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Dia Mundial da Luta Contra o Cancro: três perspetivas sobre esta doença

Assinala-se hoje o Dia Mundial da Luta Contra o Cancro.  O número crescente de novos casos de cancro tornam esta doença uma realidade cada vez mais presente na vida dos portugueses. No entanto, apesar de todos os avanços ao nível da investigação, continua a ter associada uma carga muito negativa, em grande parte devido aos mitos e monstros que se têm criado ao seu redor. É por isso fundamental informar, esclarecer, no sentido de apaziguar as dúvidas de quem tem que aprender a viver com a doença, procurando “normalizá-la” o mais possível.

Para percebermos melhor sobre esta doença e como é tratá-la e viver com ela, falámos com três pessoas: uma doente, uma familiar e uma médica. Três perspetivas, que representam três vivências diferentes desta doença.

Ana Paula Cruz, Doente de Cancro de Ovário Metastizado

Ana Paula Cruz

Ana Paula Cruz

Ana Paula Cruz foi diagnosticada com Cancro de Ovário Metastizado. Nunca teve sintomas, mas o historial de cancros na família fez com que a cada 6 meses realizasse exames para despistar qualquer hipótese. Já lá vão 10 anos de uma doença que se revela incurável, mas que Ana encara com otimismo e resiliência.

Como é que descobriu que tinha cancro?

Foi um processo muito complicado, porque não tive sintomas. Tinha um historial de cancros vários do lado do avô paterno e aquela sensação meio presente, meio sublimada, de que um dia eu própria também teria. A minha mãe teve cancro de mama muito jovem e curou-se sem recidivas, mas a sua meia-irmã e sobrinha morreram jovens com cancro de mama. Também uma sua prima terá morrido do que hoje, conhecendo os sintomas e o tema, sei ter sido cancro do ovário. Havia tios da mãe e outros primos também com outros casos…

Por tudo isto, a cada 6 meses fazia os exames mamários e ginecológicos (papanicolau para o hpv e ecografia endovaginal) e nunca nada tinha aparecido (sim, a endovaginal nunca viu nada…)

Em finais de 2010, resolvi mudar o DIU que usava e o novo começou a picar e insisti com a ginecologista que não estava bem. Ecografias e Ressonâncias pélvicas… nada aparecia, mas o incómodo mantinha-se. Deram-me um antibiótico para uma hipotética inflamação pélvica e a minha sorte foi que este gerou uma reação forte de síndrome vertiginoso (que me levou ao hospital) e uma dor no fígado. A partir daí recusei mais tentativas de tratamentos e incluí uma médica de clínica geral no processo para ver o que se passava no fígado. Fiz finalmente TAC em simultâneo na zona pélvica e fígado, mas para além de um pequeno excesso de líquidos… nada mais. Ao fim de quase um ano, a ginecologista manda finalmente analisar o marcador CA125… Sendo o limite 35 para ser considerado normal, eu estava nessa altura com mais de 100 de marcador. Foi esta análise recebida por mim no dia 4 de Outubro de 2011 (quase um ano depois!) que gerou a ida ao IPO Porto no dia 6 de Outubro. Exames não conclusivos levaram a uma operação por laparoscopia exploratória (teria uma endometriose que iria ter que curar noutro lado, pensavam), mas que no mesmo momento se transformou numa laparotomia – fiquei 4 horas na mesa de operações, onde se revelou um carcinoma do ovário, metastizado em todo o abdómen e fígado, grau IIIC de baixo grau. Na consulta de grupo posterior, antes de iniciar as quimioterapias, a cara de todos os médicos era de que seria melhor começar a arrumar as minhas coisas. Uma doença que afinal logo se revelou ser de grau IV (o último) e de alto grau, com estatísticas de sobrevida a 5 anos de 8 a 12%….

O que é que foi fundamental para encarar o cancro?

Não sei muito bem. A incredulidade de que aquilo podia ser mortal ajudou-me… e talvez uma dose ligeira de autismo que grassa na família e em mim particularmente…

Na realidade, o ter teimosamente feito por levar uma vida normal, trabalhar, dar aulas, sair e divertir-me, rir de filmes e séries parvos… pode ter ajudado muito.

