Dina Lopes descobriu em 2017 que não poderia realizar o seu sonho de ser mãe. Esta notícia deixou-a em choque e provocou-lhe um sofrimento que permanece até aos dias de hoje. Durante o seu caminho para a aceitação, de forma a amenizar a dor, decidiu escrever um livro infantil. Em “Mac à espera do Nunca” conta a sua história, através dos olhos da sua cadela de estimação, a Mac.
Quando é que descobriu que não podia ter filhos?
Tive o diagnóstico de infertilidade em setembro de 2017, algum tempo depois de andar a tentar engravidar. Sempre que ia ao médico (que me acompanhava na altura) referia-lhe os meus sintomas, mas os mesmos foram sempre desvalorizados e, infelizmente, a situação arrastou-se demasiado tempo. Eu já desconfiava de que algo não estava bem, mas a confirmação só apareceu com a mudança de médico e após dois meses de vários exames para tentar perceber o porquê de não engravidar.
De que forma é que isso a impactou e abalou?
Foi muito difícil! Quando o médico me disse que sem qualquer intervenção médica seria impossível ter filhos, penso que, no imediato, fiquei em choque, a tentar assimilar. Fiz as perguntas que tinha de fazer, ele explicou-me minimamente as coisas, e acho que até parecia que estava a receber bem a notícia. Mas quando cheguei ao pé do meu namorado desabei completamente e chorei imenso, chorei, chorei, foi como se a vida me estivesse a dar um murro, foi como se tivesse perdido algo que nunca tive, mas que abriu um buraco no meu coração. Foi uma notícia de uma tristeza imensa! Parecia que a vida me estava a dizer que jamais iria preencher um vazio que existia dentro de mim.
Apesar da tristeza, fui fazendo as diligências para os passos seguintes, contudo, dói mesmo muito! Para quem deseja muito a maternidade e depois lhe “puxam o tapete” de forma violenta e brusca é uma dor imensa.
Sentiu-se apoiada?
Mais ou menos. Senti que as pessoas não sabiam lidar com este tipo de diagnóstico, senti que as pessoas não conseguiam perceber o que eu estava a sofrer e que desvalorizavam a minha dor, o meu sofrimento, a minha preocupação e, talvez precisamente por isso, tenham sido poucas as pessoas que souberam da situação. O não partilhar mais foi precisamente devido ao facto de perceber que as pessoas não conseguiam entender o que eu estava a sofrer.
Até mesmo nos profissionais de saúde, cheguei a sentir que era apenas um número, mais uma pessoa cujo tratamento não tinha resultado em que me disseram “não se sente porque deu negativo e vai já sair. Deve ter uma probabilidade máxima de engravidar de 4%”, por isso, veja lá”.
Penso que mesmo atualmente, as pessoas ainda não compreendem que há algo dentro de mim que não está bem, que ainda há algo dentro de mim que vou tentando “remendar” com o que a vida me dá, mas que ainda não é uma ferida cicatrizada… De todo! Continua uma ferida aberta e não sei se algum dia fechará.
Pensou em recorrer a algum tratamento?
Sim, claro, pensei logo no imediato. O primeiro passo foi uma cirurgia para desbloquear as trompas que estavam completamente obstruídas (foi também nessa cirurgia que soube que tinha endometriose). Depois fiz seis meses de estimulação ovárica e coitos programados, uma vez que o médico pensou que talvez se conseguisse uma gravidez de forma natural, mas nenhuma tentativa teve sucesso. Seguiram-se inseminações intra-uterinas. Parei alguns meses para o corpo descansar (não muitos) e voltei a fazer vários tratamentos de estimulação ovárica e coitos programados, posteriormente fiz fertilização in vitro.
Como tem sido este caminho de aceitação?
É um caminho doloroso e demorado, há muito sofrimento, muito choro e tudo vivido de forma muito solitária, como dói e causa choro ninguém me fala muito no assunto, pois não me querem ver triste. Porém, é preciso falar, é preciso desabafar, é preciso chorar… Sem passar por todas as fases, não se consegue aceitar, apenas se consegue camuflar a dor e fingir que se está bem e não é isso que se pretende, o que eu quero é poder falar sobre o assunto sem desabar em lágrimas, é poder dizer que tentei, mas não consegui e estar bem comigo e com a vida. É poder ajudar os outros com a minha história.
