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Alexandra Lencastre, talento e emoção. Entrevista exclusiva!

Numa conversa descontraída e emotiva revisitámos o passado, vivemos o presente e olhámos para o futuro de uma das mais acarinhadas e consagradas atrizes do panorama nacional. A viver uma fase de mudança, a atriz, que soma sucessos na sua vasta carreira, confirma vontade de querer fazer muito mais.

Figura incontornável do teatro, do cinema e da televisão nacionais, com vários sucessos inequívocos numa carreira que conta com cerca de 36 anos, Alexandra Lencastre dispensa apresentações. Da sua estreia profissional, numa peça do Pasolini, encenada por Mário Feliciano, recorda o medo de entrar em palco pela primeira vez, medo esse que continua a fazer parte do seu ‘modus operandi’ para encarar a entrada em cena, como se da entrada numa arena se tratasse para uma luta de vida ou de morte. Entra para dar tudo de si. À redação chegou com a simpatia e desenvoltura que lhe são naturais. Nas primeiras palavras, foi avisando que fala muito. E fala. Muito e desenfreadamente, à velocidade que os pensamentos lhe ocorrem. Diz-se impulsiva, característica que lhe custa aceitar e que tenta controlar, mas que, muitas vezes, ainda a surpreende. Foi casada duas vezes. A primeira, com o ator Virgílio Castelo. A segunda, com o produtor Piet-Hein Bakker, pai das suas duas filhas, Margarida, de 23 anos e Catarina, de 21. De regresso a Lisboa, cidade onde nasceu e onde já não vivia há 16 anos, vive uma fase de consciência da finitude da vida o que lhe dá vontade de querer experimentar novos desafios. Estando para breve o final das gravações da novela da TVI ‘Na Corda Bamba’, a artista prepara-se para voltar ao teatro e para se estrear na encenação.

Na telenovela ‘Na Corda Bamba’, da TVI, é a psicóloga Fernanda Sequeira. Como está a decorrer este trabalho?

Gosto muito de dizer o nome completo: Fernanda Sequeira Lobo, porque dou imensa importância aos nomes das personagens. Desta vez, não consegui mudar o nome de Fernanda para Maria João. Isto, porque como estamos a trabalhar com uma equipa de brasileiros, o nome Fernanda tem a conotação de  uma mulher forte e importante. Por exemplo, à imagem da atriz brasileira Fernanda Montenegro, que pertence a um grupo de mulheres que são importantes, que têm força e carisma, que são uma inspiração, que são líderes de opinião no Brasil, são interventivas, mesmo na idade dela continua a ser uma mulher interventiva e ativa. Como preciso da figura de uma mulher forte, uma matriarca, bem sustentada penso naquela geração das Marias, aliás os homens dessa geração eram José, Manuel ou João e as mulheres eram Maria João, Maria José, isto para dizer que há imensas mulheres no nosso panorama artístico, cultural e político com este nome, que soa a forte, e lutei imenso para ser uma Maria João, ou Maria José, para me dar logo um ar de uma masculinidade frustrada, pois tendo o nome de um homem, com o apelido Lobo, que é um animal feroz, mas fiel à sua alcateia, tudo isto me serve de base à construção da minha personagem. São as minhas primeiras bases para começar a construir a personagem. Não são tanto as futilidades, como ter uma tatuagem ou uma caracterização, porque esses pormenores vão surgindo naturalmente durante o trabalho nos ensaios. Neste trabalho tivemos uma preparação e uma abordagem muito diferente, com a Helena Varvaki, a diretora de atores, que também é atriz e tem feito um trabalho fora de série. Talvez pelo facto de ser atriz e de ter viajado pelo mundo inteiro, e ter, juntamente com o coordenador de projeto, toda a experiência da Globo, que para eles já é passado, tem sido uma experiência muito enriquecedora e muito exigente. Tirou-nos um bocadinho da nossa zona de conforto. Para eles, não interessou se já fiz de vilã ou qualquer outro tipo de personagem, houve um corte radical com o passado e vamos lá para uma experiência nova.

