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Espelho meu…

Em Portugal, de acordo com um estudo de 2015 do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, 38,9% da população adulta, entre os 25 e os 74 anos, tem excesso de peso e 28,7% é obesa.

Para além da componente estética, que pode causar problemas de saúde mental, é sabido que a obesidade afeta, também, a saúde física. Aumenta a pressão arterial, os níveis de  açúcar no sangue e com isto existe um risco acrescido de diabetes tipo 2 e  de doenças cardiovasculares. Aumenta, ainda, o risco de alguns tipos de cancro, nomeadamente cancro do cólon e da mama. E a nível da fertilidade, o peso tem também consequências.

Segundo a Organização Mundial de Saúde, “a cirurgia é o método mais efetivo para reduzir peso e manter a redução em doentes com obesidade severa ou mórbida”. Falamos da cirurgia bariátrica.  Algo que não pode ser considerado como uma solução isolada. Neste que é o Dia Nacional da Luta Contra a Obesidade decidimos abordar de que forma é que a cirurgia bariátrica, aliada a um plano terapêutico multidisciplinar se reflete numa alteração definitiva do comportamento e do estilo de vida. Para isso, falámos com Conceição Delgado, Carlos Vaz e Catarina Roquette Durão.

Conceição Delgado

Depois de ter passado por “uma ablação cardíaca, de deixar de fumar, ter a menopausa, parar o exercício físico e ter um problema grave na vida, tudo mais ou menos na mesma altura”, Conceição Delgado começou a engordar cerca de 5 kg por ano.  Algo que nos conta ter sido repentino, visto que em toda a sua vida foi “magra, desde a infância, adolescência, mesmo adulta e com filhos era magra e nem tinha especiais cuidados com a alimentação.”

Conceição conta-nos, então, que foi operada aos 56 anos e que, antes de tomar essa decisão, pesava 111kg. Depois da cirurgia, perdeu 47 kg.

Conceição Delgado

Conceição Delgado

Em que momento percebeu que queria mudar, que queria melhorar?

Foi um conjunto de vários fatores que me fez tomar a decisão. O primeiro momento foi quando uma amiga médica me disse: “Não é normal essa respiração sentada e sem estares a fazer nada!”. A seguir o meu irmão, também médico, disse que chegara a altura de resolver o problema da obesidade pois estava sem qualidade de vida e com imensos efeitos secundários, como diabetes, tensão alta, etc…. Por último, com filhos adolescentes, custava-me acompanhá-los e deixei de poder fazer uma série de programas com eles. Estava a ficar limitada.

O que fazia para lidar com os momentos em que não tinha força para mudar e para continuar?

Nunca tive dificuldade em lidar com os momentos em que me senti limitada, raramente desistia de fazer alguma coisa e lidava com a obesidade como um fator adverso, mas com o qual tinha que lidar sem desânimo. Custava-me ir a uma loja, qualquer que fosse, e nunca haver roupa para mim, custava-me ser tratada de forma diferente nas lojas ou nos atendimentos, mas enfrentava de uma forma muito natural porque sempre aprendi a lidar com a diferença na vida.

A sua família e os seus amigos foram um apoio importante?

Muito importante, mesmo. Ainda antes da cirurgia, tive uns amigos que tinham feito a mesma cirurgia, que me deram as dicas todas, o que foi de uma ajuda crucial. Tinha tudo preparado antes, o que me facilitou, muito, o cumprir com rigor.

Logo desde o primeiro momento tive, no hospital, uma tia e uma amiga a dormir comigo, como acompanhantes. Amiga essa que me acompanhou à 1ª consulta onde marquei logo a cirurgia.

Depois de sair do hospital, tive imensos amigos a visitar-me, a telefonar, a dar força e a apoiar de uma forma incrível e – o que não deixa de ser importante – a elogiar-me muito o esforço e o resultado.

Também a família me apoiou, ajudou e esteve sempre ao meu lado desde o primeiro momento após a decisão. Porque antes nem todos queriam que eu fizesse a cirurgia

Sentiu necessidade, para além de um nutricionista, de ter apoio a nível psicológico?

Não senti por uma razão muito simples: tive apoio psicológico durante 3 anos antes da cirurgia, o que foi essencial para a decisão e para a enorme estabilidade com que tomei a decisão e passei toda a recuperação. No entanto, senti o apoio de ter tido alguns telefonemas da médica a saber se estava tudo bem, e se precisava de ajuda.

Que conselhos pode dar a quem esteja a passar pelo mesmo e não encontra forças para dar o passo em direção à mudança?

