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Inês Tralha: “Deixar de fazer surf nunca será uma opção de vida”

Tinha 15 dias quando foi à praia pela primeira vez. Com o irmão mais velho partilhava o fascínio pelas histórias que chegavam do Brasil sobre a vida dos surfistas de todo o mundo. No verão, as férias eram passadas em Santa Cruz, na casa de praia da família. São estas três memórias, que Inês Tralha aponta como a razão pela qual o surf se tornou no seu sonho de vida. “No meu caso, penso que estas situações me levaram a criar uma maior intimidade com o mar”, afirma. Atualmente, é um dos nomes de referência do Surf em Portugal, tem mais de 20 anos de experiência e criou o seu próprio método de ensino da modalidade. Inês regressou este ano à atividade da Good Surf Good Love, escola que criou em 2004, após um problema de saúde. Em Peniche, na praia da Cova da Alfarroba, tivemos a oportunidade de conversar e experimentar uma aula com a Inês e com o Felipe, um dos treinadores que faz parte da sua equipa. 

O Surf apareceu na sua vida de que forma?

Hoje em dia, o Surf está por todo o lado. No entanto, no início dos anos 90, quando me lembro de ter pensado, inicialmente, em surf, a expressão desta modalidade era praticamente zero.

Mas penso que há três motivos que fizeram com que o surf se tornasse o meu sonho de vida: o primeiro é que os meus pais contam que me levaram para a praia aos 15 dias de vida, pelo que o meu contacto com a praia aconteceu desde muito cedo; o segundo motivo foi por influência do meu irmão mais velho, que costumava comprar revistas Fluir que, na altura, chegavam do Brasil, e eu lá fui mergulhando nas imagens e histórias incríveis sobre as vidas dos surfistas de todo o mundo e, por último, a casa de praia da família e as férias grandes de verão que eram sempre passadas  na Praia de Santa Cruz. No meu caso, penso que estas situações me levaram a criar uma maior intimidade com o mar. Inevitavelmente, os poucos surfistas que havia pela praia naquela altura, acabaram por chamar a minha atenção e criar um desejo de querer ser surfista.

Um dia, ouvi a minha mãe a comentar com a minha avó algo como: “Que raio de paixão…” e de a minha avó comentar: “Ah amores de Verão, ficam enterrados na areia!” Mal elas sabiam que não, não era um amor de Verão, era o meu relacionamento mais sério.

Quando entramos na sua página de apresentação no site da Good Surf Good Love, lemos que foi Campeã Nacional de Surf em 2000. Porque é que desistiu de competir?

Na verdade, não tenho nenhum título de campeã. Nos primeiros anos em que comecei a competir, surgiu uma grande manifestação de surfistas que se insurgiram contra a Federação. Foi aí que foi criada uma Associação Nacional de Surfistas (ANS), que ainda hoje é a responsável pela organização dos circuitos nacionais, como a 1.º liga.  Nesse ano, algumas surfistas, na sua revolta, boicotaram algumas provas da Federação. Eu como tinha acabado de chegar a esse mundo, fui fazendo as provas todas e acabei por ficar em primeiro lugar por somatório de pontos. Mais tarde, visto que a Federação alega perda de muitos anos de dados, acabaram por atribuir o título de campeã desse ano a uma surfista de outro circuito da ANS.

Em 2005, deixei de competir, porque, na altura, também tive um problema de saúde que me levou ao overtraining. Agarrei-me ao projeto da escola de surf e, quando fiquei melhor, já estava demasiado envolvida com o dar aos outros e acabei por nunca voltar para mim.

Ter uma escola de surf foi algo que sempre quis?

Quando comecei a surfar, ainda não sabia se ia ser arquiteta ou professora. Quando entrei para Educação Física e Desporto, acabei por materializar os meus desportos em possíveis projetos de trabalho. O ténis era uma das possibilidades, mas muitas portas se foram fechando, para dar lugar a homens com, invariavelmente, menos formação. O surf acabou por ganhar força e ficar.

Criou a Good Surf Good Love em 2004, mas teve de suspender a atividade devido ao seu problema de saúde. Deixar de fazer surf foi, alguma vez, uma opção?  

Deixar de fazer surf nunca será uma opção de vida. Só quando a velhice já não o permitir.

Além deste problema de saúde, já tive outro entre 2005/06 e, em 2016, também tive de parar por seis meses devido a uma lesão no ombro. Dessa vez, em 2016, desesperei muito mais do que desta vez, em que tive de lidar com um tratamento de doença oncológica. Desta vez, a ideia de cura e tratamento focou-me e aceitei bem o facto de ter de parar de surfar, mas tentei continuar a treinar.

Em algumas fases de debilidade e cansaço, ainda consegui manter algum treino de força, com exceção de algumas semanas. O meu foco era tomar o menor número de medicamentos possível e recuperar rapidamente. Sei que é a melhor forma.