Já interpretou imensas personagens, com várias vidas, rostos, experiências… Como é que explora todas essas mulheres?

Vou aprendendo a abrir portas que, por vezes, estão trancadas e somos nós próprios que as trancamos. Por vezes, precisamos de um bocadinho de ajuda para as destrancar. A primeira coisa que um ator ouve quando entra no conservatório é que se acabaram as festas de anos, o Natal, os casamentos, os enterros. Ou seja, acaba-se um lado da nossa vida, dita normal, com os horários ditos normais e passamos a ter uma vida errante. Mas também é essa experiência – que é incómoda e que nos torna diferentes, embora essa diferença, muitas vezes, não seja vista de uma forma positiva, infelizmente – que nos ajuda a construir ou a redescobrir algo dentro de nós. Ajuda-nos a ir ao nosso baú de emoções e de memórias afetivas, emoções que, se calhar, preferíamos ter fechadas, porque não adiantam algo, mas que para o trabalho de ator adiantam.

São algumas experiências que nos parecem insignificantes?

Exato. Pode ser uma memória de infância que pensamos não ter importância alguma e de repente numa cena, surge e ajuda imenso. Por exemplo, na novela, eu e a Dalila Carmo somos mãe e filha e o facto de eu ter duas filhas ajuda-me imenso. Se tivesse dois rapazes, provavelmente, teria de fazer um trabalho extra, porque percebo perfeitamente o que são duas leoas, quando começam a crescer e a disputar o território de caça da mãe. Há muito amor, mas há uma disputa entre mãe e filha. Posso não sentir isso com as minhas filhas, mas quando faço de mãe nas novelas e preciso de discutir com as minhas filhas nas novelas, vou buscar matéria-prima a certas situações com as minhas filhas, quotidianas, que até podem ser insignificantes. Falo, por exemplo de um simples comentário, sobre porque é que se usam uns pratos e não se usam outros, que podem ser críticas mínimas, mas que, de repente, podem assumir a importância devida, desde que corretamente aplicada, nas cenas da personagem.

E como é que se despe de uma personagem? Há um processo?

Isso é mais difícil. Entrar é mais fácil, porque vamos construindo um edifício, tijolo a tijolo, com cimento, com sangue, com suor e lágrimas. Tudo serve de matéria-prima para criar. Se é violento, é violento, se é amor, é amor, mas vamos construindo um edifício muito colorido ou, por vezes, também sangrento ou doloroso, mas consistente e sólido, e não apetece demoli-lo! Porque é o nosso trabalho e é difícil deixá-lo. Por exemplo, um pintor vai ter a sua tela eternamente, um realizador vai ter o seu filme eternamente, mesmo depois de desaparecer. Já a obra de um ator é efémera, mesmo que fiquem gravados os episódios. O que nós sentimos não ficou lá imprimido, o que fica é apenas uma décima parte daquilo que sentimos. A parte da despedida é mais complicada. O que acontece no meu caso – não sei se outros atores o fazem, mas comigo funciona – é fazer uma substituição. Quando tenho uma nova personagem começo logo a agarrar-me a ela.

Recorda-se da primeira vez que subiu ao palco? Lembra-se do que sentiu nessa altura?

Como profissional, foi numa peça do Pasolini, Pilade, encenada pelo Mário Feliciano, e quem fazia de Pilade era o António Capelo, que também entra nesta novela ‘Na Corda Bamba’. Ele foi o meu padrinho de cena, que é a pessoa que nos dá a primeira deixa, ou seja, a pessoa que fala imediatamente antes de nós, quando nos estreamos profissionalmente, como se nos abrisse a porta para o palco. Correu-me pessimamente! Se falava era porque falava, se não falava era porque não falava. E, para ajudar, estava com a Luísa Cruz, que já tinha acabado o conservatório. Isto nos ensaios, depois lá consegui cumprir os mínimos olímpicos.

Sentia-se muito ansiosa, com aquela adrenalina inicial?

Vomitava todos os dias antes de entrar em cena! (risos) A Luísa ajudava-me imenso, fazia-me massagens… Quando aquilo acabava, eu ficava muito espantada. Como é que uma coisa tão rápida dói tanto! Era como se fosse uma flecha no coração.

