Imagine que, durante o sono, o seu filho se esquecesse de respirar. Uma imagem que acreditamos ser cruel, mas que é uma realidade para quem vive e para quem lida de perto com a Síndrome de Ondine.
A Síndrome de Ondine ou Síndrome de Hipoventilação Central Congénita, é uma patologia genética rara que afeta o Sistema Nervoso Autónomo, comprometendo diferentes funções do organismo (função respiratória, cardíaca, metabólica, entre outras). A principal característica das pessoas com esta síndrome é a ausência de resposta à hipoxia (baixa concentração de oxigénio), com grave comprometimento respiratório, em especial durante os períodos de sono, sendo necessário suporte ventilatório.
Dina Martins testemunha esta dura realidade na primeira pessoa desde o nascimento da sua filha Inês, quando a viu ser levada para os cuidados intensivos na manhã seguinte a ter nascido. Daniela Rosa e Lourenço partilha da mesma realidade, sendo mãe de uma bebé com a mesma doença. Juntas, perceberam a importância de fundar a SINGELA – Associação Portuguesa da Síndrome de Hipoventilação Central Congénita , que tem como propósito de aumentar o conhecimento sobre a síndrome de Ondine, promover a investigação nesta área, tendo em vista uma futura cura, e criar uma comunidade de partilha de histórias e experiências entre todos os que vivem de perto um diagnóstico como este.
Dina Martins
Mãe e cuidadora de uma jovem com Síndrome de Ondine
Quando descobriu que a sua filha tinha Síndrome de Ondine?
Mais ou menos aos dois meses por exclusão de diagnóstico, na altura não existia nenhum exame que confirmasse a síndrome. Chegava-se lá pela sintomatologia.
Que sintomas eram esses?
No meu caso, a minha filha nasceu com um Apgar baixo e foi logo para os cuidados intensivos onde existe vigilância médica e de enfermagem permanente. Nos casos raros em que isto não acontece, rapidamente dão sinais que não respiram bem, isto é, não conseguem respirar e vão para os cuidados médicos permanentes.
Como reagiu quando recebeu o diagnóstico?
Por difícil que possa parecer foi um alívio. Até aí só havia incerteza do que podia ser. Nesse momento, e perante o que os médicos nos apresentaram, vimos que havia esperança!
Sentiu que a sua filha foi bem acompanhada?
Foi muito bem acompanhada, com o tempo todo que teve de ventilação invasiva e na altura não havia a experiência e o conhecimento que há hoje em ventilações tão prolongadas em crianças e não ficar com sequelas nos pulmões, na traqueia nem cerebrais. Só posso agradecer eternamente à equipa que a acompanhou.
O que mudou na rotina familiar?
Tudo. A minha filha nasce e fica no hospital quase 18 meses. A minha rotina e a do meu marido foi toda alterada, incluindo a da família mais próxima. O meu marido iniciava e terminava o dia com uma visita à nossa filha e eu estava praticamente o dia todo no hospital. Quanto à nossa filha, ela não conhecia outra rotina. Quando saiu do hospital, e já não estava internada, muitas vezes as manhãs eram passadas no hospital nas mais variadas terapias. Mas felizmente, aos três anos conseguiu ir para o infantário somente no período da manhã.
Como lidou com a situação?
Com resiliência e motivação que ia buscar às conquistas diárias da minha filha. Acho que aprendi a aceitar a condição da minha filha, daí ter aderido à iniciativa de outra mãe, a Daniela, em criar a Associação SINGELA para divulgarmos e ajudarmos outras famílias que passam por este este caminho difícil no início, mas que vale a pena.
Agora com 25 anos, Inês é uma jovem autónoma e feliz graças aos cuidados respiratórios domiciliários. Porém, como foi o crescimento da sua filha em paralelo com esta síndrome?
Com o crescimento vai melhorando, tornam-se mais autónomos e podem fazer uma vida perfeitamente normal igual a um par da sua idade. Enquanto acompanhei o crescimento dela após recebermos o diagnóstico, estive dez anos sem trabalhar, mas já regressei às minhas rotinas.
Que conselho daria aos pais que estão a passar pelo mesmo que a Dina passou?
É fundamental não perder a esperança. Nas alturas difíceis tentem falar com alguém que já passou pelo mesmo. Este é um dos objetivos da Associação SINGELA, daí ser tão importante dar a conhecê-la para poder ajudar as pessoas que se encontram em situações tão angustiantes… para não dizer desesperantes.
Daniela Rosa e Lourenço
Presidente da associação SINGELA e autora do livro ‘A menina que se esquecia de respirar’
De onde partiu a decisão de fundar a associação SINGELA?
Decidi fundar a SINGELA – Associação Portuguesa da Síndrome de Hipoventilação Central Congénita após o nascimento e diagnóstico da minha filha, em 2022. Senti necessidade de criar uma estrutura que fosse capaz de dar suporte às famílias que lidam com a síndrome, uma estrutura que reunisse os vários casos portugueses para a partilha de experiências e apoio mútuo. Julgo que o contacto com outros casos pode fazer a diferença na vida das famílias que, muitas vezes, se veem assoberbadas de dúvidas e incertezas.
Qual o papel da associação?
Reconhecendo em mim o efeito positivo da troca de impressões com outras mães de bebés com Síndrome de Ondine, julgo que um dos grandes objetivos da SINGELA passa por ser um canal privilegiado de contacto e apoio entre doentes e as suas famílias. Além desse papel mais interno, temos o objetivo de divulgar esta síndrome e consciencializar para as dificuldades daqueles que lidam com ela diariamente. Há muito caminho a percorrer, em Portugal, nesta área. A SINGELA pretende também incentivar a investigação científica para a procura da cura ou melhoria da qualidade de vida dos doentes.
Porque é importante darmos a conhecer esta síndrome?
Pela sua natureza rara, há um grande desconhecimento e, como sabemos, é impossível fazer a diferença em algo que não se conhece. Necessitamos de informar a comunidade médica e técnica, as instituições de ensino e as famílias para conseguirmos trabalhar em conjunto e assegurar a qualidade de vida dos doentes.
A Daniela lançou, em outubro do ano passado, o livro “A menina que se esquecia de respirar”. Esta foi também uma tentativa de trazer conhecimento à população?
O livro “A menina que se esquecia de respirar” enquadra-se numa tentativa de divulgação da Síndrome de Ondine ao público geral, com especial foco nas crianças. Além disso, a história pretende frisar a importância da investigação científica na procura de uma cura, algo que a associação também quer promover. Deixa, ainda, uma bonita mensagem de esperança para todos aqueles que, como a menina do livro, se esquecem de respirar.
Embora presida a associação SINGELA, é também mãe de uma bebé com Síndrome de Ondine. Que estratégias podem adotar os pais que estão a passar pelo mesmo?
Daquilo que já aprendi, destaco a importância de partilhar problemas para encontrar soluções. Muitas vezes, as famílias têm dificuldades e receios que, quando debatidos, ficam mais claros e mais fáceis de resolver. Contudo, também é importante ter consciência de que todas as pessoas são diferentes e a síndrome tem diferentes graus e manifestações. Não há famílias iguais e, por isso, o que funciona para uma não tem de funcionar para todas. O mais importante é dialogar dentro da própria família e com os profissionais de saúde, saber quando pedir ajuda e saber que podem contar com o apoio da SINGELA.