Nunca tomei anti-depressivos (fiquei até bastante espantada, quando os sugeriram, caso precisasse…), antes usei a técnica que uso para as coisas que me incomodam: tenho uma caixinha secreta e imaginária no cérebro onde coloco os temas que me chateiam e onde não toco até que esses temas deixem de me chatear. Sabia que os prognósticos dos mutantes como eu eram mais favoráveis também (sim, descobri que era portadora da mutação genética BRCA1, partilhada pelos tios, mãe e metade dos meus primos)…

Ajudou pensar que um dia todos vamos morrer… Ser “insustentavelmente leve”.

O seu estilo de vida mudou muito? Se sim, o que deixou de fazer?

Pouco ou quase nada mudou. Tive obviamente que passar a fazer algum malabarismo de encaixe de agenda entre tratamentos, consultas, estar com família e amigos, dar aulas, ter reuniões com clientes, ir a espaços com multidões quando as defesas estão baixas, mas hoje estou já bastante treinada para isso. Lembro-me da forma como geri a queda de cabelo da 1ª quimio e de como fiz isso quase sem ninguém dar conta. Lembro-me do dia em que apresentava um seminário a mais de 100 alunos com palestrantes convidados e que a quimio se atrasou e o trânsito na VCI não ajudou… Tive que telefonar ao diretor de curso para ver se ele podia receber os convidados por mim enquanto eu não chegava, explicando o inexplicável (já que até ali, ele ainda não sabia de nada, dois anos depois de tudo começar)

O que mudou foi a atividade física regular que tinha…

Os tratamentos, cansaços, recuperação de forças e defesas necessários… não eram muito compatíveis com as idas ao ginásio e as corridas. Passei a caminhar com o meu cão Enzo.

Como é que tem sido a sua jornada?

Ui…. Isso é uma longa história de 10 anos. Ao ter tido a primeira recidiva em 2013 (coisa que a minha mãe nunca teve por a doença ter sido removida na totalidade, o que não foi possível comigo) passei a ser incurável, pelo que os ressurgimentos da doença, como grãos de areia aqui e ali, fizeram com que já tivesse tido 7 ou 8 recidivas, 2 operações, uma das quais com quimioterapia interna a mais de 50 graus (hipec), 5 quimioterapias distintas (de entre 3 a 7 ciclos cada uma), uma intervenção de radioestereotáxica construída para atingir um cancro que não era visível à máquina do TAC, uma intervenção por termoablação (tipo ablação por microondas), falhar o ensaio de um inibidor parp (medicamento específico para minimizar o risco da mutação), passar a tomar outro inibidor parp mais eficaz, o que conseguiu fazer com que a doença ressurgisse com intervalos maiores…

Agora mesmo voltei a ter a doença e vou entrar num ensaio internacional para um método de imunoterapia, já que o “cocktail” da última quimioterapia de há 5 anos não está a funcionar. Saí de todos os protocolos para o cancro, praticamente…

O que é que diria a alguém que descobriu agora que tem cancro?

Trabalhe em parceria com o seu médico e não se deixe tratar como objeto do trabalho dele. Eu tenho uma equipa de médicos fabulosos – no IPO Porto a minha oncologista e o meu ginecologista e na Clínica Universidad Navarra, em Madrid, outro oncologista – e tenho uma relação de parceria com eles na doença.

Discutimos tratamentos e caminhos e eu desafio-os a pensar alternativas – agora mesmo, este ensaio da imunoterapia foi porque eu perguntei “porque não a imunoterapia?” depois de ter lido alguns artigos e pesquisado sobre ensaios para imunoterapia, BRCAs.

Outro conselho: informe-se sempre. Peça segundas opiniões médicas. Ouça muito bem o seu corpo e confie também na sua intuição. Ouvir bem o corpo… Eu sempre soube quando a doença voltou, muito antes de ela aparecer nos exames.

Acha que o otimismo tem um peso importante na superação da doença?

Infelizmente, diria que a biologia é o que tem mais peso e todos os artigos que leio corroboram. Contudo, sei que a biologia é mais favorável aos que são otimistas porque produzimos químicos naturais que nos fortalecem o sistema imunitário. 

Por isso, ‘bora lá rir… Se no início, tiver que ser fingido pois que seja, mas no final fazer por ser feliz ajuda.