Hoje mantém esse nervosismo? O que mantém dessa altura?

Mantenho. Sou uma chata! (risos). Sou a pior colega do mundo nesse aspeto, porque estou sempre doente, estou sempre rouca, estou sempre com aquele nervoso antes de começar… e depois entro em cena e acabou! E os meus colegas revoltam-se, mas já percebem que isto é o meu processo. Que é o meu modus operandi e que este medo e esta busca pela minha concentração fazem parte de mim. Se estiver completamente descontraída, ou se bocejar antes de entrar em cena, não sou eu!

Esse medo move-a?

Diria que sim. Para mim entrar em palco é como entrar numa arena, é uma questão de vida ou de morte.

Acaba por gostar desse medo?

Gosto. Sinto-me, talvez, como um forcado a entrar numa arena, sem proteção alguma. Vejo o animal que tenho à frente como um animal poderoso, que é o público. Que pode gostar ou não e nós percebemos logo essa energia, à primeira fala. Há uma luta no sentido de seduzir o público e manter o magnetismo com ele. É preciso manter o foco e, no meu caso, esse trabalho nasce da dor. Preparo-me antes, respiro, faço exercícios de relaxamento, de colocação de corpo e de voz, sigo todos os passos que aprendi e faço um trabalho prévio que me permite estar em cena descontraída e disponível mas… tem que me dar aquele frio, senão, não sou eu.

Disse que recorre a algumas recordações de infância para o seu trabalho. Que recordações guarda da sua infância? Como era em criança?

Tenho algumas recordações até muito distantes. Tenho uma recordação muito vaga, devia ter uns três anos, de cair da cama e abrir o lábio. Fiquei com o lábio superior levantado, como hoje adorava ter (risos). Era uma criança muito querida, toda a gente queria estar comigo. Comia, dormia, não refilava, tanto que uns primos da minha mãe foram de lua-de-mel e, na primeira parte foram sozinhos, na segunda levaram-me, porque queriam imenso ter filhos e então tiveram uma espécie de treino, comigo. Depois até fui irrequieta, mas na infância era sossegadinha.

Tornou-se mais irrequieta na adolescência?

Ali a partir dos oito, nove anos comecei com umas crises existenciais, com umas preocupações muito sérias a propósito da existência.

O sonho de ser atriz surgiu nessa altura?

Pensei em ser atriz logo muito cedo. Queria ser atriz, bailarina, cantora… Via aqueles filmes maravilhosos de Hollywood e via que um ator tinha de ser completo e tinha de representar, cantar, dançar e esse era o meu sonho. Mas, também muito rapidamente, me disseram que não era por aí que deveria seguir.

Até porque esse sonho não era muito bem visto pelo seu pai?

Não era. O meu pai é Pedrosa, a Inês Pedrosa é minha prima direita. Nós tínhamos o seu exemplo. A Inês é ligeiramente mais velha do que eu. Mas foi muito precoce, sempre foi uma mulher muito inteligente e muito cedo deu provas e ganhou prémios literários, etc. O meu pai não queria pensar que a filha queria ser atriz, quando sonhava que fosse para direito… Imaginava a sua filha, a fazer algo do domínio público, que fosse pela justiça, que fosse uma luta válida… agora, representar? Fazer teatro, umas cenas do absurdo e umas patetices? Só se fosse um hobby, pois não era uma profissão ou uma escolha de vida que ele aprovasse. Tanto que não sou Pedrosa, porque ele não gostou e eu fui pedir autorização ao meu avô materno e ele lá deixou e achou muita graça. Na minha família, tanto de um lado como do outro, todos cantavam, em família, ou em festas, mas eram atividades vistas como hobys.

O seu pai queria outra profissão para si?

Queria. Porque o meu pai – talvez já o tenha perdoado mais porque percebo isso (não tive mesmo qualquer apoio dele no início) – conhece-me bem. E no fundo, ele achava que eu era demasiado frágil ou que não teria estrutura para aguentar esta profissão… e penso se ele não terá razão… Ou pelo menos, muitas vezes, questiono-me se ele teria razão…

Apesar dessa fragilidade que reconhece, encontrou força em si para continuar?