Atualmente estou melhor, no entanto, ainda não aceitei. Há dias em que me sinto mais forte e consigo falar no assunto só com os olhos húmidos, outros dias são de uma dor imensa em que falar no assunto (ou até mesmo pensar) significa que as lágrimas vão aparecer e a dor vai ficar pior. Vamos fazendo um dia de cada vez, tentar falar cada vez com mais naturalidade sobre a infertilidade.
Porquê um livro infantil?
Escrever ajudou-me. Quando um tratamento não dava resultado ou quando tinha uma consulta com alguma notícia menos boa, escrevia. E escrevia na companhia das lágrimas que sempre me acompanharam e da Maczinha, a minha cadela de estimação, que esteve sempre do meu lado.
E foi desta forma que surgiu a ideia do livro infantil. Este livro surgiu da necessidade de amenizar a dor de não ter conseguido ser mãe e tentar falar sobre o assunto de uma forma mais suave e leve, digamos assim. Durante o meu processo de descoberta da infertilidade e tratamentos, a minha cadela de estimação (infelizmente já falecida) teve um papel bastante importante, parecia que percebia a minha dor e eu acabei por canalizar muito do meu amor para este ser vivo de quatro patas que, tal como eu, tinha a sensibilidade à flor da pele. Todo o seu carinho foi fundamental, bem sei que parece estranho, mas sentia ali um grande apoio e compreensão. Ao longo deste processo fomos aprofundando cada vez mais a nossa relação e um dia lembrei-me de colocar a minha história de infertilidade vista pelos olhos dela – assim nasceu “Mac à Espera do Nunca”.
É importante tornar o tópico da infertilidade num assunto de que se possa falar sem medo e introduzi-lo desde cedo na vida das pessoas vai também alertá-las para o mesmo e se anos mais tarde se depararem com este diagnóstico provavelmente já não será um tabu e estarão mais preparadas para lidar com ele.
É por isso que digo que este livro infantil acaba por ser transversal às diversas idades, pois embora aborde a infertilidade de uma forma mais leve por ser a visão de uma cadela, abrange doenças que são reais, e que mesmo não tendo grandes sintomas visíveis aos olhos da sociedade têm, obrigatoriamente, de ser levadas a sério por todos.
De que forma é que este a ajudou?
Sei que alguns se perguntam sobre o porquê de expor algo tão íntimo, algo tão doloroso. E sim, ainda dói muito, tanto, tanto. E sim, continua a ser um assunto tabu, falar sobre este assunto é esmiuçar uma ferida ainda aberta, uma ferida que não sei se algum dia cicatrizará, contudo, é precisamente por causa de tudo isto, é precisamente para se falar, para deixarmos de ter medo da dor, do julgamento da sociedade, da pena, para deixarmos de viver a infertilidade num sofrimento silencioso e só que escrevi este livro infantil. Apesar de não sermos pais, continuamos a ser pessoas válidas para a sociedade. Se ajudar uma pessoa com esta história já será positivo.
Ao longo de todo este processo a escrita tem-me ajudado, foram muitas as vezes em que eu escrevia lavada em lágrimas depois de mais um mês sem um teste positivo. Quando decidi escrever o livro foi propositadamente para me ajudar a falar do assunto (aliviar a alma) e me obrigar a falar do assunto, ao escrever o livro e publicá-lo deixava de ser um assunto tabu e eu precisava que deixasse de ser tabu, falar e partilhar é fundamental para que a ferida que temos dentro de nós comece a melhorar, poderá nunca cicatrizar, mas é necessário conviver com essa ferida aberta.
Após escrever o livro fiquei indecisa, enviava para algum lado, não enviava… Um dia em que me senti mais forte psicologicamente e, achava eu, capaz de falar sobre o assunto, enviei. Passados dois dias tinha a resposta da editora Cordel de Prata a dizer que estavam interessados e depois, mesmo receosa, do que poderia acontecer, fui em frente e está agora nas livrarias.