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Além da pele: Prazer em nos conhecermos!

Afinal, o que quer uma mulher? Esta famosa pergunta de Freud ecoou ao longo do século XX, quando várias ciências buscavam desbravar o enigma do “continente negro” feminino, cada vez mais, em franca transformação, no entanto, mantendo-se (segundo os mais actuais estudos) estagnadas num ponto, ou sem o mesmo acesso a um direito fundamental, tido pela OMS como um dos pilares da qualidade de vida: a saúde sexual, vulgo, o prazer na cama.

O baixo desejo sexual é o problema sexual mais comum relatado pelas mulheres. Segundo algumas estimativas, mais de 50% das mulheres experimentam os seus efeitos. O que provavelmente você ainda não sabe (porque ninguém lhe disse; em 2023 ainda é raro falar-se destas coisas) é que o stress crónico e a insatisfação (tanto sexual como emocional) no relacionamento estão descritos como alguns dos principais factores para o desejo hipoactivo feminino.

Outros estudos recentes descobriram que a libido feminina mais baixa ou inexistente pode também resultar de diversas normas sociais, especialmente relacionadas a casais heterossexuais. Assim, parece que a objetificação e as divisões desiguais do trabalho por género levam a divisões desiguais do desejo… por género. Pois sim, o papel da cuidadora sem limites, esbaforida e sobrecarregada não é exatamente um afrodisíaco no departamento do desejo das mulheres.

Lingam e Yoni ou os lugares de nascimento, fonte de vida, bastão de luz e o templo sagrado seriam lugares fantásticos para todos esguicharmos felicidades, mas talvez só numa galáxia bem distante da nossa cultura, que nos quis “casados, fúteis, quotidianos e tributáveis” (segundo Álvaro de Campos no seu Lisbon Revisited) e nos faz encolher como pessoas, nomeadamente, na própria sexualidade.

Há um aspecto sobre o sexo que muitos casais ignoram: o desejo sexual, para emergir e manifestar-se, surge de um lugar psicológico de relaxamento e entrega.

Muitas pessoas têm uma extrema dificuldade em soltar as suas amarras emocionais, precisam de condições ideais de temperatura, pressão e humidade para chegar a esse ponto de relaxamento. Entrega, confiança, segurança psicológica e conexão emocional são tudo numa relação (incluindo a sexual) genuinamente gratificante.

Quando um casal ignora este aspecto emocional que facilita o sexo, há um outro aspecto problemático: muitos não conseguem perceber o clima propício para que ele aconteça e imaginam que a simples vontade (se existente) resume as boas condições para namorar. Para quem tem uma personalidade monolítica (do tipo “desejo, logo faço”) isso pode até pode funcionar, mas para quem (como as mulheres, de forma geral) precisa de mais contexto, mais conexão, mais intimidade, o simples desejo não é o suficiente.

Muitas vezes, os casais até se amam, mas há ruído desatinante entre eles, uma sensação de que não são totalmente aceitáveis (ou aceitos), não são totalmente recebidos (ou recebíveis) ou não são capazes de ser verdadeiramente o seu “eu erótico” mais autêntico.

Mas hoje, senhoras e senhores, eu vou revelar-lhe o que (verdadeiramente) acende uma mulher. O que a faz arder por si (ou não). Quer saber o que nos deixa sem fôlego? O que desperta cada instinto apaixonado e revela cada camada da incandescente volúpia feminina?

Então, tome nota: é ela saber que você faz o seu trabalho interior. Que se está a curar. A fazer essa ‘maldita’ dessa terapia. A liderar-se a si mesmo(a). Está disposto(a) a construir o seu músculo emocional para que os seus braços sejam fortes o suficiente para manter o fogo de uma mulher desperto?

Além da superfície da pele: o poder de conhecerem-se. O prazer de poderem de facto conhecer-se e elevarem a vida sexual a um outro nível. Assim, é vê-las como pensam em todo o processo de fruir com cinquenta tons de auto-conhecimento e resolução. Render-se, deixar (-se) ir (e vir) pela força da coragem suficiente em ficar-se desconfortável por conta da profundidade e da conexão humanas.

Será você capaz de mergulhar em lugares emocionais (com o(a) outro(a)) que na verdade nunca experimentou? E como isso se faz?

Através da fala. Não só falo. Não só falta. De falar. Vá fundo nisso. Caia em si ou pare de se esconder atrás do sexo performático, superficial. Evoluir. Enfrentar o que for preciso para poder seguir em frente sem a sombra do seu passado que inferniza o seu presente.

A sério que acha mesmo que vulnerabilidade é fraqueza? É preciso ser-se um colosso de um homem para ficar vulnerável diante de uma mulher e isso é selvático, isso é quente. E é mais raro que um diamante.