Sim de facto, sempre encontrei força para continuar, mas, muitas vezes, penso que não sei como…. Uma vez tive o privilégio de trabalhar com o José Wilker, que além de ser um excelente ator, era um homem muito culto, muito engraçado, com imenso sentido de humor, muito cínico, também e muito sarcástico. Ao falar destas experiências e questões, ele dizia: ‘se eu tiver de fazer coisa em cena muito complicada e se eu racionalizar passo a passo o que tenho de fazer, eu não vou conseguir fazer’. Portanto, há uma zona de intuição, da nossa animalidade, visceral, que nós também temos de permitir que venha ao de cima, que tome conta de nós e isso é, muitas vezes, uma surpresa. De repente, olhamo-nos ao espelho e não nos reconhecemos, vemos uma fotografia nossa e dizemos: ‘não sou eu!’

Mas vive a carreira com que sonhava?

Sim. Mas tenho pena de não ter feito duas coisas, nesta profissão: de não ter feito mais cinema… a Márcia Breia uma vez disse-me: ‘Tu não respiras cinema’ e ela tem razão. Sinto que não cheguei lá ainda. Há um método para se fazer televisão, há outro para se fazer teatro e outro para cinema, são caminhos diferentes, onde encontramos soluções diferentes e são ecossistemas completamente distintos. Mas, de facto, eu ainda não me libertei completamente ao ponto de dizer: ‘sim, gostei, sim este trabalho está bem’.

Acaba por ser a sua maior crítica?

Sim, tenho mesmo de ser. Sinto que temos de nos policiar constantemente. Tenho essa mágoa, mas, se há alguma grande vantagem nesta profissão (e muitas desvantagens, neste país, em que não há apoios, nem financiamentos, etc) é que tem uma longevidade grande e posso sempre fazer até morrer. Depois, também gostava de ter ensinado, o que ainda posso vir a fazer. Aliás, muitas vezes me tem passado pela cabeça, se pudesse (mas não posso) acalmar. Por exemplo, se tivesse voltado a casar e se tivesse uma estabilidade diferente, poderia recusar mais trabalhos e uma das coisas que iria fazer era dar aulas. Não só para passar o meu testemunho, mas também para absorver novas leituras e novas perspetivas, porque hoje cristalizamos com uma facilidade enorme. Assim, permitir-me-ia levar com uma lufada de ar fresco, ouvir questões que, provavelmente, nunca me iria colocar e ideias das novas gerações, permitir-me-ia aprender com quem tem menos experiência, mas tem outra visão e outra linguagem.

A sua filha Margarida é hoje também atriz. O que sente em relação a esta escolha? Revê-se, de alguma forma, na postura do seu pai, que revelava preocupação em relação à sua escolha profissional? Ou sempre a apoiou?

Um bocadinho. Talvez tenha compreendido melhor o meu pai. É como se costuma dizer: ‘filha és, mãe serás’… Fico preocupada, as coisas estão mais difíceis hoje. O facto é que somos diferentes, mas também porque existiu um exemplo que ela não gostou, quer seguir outro caminho, não quer fazer televisão, quer fazer outro tipo de teatro, mais alternativo, com outro tipo de mensagem e postura. Não quer aparecer e dar entrevistas. Com a idade dela também pensava muito assim, depois acabei por ir cedendo, mas também porque apareceram projetos muito interessantes. Quando comecei não havia novelas e gravávamos imensas peças de teatro que fazíamos, fazíamos séries. A Margarida está num impasse em que quer seguir um caminho mas está a perceber que vai ter de ter um trabalho noutro sítio, conciliando ambos.

Mas tem sempre o seu apoio?