O exercício físico foi particularmente importante nesta fase da sua vida…

Ainda não voltei a surfar sempre que me apetece – todos os dias – porque a condição e situação assim o impõe. Não me podem mesmo é tirar a praia e, muito menos, o treino. Estar no mar e fazer surf é mesmo muito bom, com todos os floreados incríveis que podemos associar à prática. Mais do que nunca, gostava de aproveitar esta oportunidade de mais alguma mulher me poder ler e dizer que, em qualquer estado de saúde ou doença, nunca permitam que vos impeçam de se mexerem e, por favor, façam escolhas informadas.

Na impossibilidade de fazerem várias atividades desportivas de que gostem, ou de terem de escolher uma por razões de saúde ou por razões de vida, escolham sempre treino de força. Na minha opinião, não existe no mercado nenhum químico que tenha um impacto positivo tão significativo, na saúde e na vida em geral, como o exercício físico, em particular o treino de força.

Ficar sem fazer surf é difícil, mas deixar de me mexer bem, de ter força e resistência é bem pior, e não ter qualidade de vida na longevidade é bem mais assustador!

Desenvolveu o METSIT – Método de Ensino e Treino de Surf Inês Tralha, uma metodologia de ensino personalizada da modalidade. No que consiste e o que traz de novo ao surf?

O método foi nascendo de forma muito natural. Nunca cheguei à praia sem ter o dia ou a aula preparada. Mais no papel, mais na cabeça, já levava mais ou menos na ideia o que ia fazer. O facto de fazer esse registo diário permitia-me analisar o que tinha feito e levou-me a procurar mais.

As grandes linhas-guia do Método METSIT® foram os Programas de Educação Física, que me ajudaram a decompor o Surf em peças, e num processo de ensino e aprendizagem por associação de habilidades e competências cada vez mais complexas, e os princípios do treino desportivo, que são, para mim, princípios de eficiência, aplicáveis a tudo na vida.

Ao longo destes 24 anos, o método tem sido sempre melhorado. Além disso, os mais de 20 mil praticantes de todos os níveis têm-me também permitido ir aferindo o método. A experiência, tentativa erro e o debater de opiniões com outros colegas académicos, ajudaram, mas mesmo assim, senti necessidade de responder à exigência de adultos que querem aprender a fazer Surf, mesmo quando, às vezes, não existem bases para fazer associações. Então, como é que ensinamos? Ao constatar estas dúvidas, fui estudar um pouco de Neurociência, para perceber melhor o processo de aquisição de memória de longa duração e como é que eu ia ensinar as outras pessoas a serem bem-sucedidas numa prática com tantas variáveis. Hoje, o Método tem níveis bem definidos, metas de aquisição por habilidade, competências e comportamentos no mar.

Como está tudo claramente definido, podemos especificar o método e ajustá-lo a cada praticante considerando a bagagem que traga de surf ou de outros desportos. Desta forma, também me tem sido possível formar outros colegas, para aplicar o meu Método e saber que as minhas aulas continuam bem conduzidas, mesmo quando eu não posso estar na praia.

Um dos projetos que tem agora é a Mentoria de Surf no Feminino. Porque é que decidiu começar este projeto?

Há 2 anos, tive cancro. Durante este período, passei muitas horas em salas de espera e em casa e, como tal, tive mais tempo para ler. Aprofundei o conhecimento sobre várias temáticas, como, por exemplo, o que é a UNESCO; a importância do conhecimento e da cultura para a liberdade; direitos humanos; igualdade de género; equidade; etc. Neste sentido, achei que seria importante apostar noutras mulheres que, como eu, fossem exigentes na vida e reforcei, de certa forma, o sentimento e a dor que tinha, do meu percurso neste mundo que é, em alguma medida, ainda restrito a um pequeno grupo só de homens. Quero, nesta segunda metade da minha vida, rodear-me de pessoas que exijam mais de mim, afinal, foi esse o registo da minha educação.

Nesta metade, que já passou, fui sempre eu a puxar pelos outros, por isso, encontrei neste programa uma forma de apoiar mulheres, de uma maneira que a maioria dos homens nunca vai conseguir, e de, ao mesmo tempo, ter um ciclo social de convívio interessante. Esta mentoria é para mulheres que querem e conseguem. As inscrições já fecharam e as mulheres que foram aceites têm esse perfil, pelo que sei que, apesar de eu ser responsável por conduzir um novo progresso nas suas vidas, elas também vão ser uma excelente influência para mim nesta fase da minha vida.

Profissionalmente e pessoalmente, está onde sempre quis?

Nem profissionalmente, nem pessoalmente. Quero sempre mais. Quero ser aquele clichê de 1% mais a cada dia.

O que falta conquistar?

Quero melhorar as minhas relações pessoais, refazer novos ciclos de amigos, para repor uns quantos que desapareceram e outros que tive de rifar quando fiquei com cancro.

Profissionalmente, o meu projeto não se resume à área do surf e está longe de estar concretizado! Sinto uma energia renovada para continuar a perseguir uma visão de conduta desportiva, maior conhecimento académico e científico no surf e quero dedicar-me a criar um ativismo a favor da Educação Física de qualidade, do Exercício Físico e do Treino de Força, para absolutamente todos, sem excepções, a favor da saúde individual e da vida em geral.

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