Pare de fugir da magia e do ventre quando é exatamente isso o que você precisa. Pare de dizer a si mesmo que ela é demais quando a realidade é que você só tem medo de não ser o suficiente.

Possua-se a si mesmo(a) antes de querer fazê-lo a alguém. Acredite que conseguirá lidar com isso. Aja de acordo e seja um espaço seguro. O chão forte. A calma para todas as tempestades.

Faça isso e encontrará rendida uma Deusa à sua espera. Faça isso e será levado a um lugar de plenitude e êxtase que você não sabia que existia e provavelmente não teria encontrado sozinho(a). Faça isso… e você estará em casa.

Veja. Na realidade, a relação ou a necessidade de “ligação” com o outro é a expressão de um profundo anseio humano. O anseio de sentir-se recebido, reconhecido e reafirmado na expressão genuína do seu Eu.

A relação clama por intimidade emocional. Quando um olhar, um toque, uma palavra nos move internamente, foi despertada a intimidade emocional. Mas, das duas, uma! Pode acontecer que esta situação nos assuste e então fugimos do contacto ou respondemos racionalmente expressando uma opinião, um conselho ou mesmo uma interpretação (evitando uma resposta emocional, às vezes porque até nem estamos disponíveis para uma intimidade emocional com a pessoa em questão); ou, de outra forma, não existem conflitos internos dentro de nós no querer avançar com a relação, partindo de uma base real de amizade e intimidade emocional, e o Eu passa a acolher, a valorizar, a reconhecer e a querer viver cada vez mais um Tu, formando um Nós na sua essência. Neste ponto, não existem barreiras e sentimo-nos inteiros. E reafirmados. O Eu pode ser sustentado externamente, quando existe um Tu que o recebe e o reafirma e o Tu pode emergir quando existe um Eu que se expressa e se comunica. Ambos tornam-se uma estrutura de apoio para o outro, e você sente-se tão seguro(a) e livre para expressar quem realmente é, bem como fazem o que realmente querem fazer, abrindo todo um novo mundo de possibilidades, liberdade e potencial. Quando isto ocorre existe a verdadeira relação! Fora disso, somos papéis que interagem com outros papéis. E há imensa papelada!

Quando não nos relacionamos (seja por medo, por dizermos que não precisamos ou não querermos, seja por acharmos que não conseguimos, merecemos ou podemos, enfim!, seja por mais mil e uma truculenta trapaceia), não existem pessoas. Tornamo-nos conceitos indiferenciados, genéricos, “coisificados” e “coisificando” o próprio mundo à nossa volta.

A maioria de nós tem um mundo inteiro por abrir dentro de si.

Quando você se envolve numa conversa profunda com quem o(a) entende é como se de repente entrasse num multiverso estrelado, de passadeira vermelha estendida para si. As horas passadas juntos podem parecer minutos, há uma alegria e uma paz tranquila por saber em quem confiar. Você mesma(o), poder ser só um ser humano diante daquele outro ser humano. Coisa rara.

Abrirmo-nos e darmo-nos verdadeiramente ao outro não é para toda a gente. Faça-o primeiramente por si e, se ajudar, queime barreiras, fronteiras e sutiãs, sem se esquecer também de queimar a culpa. Ficar dentro de uma zona de prazer connosco mesma(o)s, especialmente em áreas da vida (nas quais muita(o)s de nós fomos ensinada(o)s que não deveríamos adentrar) leva-nos a afastarmos ainda mais da culpa tóxica e a aprofundarmo-nos na autoconfiança, na maturidade, na realização.

O sexo pode trazer bebés ao mundo, erigir arte e derrubar impérios. É uma coisa muito poderosa. O sexo é o que nos trouxe a este mundo. Um acto de prazerosa criação foi o que nos fez. Ou pelo menos assim deveria ter sido. Infelizmente, muitas mulheres não sentem nenhum prazer, mesmo que encenem todo um show para fazer crer o contrário.

E muitos homens, embora possam experimentar grande prazer físico, também são torturados pela vergonha e culpa associadas ao sexo. Muitas vezes eles ficam tão subtraídos ao sexo induzido pela pornografia que têm uma percepção distorcida de como ele poderia/deveria ser. Na realidade, muitos homens nem conseguem experimentar toda a extensão do prazer pelo qual anseiam.

Muitos estudos têm observado que a maior parte dos homens veem o sexo como uma forma de mostrar as suas “habilidades técnicas”, encarando, muitas vezes, o acesso à sexualidade feminina apenas como um troféu a ser conquistado, em vez de focar no prazer das mulheres durante o sexo.

Talvez o prazer ideal para si não seja um squirt; talvez seja apenas saber que você é livre para se deliciar com o seu deleite. Talvez seja um sorriso em vez de um esguicho. Talvez seja o cheiro do jantar que ele(a) deixou no fogão ou a sensação de deixar a sua pele livre para receber as cócegas feitas pela brisa e deixar que isso a(o) excite. Sem culpa. Sem vergonha. Sem medo.