Completamente. Conversamos imenso, por vezes discutimos, porque temos pontos de vista diferentes, mas ficamos muito contentes quando estamos de acordo. Ela vai ver tudo, quer beber tudo, conhece toda esta nova geração de atores e trabalhos e acho muito interessante esta capacidade que ela tem de ser eclética. Vai a concertos, a espetáculos de bailado, quer absorver tudo e acha que eu devia ver mais, que estou mais passiva, que só trabalho. Eu tenho outro ritmo e sou mais seletiva nas minhas escolhas. Mas vamos a muitas peças juntas.

Como descreve a relação que tem com as suas filhas? Como é enquanto mãe?

Sou uma mãe galinha. Sou aquela mãe chata, mas que acaba por ter razão, ou seja, se as coisas comigo funcionam, relembro-as de tudo, ficam logo cansadas antes de fazer seja o que for. Mas se for preciso de tratar de um documento, à última da hora, por exemplo também sou a mãe que, se o documento não está pronto a tempo, trato eu e pago o que for preciso para estar pronto. Ou seja, sou chata mas estou sempre que elas precisam e tudo acaba por funcionar. A Catarina agora está em Londres, e sempre foi mais reservada. A Margarida é mais parecida comigo, muito extrovertida.

Já saíram as duas de casa. A mais nova foi estudar para Londres, aos 17 anos, e acabou por lá ficar a trabalhar. Como lidou com essa fase de saída das suas filhas?

Foram duas saídas completamente diferentes. Quando a Margarida saiu, até foi um alívio, porque ela estava numa fase impossível, queria ser independente na minha casa e lá está, surgia a disputa de território. Isso fazia com que eu me sentisse prisioneira no meu quarto, dentro da minha própria casa, porque ela tomava conta da casa. Por exemplo, quando chegava a casa cansada, depois de um dia de trabalho, encontrava 30 pessoas num grande convívio, numa grande tertúlia muito interessante mas não era nada daquilo que me apetecia, só me apetecia estar descansada. Mas como foi para Lisboa, ficou perto, vinha passar fins-de-semana, trazia algumas coisas dela para tratar, mas sabia-me bem, também voltar a cuidar da ‘cria’ e assim era ótimo. Agora, a saída da Catarina foi demasiado repentina e ainda tenho um aperto no coração, porque achei que ela não sabia cozer um ovo e que lhe iria acontecer de tudo. Sofri tanto. Um ano depois soube que, no primeiro ano do curso, ela confidenciava às amigas que, quando chorava ou quando achava que ia desistir, estavam proibidas de me dizer. Depois, o segundo ano correu melhor e foi, para mim, uma surpresa. Sempre quis que ela ficasse a estudar por cá, em Lisboa, porque era muito nova e senti como se me tirassem um bebé dos braços. Mas depois ela conseguiu fazer o curso, com excelentes notas, foi a três entrevistas de trabalho em duas semanas e ficou com um contrato na BBC News. Portanto, sou obrigada a dar a mão à palmatória e a estar muito orgulhosa e feliz por ela. Não a posso ver tanto quanto gostaria, porque embora se diga que Londres é já ali, não é tão simples como se diz.

Morava da linha de Cascais e após a saída de casa das suas filhas decidiu voltar a morar em Lisboa…

Eu morava ao pé do Guincho e a Catarina era uma das razões que me fazia manter-me lá. Tem as mesmas amigas desde os 3 anos, as atividades dela eram por ali, tudo era por ali e adorava Cascais. Também percebo agora que ali não precisava de aulas de yoga nem de meditação, porque só aquele sítio, aquele ar puro, estar a viver a 100 metros do mar, enfim… um fim de semana completo bastava-me para me sentir revigorada. Mas sentia-me isolada, os meus amigos verbalizavam o receio de que me acontecesse algo menos bom. Depois, por estar longe, acabava por me acomodar e a não querer sair. Depois, também por ser longe os amigos não iam lá. Pela Catarina seria preferível ter ficado na mesma zona, numa casa mais pequena, num condomínio. Cada vez gosto mais do meu sossego e de ser pouco observada e estou numa fase da minha vida em que me apetece um certo recolhimento.

Procurava um refúgio?

