é apenas uma questão de altura – o ator tem, aos 35 anos, alguns detalhes de interpretação dos grandes atores de teatro (o domínio do tempo em palco, a rápida alteração do tom do discurso).
Mas o texto é muitas vezes dito a correr, pela maioria das personagens, demasiadas vezes aos gritos, o que não facilita a compreensão da ação. Ainda por cima, é um texto de Shakespeare que continua a ser poesia. Gostaria de ter ouvido melhor a música das palavras e de ter visto as personagens a pensar, em vez de as ver debitar o texto.
Não deixa de ser importante assistir a esta peça, que fala dos dias de hoje, que mete medo pela atualidade e pela malvadez que reconhecemos tantas vezes… e que tem Albano Jerónimo, if you know what I mean…
A peça vai estar em cena até dia 2 de fevereiro de 2014. Bilhetes a partir de €5.