A família e os amigos foram um apoio fundamental?

Eu nunca pensei muito nisso, mas nunca gostei da sensação de que tudo tinha passado a ser diferente. No que me ajudaram foi em manter a vida tal como antes, sem que fosse dado “muito peso ao peso” de uma doença incurável. A minha mãe ter tido cancro antes de mim ajudou. Eu sempre pensei que, se ela conseguiu passar por aquelas quimioterapias horríveis da altura, eu iria com certeza conseguir também. Afinal, descobri uma força diferente da dela – não combativa, mas essencialmente resiliente.

Carina Pedro, Filha de Doente com Carcinoma de Mama Metastizado

Carina Pedro

Carina Pedro

Carina Pedro tinha 10 anos quando a mãe foi diagnosticada com Carcinoma de Mama Metastizado. “Medo” foi o que sentiu em 1994, mais tarde, em 2011, quando o cancro voltou. O sentimento de impotência aliou-se ao medo.

O que é que sentiu quando descobriu que a sua mãe tinha cancro?

Medo! Apesar de sempre ter crescido com esse bicho a rondar a minha família (a minha tia faleceu com cancro ainda não tinha nascido), em 1994 quando a minha mãe foi diagnosticada com cancro da mama, lembro-me de ver o cartão do IPO e tanto o símbolo como as cores escuras do cartão me assustavam um pouco, tinha 10 anos… No dia em que soubemos que o cancro tinha voltado, em 2011, lembro-me perfeitamente de ficar aterrorizada, com um sentimento de impotência perante a notícia…

Como é que lidou com a notícia?

Tive que ser forte e não mostrar o que sentia porque à minha frente tinha a minha mãe a chorar e a dizer que ia morrer pela forma como lhe comunicaram a notícia no Hospital Padre Américo. Foi tempo de não pensar na situação e no caos de emoções que estava interiormente, mostrar-lhe o quão forte ela era e que devíamos confiar nos avanços da medicina.

Qual é o papel de um familiar numa situação destas?

Reconfortar, ouvir, dar muita força, colo e, se for preciso, chamá-los à razão de forma a tirá-los da espiral de sofrimento e culpa que podem ser apanhados pela situação.

O que é que diria a um familiar de alguém que descobriu agora que tem cancro?

Acima de tudo, temos de ter muita paciência… É um processo longo, exigente e que nos desgasta emocionalmente.

Temos de estar preparados para tudo, temos de encontrar em nós muita força para conseguir suportar as lágrimas que não podemos deixar cair à frente deles…

Mas a minha mensagem seria de Esperança! A medicina está muito avançada e já passaram 11 anos desde que o profissional lhe disse que não havia nada a fazer. No IPO do Porto, onde a minha mãe foi sempre muito bem acompanhada, posso dizer que já vencemos muitas lutas e vamos sempre surpreendendo a Drª Susana. Por isso, procurem os melhores profissionais, o IPO tem bastantes em todas as valências, para poder orientar fisicamente, psicologicamente e com toda a proteção social ou apoios financeiros possíveis para ser mais fácil vencer essa batalha.

Dra. Susana Sousa, Médica Oncologista do IPO Porto

Dra. Susana Sousa

Dra. Susana Sousa

Susana Sousa é médica oncologista no IPO Porto. Agora com uma perspetiva diferente, Susana ajuda-nos a perceber que mitos são importantes desmistificar e de que forma é que a pandemia tem prejudicado.

Como é que se dá uma notícia destas a um paciente?

Não é, de facto, nada fácil falar sobre cancro a alguém quando sabemos o que essa palavra representa em termos de presente e futuro na vida dessa pessoa. Acrescenta ainda o facto do doente que temos à nossa frente não nos conhecer e precisarmos que se estabeleça em alguns minutos uma relação de empatia e confiança que nos permita, com clareza, mas sempre com cuidado, transmitirmos a situação da sua doença e o plano a seguir. Acredito que muito do ânimo, da tranquilidade e da vontade de iniciar um percurso que se avizinha complicado vem também desses momentos de consulta em que o doente nos ouve e nos percebe, sendo que esta percepção, a meu ver, vai para além das palavras que transmitimos… É o olhar, a postura, o tom de voz… Para se falar em cancro devemos ter a segurança necessária, que nos dá o conhecimento médico, aliada à tranquilidade e objetividade possíveis.