E acabei por encontrá-lo, em Lisboa, ao pé de uma rua muito barulhenta, numa rua muito sossegadinha, só com um sentido. Só tenho uns vizinhos de cima, uma família muito simpática, que vive no México e estão cá poucas vezes. Acabei por encontrar uma miniatura do que tinha, só não tenho mar, mas estou perto do rio. Não sei se será a minha última casa, mas estou a gostar da experiência. Voltei a Lisboa, estou a viver num bairro, percebi que tinha saudades de Lisboa e que não queria admitir, estive 18 anos fora.

Está a redescobrir Lisboa?

Lisboa está muito bonita, está bem organizada, com uma vida cultural imensa. Posso ter um brunch e um museu ao lado. Sinto que Lisboa está ainda mais bonita.

E na sua casa o que é que gosta de fazer?

Dormir, dormir, dormir (risos).

Mas gosta de decorar, de escolher os seus objetos…

Sim, sou muito ‘grand mère’, a minha casa parece um bocadinho de avó. Gosto de guardar as minhas coisas, as coisas que eram da minha avó, da minha tia… Sou muito de guardar pequenas coisas, por isso tenho muitos objetos. Gosto de me identificar em cada sítio por onde passo, na minha casa. Desse modo, sinto-me protegida e sinto que aquela casa também recebe bem as outras pessoas porque as recebe com amor. Tudo que está lá são boas recordações dos meus entes queridos, por isso as pessoas só podem sentir-se bem.

O que faz para relaxar?

Quero fazer yoga mas ainda não tenho tempo. É uma das resoluções para este ano mesmo. Para um ator é muito importante encontrar uma forma de se desligar mas mantendo um certo nível de consciência. No fundo, de ascender a um outro nível, um nível superior, tendo consciência de si próprio. Por isso, neste momento, estou à procura de uma pessoa que me possa ajudar em casa e, se calhar, arranjar um grupo de três pessoas que tenham a aula comigo. E fisicamente o yoga também é muito bom. Nestas idades chatas em que as mulheres começam a ficar muito traiçoeiras…

É importante encontrar uma ajuda para nos conhecermos melhor…

E para não engordarmos tanto, também (risos). Porque as hormonas são umas malvadas.

Como é que se define? É uma tarefa difícil para si?

É. Mas diria que sou impulsiva. Às vezes, surpreendo-me com aquilo que acabei de dizer e de decidir. E demoro a aceitar esse meu lado. Porque eu quero tanto controlar e quero tanto que os meus amigos gostem do meu lado bem comportado… e de repente vem um vento do norte com uma Mary Poppins e lá me transformo e tomo uma decisão inesperada. Por exemplo, agora tive de mudar de carro, de um usado para outro usado. E claro que eu fiz estudos, informei-me, pedia ajuda a amigos.. E de repente, a Margarida – que também não liga nada a carros e nem quis tirar a carta – disse-me que também queria ver o carro. Lá fomos e eu trouxe outro carro (risos). E eu nunca tinha pensado naquele carro. E de facto ele é a minha cara, como a Margarida me disse, e é pequeno e ótimo para andar em Lisboa.

Se tivesse que dar um nome a esta fase vida o que diria? Que fase está a viver?

Estou a viver a contemplação da finitude. Isto não quer dizer que o fim esteja muito perto. Mas é estranho nós começarmos a lidar com assuntos que não imaginávamos há 30 anos. Trinta anos eram uma eternidade e de repente 30 anos foram um fósforo. E é importante prepararmo-nos. Por exemplo eu já fiz uma série de coisas que as pessoas acham muito mórbidas, tenho tudo organizado com o meu advogado sobre como as coisas vão ser resolvidas. E tomei uma decisão muito importante…

Mas neste momento isso dá-lhe o luxo de poder viver de uma forma mais calma? Agora tem mais permissão para tudo?

Tenho mais permissão mas tenho menos tempo. E quanto tempo terei com qualidade de vida? Será que não parto uma perna e com a osteoporose demoro muito mais tempo a recuperar? Depois, tenho que ser operada, por um ferro… Estou a tentar adaptar-me àquilo que me espera, através da experiência de vida que tenho e da dos outros.

Algum sonho por realizar?

