

Em Portugal, cerca de 2 milhões de mulheres são afetadas pelos miomas uterinos. Estima-se que entre 20% a 40% das mulheres em idade reprodutiva possam vir a desenvolver esta patologia, e essa prevalência pode chegar a 70%/80% aos 50 anos.
Também designados por fibromas ou leiomiomas, os miomas são os tumores benignos mais frequentes na mulher em idade reprodutiva. Representam nódulos sólidos do miométrio, o tecido muscular liso que constitui a parede do útero. Estes podem ter um impacto negativo significativo na vida da mulher, incluindo na sua vida sexual. Isto porque, embora 60% dos casos sejam assintomáticos e não interfiram, alguns miomas podem, em função dos sintomas associados como a sensação de compressão dos órgãos vizinhos, a dor pélvica intensa e a hemorragia menstrual abundante e prolongada, afetar significativamente a forma como a mulher vive a sua sexualidade.
De forma a chamar a atenção para esta questão “frequentemente negligenciada”, conversámos com Maria João Carvalho, Especialista em ginecologia e obstetrícia na ULS Coimbra e Docente da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra.
Como surgem os miomas uterinos?
Estes tumores têm origem na proliferação de uma célula do miométrio que depois cresce de uma forma hormonodependente. Assim, são uma patologia que afeta sobretudo mulheres em idade fértil e podem regredir após a menopausa.

Maria João Carvalho, Especialista em ginecologia e obstetrícia na ULS Coimbra e Docente da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra
A que sintomas devem estar atentas?
Mais de 70% das mulheres com miomas não têm sintomas. Quando os sintomas aparecem, podem variar de acordo com o tamanho e a localização no útero. A hemorragia uterina anormal e os sintomas resultantes da compressão pélvica são os mais frequentes. Destacam-se a pressão pélvica, dor menstrual, peso na bexiga e mais raramente sintomas intestinais. A associação com infertilidade ou efeito prejudicial para a gravidez, apesar de menos frequentes, são uma questão muito desafiante e controversa na prática clínica.
Quais as faixas etárias mais afetadas?
Os miomas, sendo uma patologia dependente da influência hormonal, são característicos da mulher em idade reprodutiva. A prevalência reportada aos 45 anos é de 60%. Assim, antes da puberdade e após a menopausa será uma situação rara. Muitos dados são influenciados pelos meios de diagnóstico disponíveis e a população em estudo.
De que forma impactam a vida das mulheres?
Vários estudos científicos mostram que as mulheres com sintomas relacionados com os miomas têm maior risco de depressão, labilidade emocional e ansiedade, como resultado do impacto na qualidade de vida. Na nossa prática clínica é de destacar as implicações sociais e laborais, particularmente no contexto de hemorragias intensas. Para além do desconforto, existem implicações para a saúde. A perda de sangue pode condicionar o aparecimento de anemia que se associa a cansaço e diminuição do desempenho a todos os níveis.
E a nível sexual, qual o impacto?
As mulheres com miomas apresentam maior frequência de sintomas relacionados com a disfunção sexual, os níveis de satisfação são inferiores comparando com grupos sem miomas. O efeito negativo sobre a vida sexual é reportado por mais de 40% das mulheres. A dor durante as relações sexuais e a presença de hemorragias podem justificar estes dados. Os resultados melhoram após início de tratamento dos sintomas dos miomas uterinos.
Como são diagnosticados?
A história clínica e a observação ginecológica podem levantar a suspeita. A ecografia pélvica é o exame de primeira linha para avaliação dos miomas uterinos e em muitos casos é o único exame necessário para a orientação e vigilância. De acordo com a localização e dimensões dos miomas podem ser necessários outros exames como a histeroscopia (endoscopia ao útero) e por vezes a ressonância magnética, sobretudo no planeamento de uma intervenção cirúrgica.
Quais os tratamentos?
O tratamento deve ser baseado não só na melhoria dos sintomas, mas também no desejo da mulher, nomeadamente no que se refere a uma futura gravidez. O controlo da hemorragia associada com os miomas é possível com tratamento médico. Só quando este não é possível ou falha devem ser individualizados tratamentos com técnicas minimamente invasivas para preservar o útero. Quando estas opções falham ou não são exequíveis, a histerectomia (remoção do útero) pode ser a solução. O tratamento farmacológico é baseado em métodos hormonais, como os contracetivos, que nos permitem controlar as queixas da maioria das doentes, para além de outras medidas adjuvantes para controlo da dor. Na atualidade os clínicos têm muitas opções disponíveis, a investigação nesta área tem permitido a introdução recente de novos medicamentos eficazes e seguros.
A mulher corre o risco de não poder ter filhos?
Na maioria dos casos a presença de miomas não interfere com a gravidez, mas vai depender da localização e das dimensões. Com um horizonte reprodutivo mais longo devido às melhorias nos cuidados médicos e à tendência atual das mulheres para adiarem a gravidez, a associação entre infertilidade e miomas têm aumentado. No entanto, existem controvérsias quanto aos mecanismos responsáveis por esta associação e à indicação para tratamento, assim como o tipo de tratamento.
Há alguma forma de prevenção?
Os miomas estão associados a alguns fatores de risco como a obesidade, nuliparidade, hipertensão e idade avançada. O impacto da dieta, exercício, tabaco, stress e outros fatores ambientais não é claro. A utilização de contracetivos hormonais em mulheres com miomas diminui a manifestação de sintomas nomeadamente hemorragias anormais. Está descrita uma maior prevalência dos miomas na raça negra, apontando a hereditariedade como um fator de influência, que não é modificável. A biologia dos miomas é complexa e muitos fatores moleculares que regulam o desenvolvimento e crescimento continuam em investigação com vista a um tratamento individualizado no futuro.