Comece por procurar ajuda psicológica porque é duro sentirmo-nos tratados de forma diferente, sentirmo-nos limitados.

A ajuda psicológica é meio caminho para um percurso estável e saudável na decisão.

Pense no porquê da obesidade. Se não houver razão física, há sempre razões e são essas que temos que tratar, em conjunto com a decisão da tomada de decisão.

Também é importante falar com amigos e falar sobre o assunto de forma a podermos ir preparando a nossa cabeça. É como que uma mentalização antecipada. Eu, quando fui para a consulta com o Dr. Carlos Vaz, fui para marcar a cirurgia. Ouvi com atenção tudo o que me disse, mas a decisão estava tomada.

Conceição antes de realizar a cirurgia

Conceição antes de realizar a cirurgia

Pode dar-nos alguns exemplos de comportamentos que adotava antes e que mudaram?

Fácil!

Evitava levantar-me fosse para o que fosse. Agora tento levantar-me e mexer-me sempre que posso.  Não bebia água nenhuma. Agora faço um esforço para beber água, mesmo que me custe.

Tentava parar o carro à porta do local para onde me dirigia. Agora paro indiferentemente e sigo caminho, feliz por me dar a oportunidade de fazer uma caminhada, mesmo que pequena.

Mudei totalmente a minha vida, comecei a experimentar fazer novas atividades, comecei a fazer escultura em cerâmica, por exemplo.

Tudo me dá um gozo diferente. Não tenho inércia, avanço novamente sem medo para o desconhecido, independentemente da idade porque me sinto confiante.

Depois da cirurgia, conseguiu mudar o seu comportamento e adotar uma vida saudável?

Completamente. Passei a poder fazer desporto, fui logo para a hidroginástica, pois ainda estava pesada, mas ao fim de 2 meses passei para o ginásio. Infelizmente, apanhei a pandemia o que me fez abandonar o ginásio mas passei a fazer caminhadas de 8 ou 9 quilómetros, sem qualquer esforço ou custo e com imenso prazer.

Também a minha alimentação mudou. Passei a dar muita importância a ter sempre metade do prato verde e reduzi drasticamente os hidratos, isto é os açúcares foram eliminados e passei a comer menos quantidade de arroz, batata ou massa. Apenas uma pequena porção, ¼ do prato em cada refeição. Mas nunca retirei. Ao início também não temos fome o que facilita muito conseguir cumprir rigorosamente a dieta que nos é proposta.

Carlos Vaz

Coordenador da Unidade de Cirurgia da Obesidade e Metabólica do Hospital CUF Tejo e da Unidade de Cirurgia Robótica da CUF, Carlos Vaz explica-nos no que é que consiste a cirurgia bariátrica.

Carlos Vaz

Carlos Vaz

No que é que consiste esta cirurgia?

Em todas as intervenções cirúrgicas do âmbito da cirurgia bariátrica é realizada uma redução do volume disponível no estômago.

O objetivo evidente é reduzir o volume de alimentos e, por esta via, a quantidade de calorias ingeridas.

Em algumas intervenções cirúrgicas, esta é a única manobra cirúrgica que se realiza; é o caso da banda gástrica ajustável e da gastrectomia em sleeve.

Existe um conjunto de outras intervenções cirúrgicas nas quais, além da redução do volume disponível no estômago, é realizada, também, uma derivação parcial, maior ou menor, do intestino delgado, por forma a reduzir a absorção de calorias dos alimentos ingeridos – que acresce à redução do volume de alimento ingerido; isto é, nestas intervenções, o doente não só ingere menos volume de alimento como, do alimento que ingeriu, o organismo absorve menos calorias. É o caso do bypass gástrico em Y de Roux, do mini-bypass gástrico e do switch duodenal.

As operações mais realizadas atualmente, com o abandono quase total da banda gástrica, são a gastrectomia em sleeve, o bypass gástrico em Y de Roux e o mini-bypass gástrico. Estas três operações constituem mais de 95% das intervenções em cirurgia bariátrica.

Na Unidade de Cirurgia da Obesidade e Metabólica do Hospital CUF Tejo a intervenção cirúrgica que mais se realiza e que consideramos o gold standard é o bypass gástrico em Y de Roux por cirurgia robótica.

No tratamento da obesidade, a cirurgia deve ser a última intervenção a ser tentada?