O que é importante desmistificar em relação ao cancro?

Há vários conceitos que, sendo mitos, estão errados ou não totalmente verdade. É importante desmistificar questões relacionadas com alimentação. Por exemplo, dietas demasiado restritivas não são uma mais valia para os doentes, podendo até, em alguns casos, ser prejudiciais. É também fundamental fazer perceber que o cancro só é hereditário numa percentagem aproximada de 5 a 10% dos casos, pelo que o medo de vir a ter cancro porque um familiar teve não deve ser fomentado. Se a situação clínica puder ter por base hereditariedade, seguramente o médico do doente vai ter isso em conta e pesquisará as alterações genéticas que podem estar na génese dessa doença. Outro mito que, cada vez mais raramente, ainda paira na cabeça de algumas pessoas é o cancro ser contagioso. Isso não é verdade. Achar que é preciso abolir o exercício físico também precisa ser desmistificado. Quem tem cancro, mesmo em fase ativa e durante os tratamentos, não está obrigado a deixar de fazer exercício físico. É importante manter-se ativo e, sobretudo se for já um hábito na sua vida, manter alguma forma de exercício físico, mesmo que adaptada à situação atual, que pode implicar alguma limitação. Na fase de seguimento, é recomendado manter exercício físico regular, que se saber ser importante para um estilo de vida saudável e controlar o peso. Não nos devemos esquecer que a obesidade é um fator de risco para vários tumores. Pensar que depois dum diagnóstico de cancro não será nunca possível voltar à sua vida e rotinas anteriores não é verdade. Obviamente isto depende de vários fatores, mas, em muitos casos (talvez a maioria) será de esperar que se consiga, mesmo que aos poucos, regressar ao trabalho, ao convívio com colegas e amigos, aos projetos e sonhos para pôr em prática, aquilo que gostamos, queremos e devemos fazer quando não sentimos e estamos saudáveis. Acreditar que ter cancro é igual a morrer está hoje, e ainda bem, cada vez mais longe de ser verdade. O cancro pode trazer, a quem o vive na primeira pessoa, sofrimento físico e psicológico, mas até esses vão diminuindo com o passar do tempo, o terminar os tratamentos, o voltar à vida normal… A maioria dos cancros, sobretudo quando diagnosticados em estádios precoces, têm cura. Daí a importância dos rastreios organizados para alguns tipos de cancro, como mama, colo do útero e intestino.

O crescente número de casos a que temos vindo a assistir deve-se ao quê? Já há alguma explicação?

O facto de vivermos mais atualmente do que o que acontecia antes faz com que se diagnostiquem mais casos porque a idade é um factor de risco para muitos cancros. Estilos de vida menos saudáveis, com mais sedentarismo e obesidade, também são fatores de risco para o desenvolvimento de algumas neoplasias. O tabaco é, como sabemos, um fator de risco para vários tumores, como os da cabeça e pescoço, esófago, pulmão, bexiga, entre outros.

Dá para prevenir uma doença destas? Se sim, o que podemos fazer?

Sim, algumas podemos tentar evitar, indo ao encontro de estilos de vida como descrevo acima, saudáveis, com exercício físico regular, dieta saudável (na qual se deve prestar atenção à conhecida Roda dos Alimentos para sabermos quais devemos ingerir em maior quantidade), não fumar, beber álcool apenas raramente.

Qual foi o impacto da Pandemia?

A Pandemia afastou dos centros de saúde os doentes habitualmente seguidos de forma regular, interrompeu rastreios, fez com que as pessoas, mesmo com queixas que em nada tinham a ver com as que conhecemos serem relacionadas com COVID, tivessem medo de ir aos hospitais. O tempo foi passando e as doenças para além da infeção por SARS COV2 foram aparecendo e crescendo…

Perante esta realidade, o IPO do Porto, uma das instituições nacionais de referência no tratamento do cancro, está a desenvolver uma iniciativa dirigida a toda a população sob o tema “Cancro sem Temor”. Trata-se de um projeto inédito que tem por objetivo realçar a importância de aprender a viver com o diagnóstico de cancro e desmistificar conceitos e ideias sobre esta vivência.

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