Tantos! Casar-me a terceira vez, por exemplo (risos) Sei que isto é muito fútil dito assim, mas não há duas sem três. Casei-me duas vezes, por isso, porque é que não hei-de casar-me uma terceira? Mas ninguém quer casar hoje em dia. E eu própria já percebi que também não quero casar. O que eu gostava de ter, porque não tenho há muito tempo – e não tenho porque estou mais esquisita – era uma companhia. Gostava de ter alguém com quem partilhar as alegrias e as tristezas e ter conversas como a que estamos a ter agora. Sinto que ainda há um lado meu como mulher que não desapareceu, que não morreu e que ainda está vivo!

Sente-se ainda na máxima força?

Não me sinto na máxima força. Mas sinto-me com uma força diferente, capaz de abraçar uma relação de uma forma completamente diferente. Cada um no seu sítio, uma relação diferente…

Para si é mais o sonho que comanda a vida ou o amor?

É o amor. Sou super romântica!

A Alexandra foi sempre considerada uma das mulheres mais bonitas e sexys de Portugal. O que é que faz com que uma mulher se sinta confiante?

Há mulheres que já nascem assim, outras trabalham para isso. Depende muito da forma como nós vimos a este mundo: se fomos filhos desejados, como foi a nossa infância…

 

 

Tudo começa no berço?

Acho que sim. E a minha insegurança começou no berço. Para já porque queriam um rapaz, até já tinha lenços bordados com um M. Já tinha nome e tudo, era o Miguel. Tenho um irmão que é o Pedro, que tem mais um ano do que eu e eu ia ser o Miguel. Se calhar por isso é que eu era tão sossegadinha. Porque desde pequena eu queria imenso agradar! Daí a dificuldade em dizer que não, as inseguranças, o sentir que nunca se é suficiente… Isso é um trabalho que tem de se fazer. Enquanto atriz, acho que é importante manter um bocadinho essa insegurança porque de facto nunca se é suficiente, temos sempre de evoluir. E num espetáculo, mesmo que ele esteja três anos em cena, podemos sempre fazer melhor e evoluir. Pequenas coisas enriquecem as cenas e ajudam os outros atores.

Está a acabar as gravações. Já tem novos projetos profissionais?

Sim. Tenho dois convites do Diogo Infante, diretor do Teatro da Trindade. Um convite é para uma peça. Não é um grande papel, mas não há papéis pequenos. Por isso, vou voltar ao teatro. E depois há outra coisa. Pensei muito se devia ou não dizer porque sou muito supersticiosa, tal como todos os atores, mas vou arriscar dizer. Ele desafiou-me para uma encenação! Ainda não posso dizer o que é mas vai ser um grande desafio porque eu nunca encenei, nunca pensei encenar e nunca quis encenar. Se fosse há uns anos, o medo sobrepunha-se à vontade mas, neste momento, acho que há um lado meu que precisava de ser desafiado para provar que estou viva e que consigo fazer uma experiência diferente. E o acolhimento da parte dos atores escolhidos para o elenco foi tão amoroso… Como sou romântica, fiquei muito comovida com o facto de as pessoas acreditarem em mim como encenadora, apesar de nunca ter encenado na vida. São dois grandes desafios vindos de uma pessoa de quem gosto muito! Por isso, para mim este é que é de facto o ano da mudança. Mudei a minha vida do mar para a cidade mas estava a fazer teatro e televisão, ao mesmo tempo, e só agora é que me estou a sentir de facto a viver essa mudança. Só agora é que estou a sentir-me a viver no bairro, a dizer bom dia à vizinha, agora é que estou a viver essa mudança, de facto. E isso está a despertar em mim essa proximidade. Eu sentia-me tão longe e agora sinto-me perto de tudo. Em dez minutos, estou num teatro, na casa de um amigo, ando imenso a pé, vou a pé ao talho, vou a pé comprar fruta… Sinto-me acompanhada. Há uma nova energia que se transmite.

 

Fotografia Pedro Sacadura

Styling e Produção Diogo Raposo Pires

Maquilhagem e cabelos Eduardo Estevam

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