Não necessariamente. Mas nunca deve ser a primeira. Um doente com obesidade mórbida, mais ainda se tiver certas co-morbilidades, como por exemplo, uma diabetes tipo 2, não precisa de tentar uma infinidade de programas de perda de peso antes de se decidir pela cirurgia bariátrica. Por outro lado, ninguém deve tomar a decisão de fazer cirurgia bariátrica sem antes ter seguido um ou dois programas convencionais de perda de peso, bem estruturados e com orientação clínica, que não tenham sido bem sucedidos – isto é, sem que se tenha verificado uma perda de peso significativa e sustentada.

Depois da cirurgia, que acompanhamento é que deve ser feito?

Depois de realizada a intervenção cirúrgica, o doente deve manter um acompanhamento, pelo seu cirurgião, pelo Nutricionista e pelo Psicólogo Clínico; além disto, deve estabelecer um programa regular de atividade física.

Na nossa Unidade no Hospital CUF Tejo, todos os doente são acompanhados pelo Nutricionista e pelo cirurgião bariátrico com regularidade trimestral nos primeiros doze meses após a cirurgia; no segundo e terceiro anos o cirurgião bariátrico é substituído por um especialista de Medicina Interna ou de Medicina Geral e Familiar (que integram a Unidade) e o acompanhamento prossegue com este e com o Nutricionista, com regularidade semestral; a partir do quarto ano, o acompanhamento, com os mesmo especialistas, passa a anual.

Ao mesmo tempo, é realizado um seguimento pelo Psicólogo Clínico, cuja regularidade e duração é decidido de forma individual. Finalmente e para os doentes que precisam, a Unidade disponibiliza uma consulta de Fisiologia do Desporto, particularmente importante para aqueles doentes com restrições à atividade física intensiva por problemas osteoarticulares pré-existentes.

Se a pessoa não mantiver uma vida regrada, depois da cirurgia, pode voltar a engordar?

Pode e é provável que aconteça. Dizemos a todos os nossos doentes que um programa de perda de peso, independentemente da sua natureza, estrutura e organização, com ou sem cirurgia bariátrica, só será bem sucedido se levar a uma mudança comportamental definitiva em dois aspetos: comportamento alimentar e hábitos de atividade física.

A cirurgia serve para ajudar os doentes a fazer esta mudança – não para os dispensar de fazê-la; o que acontece, sim, é que a cirurgia se apresenta como uma ajuda muito poderosa neste caminho.

Catarina Roquette Durão

Nutricionista no Hospital CUF Tejo e Professora da NOVA Medical School – NMS, Faculdade de Ciências Médicas da Universidade NOVA de Lisboa, Catarina Roquette Durão explica-nos a importância de uma intervenção nutricional.

Catarina Roquette Durão

Catarina Roquette Durão

O que é que deve ser feito para evitar chegar à obesidade?

Deve-se fomentar um estilo de vida saudável, desde a primeira infância e durante todo o ciclo de vida, no contexto sociocultural em que estamos inseridos, vivemos e nos desenvolvemos. Esta perspetiva de estilo de vida é abrangente, assentando em pilares como alimentação e nutrição saudáveis, atividade física, hábitos saudáveis de sono, socialização positiva, gestão do stresse e ansiedade, bem como evitar consumo de substâncias de risco (por exemplo, bebidas alcoólicas em excesso).

É preciso praticar uma dieta rigorosa?

Para evitar chegar à obesidade, interessa muito mais falar de padrões alimentares em detrimento de dietas rigorosas ou de alimentos isolados.

Não comemos apenas um alimento nem somente um grupo de alimentos, nem foi assim que o Homem se desenvolveu. Ser omnívoro oportunista foi essencial na evolução do Género Homo com várias das suas espécies a praticar uma alimentação variada incluindo carne, gordura, frutos e alimentos de origem vegetal. Assim, é longa a prática de uma alimentação omnívora na história da alimentação humana o que espelha bem a importância do conjunto (ou padrão) alimentar.

Atualmente, cada vez mais percebemos a importância de pensar na alimentação desta forma abrangente que espelhe o conjunto global de alimentos e forma como são consumidos. No caso de Portugal, faz todo o sentido falar de Dieta Mediterrânica. Não é por acaso que o guia alimentar português, Nova Roda dos Alimentos,  tem uma base mediterrânica, enfatizada através da reformulação visual que resultou na sua versão mediterrânica. A mensagem do guia alimentar é clara; uma alimentação saudável é completa, equilibrada e variada:

  • Completa – comendo alimentos de cada grupo e bebendo água diariamente;
  • Equilibrada – com consumo superior de alimentos dos grupos de maior dimensão (cereais e tubérculos; hortícolas; fruta; lacticínios) e consumo menor de alimentos dos grupos mais pequenos (carne, pescado e ovos; gorduras e óleos), sem esquecer as leguminosas (grão, feijão, favas, etc.).
  • Variada – comendo alimentos diferentes dentro de cada grupo e variando diariamente, semanalmente e nas diferentes épocas do ano de forma a ter o benefício do somatório das particularidades de cada alimento que nos permite obter os nutrientes de que necessitamos ao mesmo tempo que fazemos uma alimentação mais sustentável.

