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Fast fashion – ou a moda que polui

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O comboio do cancro e o rio azul

O comboio que transporta centenas de doentes oncológicos da zona rural a norte do Estado de Punjab, na Índia, para o hospital público mais próximo, que fica a 350 km, é conhecido como ‘comboio do cancro’. Uma reportagem do Washington Post ajuda-nos a perceber o que é que se passa ali: “Uma mulher viaja com seis membros da sua família, o objetivo é fazerem um teste para saberem se têm cancro. Um casal acompanha a filha adolescente para a sua terceira sessão de quimioterapia. Um homem acompanha a sua mulher para saber se ela teve alguma recaída nos últimos seis meses.”

Estas pessoas têm um denominador comum – estão doentes e são oriundas do Estado de Punjab, região conhecida pela produção de algodão e pelo uso alarmante de pesticidas para combater infestações de lagartas. Neste comboio partilham-se histórias de custos, de dor, de tratamentos e de medo. Pelo facto de os pacientes serem cada vez mais, o Governo da região mandou fazer um censo para apurar números e concluiu que, em média, surgem a cada ano 1000 novos doentes com cancro. Por outro lado, estudos médicos realizados nesta zona demonstram que há uma correlação direta entre os casos de cancro e o uso desenfreado de pesticidas. Mesmo assim, os produtores continuam a usá-los.

Baldev Singh, de 63 anos, disse ao Washington Post que pulveriza com pesticidas o seu campo de algodão pelo menos 10 vezes em três meses – todas as semanas sobre os vegetais alimentares e um par de vezes sobre a plantação de trigo. “Disseram-me que há uma ligação entre os pesticidas e o cancro, mas eles aumentam a produtividade”, disse ao jornal. E a questão é exatamente esta: sabe-se que o uso de pesticidas polui, que compromete a saúde de muitos, mas a produtividade e as questões económicas falam mais alto.

Aquilo que deveria ser um rio tem à superfície uma espuma branca de vários tons de azul. Estamos em Xintang, na província chinesa de Guangdong, conhecida como a capital mundial dos jeans. Produz mais de 260 milhões de pares por ano, o equivalente a 60% da produção total de jeans na China e a 40% das vendas anuais nos EUA. Nas ruas da cidade existem pequenas fábricas, porta sim, porta sim. Todos os habitantes, direta ou indiretamente, estão relacionados com esta indústria. Em todo o lado se vê gente a trabalhar, dos mais velhos às crianças, à porta de casa ou em estabelecimentos comerciais, com um objetivo comum: contribuir para o aumento do rendimento familiar.

A cidade nem sempre foi assim. A indústria têxtil instalou-se aqui nos anos 80, mas nos últimos 30 anos a produção disparou e toda a economia da região gira em torno dos milhões de pares de jeans. Todos os processos de produção passam por aqui: da fiação à tinturaria, da tecelagem ao corte e à impressão, da lavagem à costura e ao branqueamento. Produz-se muito e polui-se ainda mais. Os agentes químicos que tingem milhões de pares de jeans são descarregados diretamente nos rios, poluindo tudo o que o circunda, envenenando populações e pondo em risco a saúde dos locais e a das gerações futuras. A Greenpeace analisou a água de vários rios e encontrou cinco metais pesados (cádmio, crómio, mercúrio, chumbo e cobre, entre outros) em 17 de 21 amostras recolhidas. Numa das amostras, o cádmio excedia o limite permitido por lei na China em 128 vezes.

A China é hoje uma grande potência mundial, mas a sua população continua a sofrer na pele as consequências do crescimento desenfreado. Existem várias cidades conhecidas como ‘cidades do cancro’, pelo número de pacientes oncológicos que têm. A comunicação social pouco fala do assunto, provavelmente com receio de retaliações, e as populações veem-se sem saída. O Governo chinês afirma estar a fazer um esforço redobrado para reduzir a poluição, mas a verdade é que se sabe que existem interesses entre Governo e empresários e que muitas fábricas são protegidas mesmo quando não cumprem os seus deveres.

Se Xintang é a capital mundial dos jeans, Gural é considerada a capital sexy, pela quantidade de lingerie e roupa interior que fabrica. Num ano, esta cidade chega a produzir 200 milhões de soutiens. O rio Xiao Xi, onde é descarregada a água utilizada para tingir a roupa, tem graves problemas de poluição – é sujo, cheira mal e cada dia tem uma cor diferente. Quando há mais descargas, os habitantes queixam-se de que as águas residuais lhes entram pelas casas.

Também aqui todos trabalham: as crianças que estão na escola durante o dia, à noite e aos fins de semana ocupam-se das alças dos soutiens, colocando-as num sistema que depois fará parte da linha de montagem. Gurao e Xintang são apenas dois exemplos das 133 cidades que se dedicam à indústria têxtil, na China.

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