No dia em que você aceitar a sua natureza sexual, surpreender-se-á ao descobrir que o prazer não se limita ao quarto ou ao sexo com um(a) parceiro(a).

E porque é que eu gostaria de ver essa transformação em si?

Porque quero viver num mundo cheio de pessoas mais corporificadas e menos tolhidas. Quero viver num mundo onde falamos tão livremente sobre a luz como quanto falamos sobre as trevas. Quero viver num mundo com menos depressão, menos ansiedade, mais amor e menos guerra. Gostaria mesmo de viver num mundo onde eu, o meu amor-marido e os nossos filhos pudéssemos ver mais pessoas a sorrir enquanto caminhamos pela rua.

Sim, o prazer também pode ser considerado um trabalho interno.  E a emocionalidade positiva, as dimensões de leveza, relaxamento, descontração, a gratificação saudável são sempre um grande tabu nos meios adoecidos (e adoecedores). Logo, o discurso sexual é negado, pois o prazer será visto como um tabu, como algo “não puro” e transgressor. Na verdade, a alegria autêntica, aquela que é desconcertante, é algo até bastante subversivo para os alicerces da estrutura social e de poder da nossa sociedade…

A busca do prazer pode ser uma fuga ou uma abordagem paliativa, às vezes, de anestesia das dores humanas, mas quando conscientemente perseguido, quando conscientemente convidado é permitido na sua vida, o prazer pode ser um caminho para a libertação e para viver uma vida saudável e feliz. Só precisamos de um pouco de vitamina “P” (Prazer) para activá-la e energizá-la.

As mulheres são xamãs naturais quando reservam um tempinho para honrar o seu orgasmo, o seu corpo, todo o seu sistema e o seu prazer.

O fogo quando é de menos faz falta, faz frio, é escuro e desconfortável. É preciso acertar o tom, compassar o ritmo, entregarem-se genuinamente e deixarem-se embriagar de labaredas na medida certa. E depois? Depois é aprender a manter acesas somente as brasas.

A sexualidade não está relacionada somente ao acto sexual. A sexualidade está relacionada à vida, sensações, sentimentos e emoções relacionados ao prazer. Ela vive nos interstícios das palavras. Talvez por isso tenha Nietzsche dito que só existe uma pergunta a ser feita quando se pretende casar: “continuarei a ter prazer em conversar com esta pessoa daqui a 30 anos?” E como pode lá isso ser? Oras, p(h)odendo…

Uma boa conversa é um acto erótico.

Uma boa conversa é aquela em que podemos dizer tudo sem termos medo de não dizer nada. Tudo pode ser tocado, abordado, colocado sobre a mesa, na cama, tratado, retratado, rebatido, formulado, reformulado, construído e desconstruído, expresso e explorado. As palavras são lançadas como o fluxo do nosso pensamento, mostrando o que realmente pensamos sobre as coisas, sem hipocrisia ou fingimentos; a nossa balbúrdia interior representada por palavras que querem sempre dizer alguma coisa, mas nem sempre encontram o jeito certo para, e tudo bem; mostrando a alma despida e escancarada, pronta para ser vista, acolhida, ouvida, atendida, tocada.

Pensar a dois, como se fazer o pensamento fosse como fazer amor.

E porque o erótico é da vida e a vida é da alma, a alma está escancarada, fala-se sobre tudo ou sobre nada, desde os assuntos mais triviais aos mais existencialistas.

Se há algo de divino neste mundo, sem dúvida alguma manifesta-se no espaço e no tempo colocado entre duas almas que anseiam por se tocar e isso só é possível quando permitimos que estas dialoguem com verdade, profundidade, vulnerabilidade e beleza, pois somente, dessa forma, temos a eroticidade necessária para transformar duas almas distintas vagando pelo nada em duas almas (con)juntas.

Viver ao lado de alguém é um grande desafio a ser enfrentado diariamente. Pode ser que os apaixonados não percepcionem desta maneira, mas a verdade é que a construção de um relacionamento dá-se diariamente, a cada palavra proferida, gesto, atitudes, olhares e comportamentos.

Não há inteligência artificial que substitua a presença real, a voz, o contacto, o corpo, o gesto, a pele. A magia de pertencer e, juntos, podermos sentir, pensar, fazer e acontecer.

Como nos mitos da renovação, vamos despindo as várias peles. No sentido inverso. Para ficarmos sem nada. E ao mesmo tempo com absolutamente tudo. Se lá chegarmos.

O encontro humano é uma arte, um pequeno grande milagre, já que mesmo depois do prazer do corpo, as palavras, a conexão real permitem-nos a continuidade do prazer na alma.

Sara Ferreira

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