Para além disso, a convivência à mesa, com família e amigos, bem como o tempo para preparação e confeção de alimentos são recomendados.

Em que estado é que as pessoas chegam até si?

Doentes! A obesidade é uma doença, reconhecida como tal em Portugal desde 2004, com consequências graves para quem dela sofre. Chegam tristes, incapacitados, com inúmeras doenças associadas, com sensação de fracasso e envergonhadas. Verdadeiramente assustador para mim, é que chegam sem saber o que comer! O resultado de anos a receber informação incorreta e de anos de prática recorrente de dietas rígidas, desequilibradas e monótonas que tendem a enaltecer supostas propriedades curativas ou nefastas de alimentos específicos, sem considerar padrões alimentares, estilo de vida ou a vertente sociocultural da alimentação. Para todos os que queiram praticar uma alimentação mais saudável ou que precisem de emagrecer, sugiro que consultem um nutricionista reconhecido pela Ordem dos Nutricionistas.

Que desafios encontram e fazem as pessoas desistir?

A maior parte das pessoas passaram por inúmeras dietas demasiado restritivas, impossíveis de cumprir a longo prazo, que – para além de terem riscos para a saúde – promovem a sensação de fracasso repetido em cada recuperação de peso. Estão fartas de tentar e falhar! Doridas com o estigma de que são alvo! Sofrem psicologicamente e fisicamente. Estão mesmo doentes, em todas as dimensões da doença. Têm risco aumentado de doença, estão incapacitadas, sentem-se incompreendidas e estão sofridas e cansadas.

Deve tentar-se primeiro mudar a parte comportamental e só depois fazer uma intervenção cirúrgica, ou ambos funcionam juntos?

O tratamento cirúrgico não é a primeira opção. Recomenda-se, em primeira instância, que seja tentada uma abordagem terapêutica não-cirúrgica bem estruturada e com orientação clínica. Contudo, tendo em conta a proporção de insucesso na resolução da obesidade e na manutenção do emagrecimento, também não julgo que devamos fomentar a instituição de infindáveis programas convencionais antes de se optar pelo tratamento cirúrgico.

É muito importante salientar que o tratamento cirúrgico inclui, obrigatoriamente, a abordagem comportamental e que a intervenção nutricional no tratamento cirúrgico da obesidade é absolutamente essencial antes, durante e depois da cirurgia. No Hospital CUF Tejo, funcionamos em verdadeira multidisciplinariedade e toda a intervenção está protocolada – o doente tem um percurso muito bem definido conhecido por toda a equipa. A intervenção nutricional é implementada em função da evidência científica mais recente, em estreita ligação com a restante equipa, com particular ênfase na ligação com o cirurgião. Inicia-se antes da cirurgia e continua no período peri-operatório e pós-operatório. Durante o primeiro ano a periodicidade da CONSULTA NUTRIÇÃO – CIRURGIA OBESIDADE tem a mesma periodicidade da CONSULTA DE CIRURGIA (1º, 3º, 6º, 9º e 12º mês após cirurgia). Depois, o seguimento por nutrição continua, primeiro bianual, depois anual, sendo a periodicidade ajustada em função de cada doente.

O doente é acompanhado pela nutrição de forma muito próxima – presencial e por tecnologias digitais – com mudança semanal de planos alimentares durante as primeiras fases de progressão alimentar (enquanto o doente passa pelas dietas líquidas de consistência progressivamente mais espessa e pela dieta cremosa).

Ao fim do 1º mês após cirurgia, a maior parte dos doentes passa para uma dieta mole, já mais próxima de uma textura normal e, ao fim de cerca de 2 meses, atinge uma dieta de textura normal com particularidades adequadas à sua nova anatomia. De destacar que, nestes doentes, a suplementação com vitaminas e minerais é essencial. Particularmente importante é também a ingestão de proteína de alto valor biológico e o fornecimento de energia suficiente proveniente de hidratos de carbono de boa qualidade que, em conjunto com o exercício físico e restante alimentação, nutrição e estilo de vida, nos tem permitido observar excelentes resultados de perda de massa gorda e poupança de massa muscular que monitorizamos a cada consulta através de bioimpedância tetrapolar de multifrequência.

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