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Liderança no feminino

A Sociedade Portuguesa de Medicina Interna tem, desde outubro, uma nova presidente. Lèlita Santos é professora e especialista de medicina interna e a primeira mulher à frente daquela que é reconhecida como uma das maiores sociedades científicas do país.

Doutorada em Medicina Interna pela Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, Lelita Santos é Assistente Graduada Sénior de Medicina Interna no CHUC, Coordenadora da Consulta de Doenças Autoimunes Sistémicas e da Consulta de Nutrição Clínica do CHUC. É, ainda, Professora da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra e Diretora do Serviço de Medicina Interna do CHUC. Nos últimos três anos foi vice-Presidente da SPMI e sucede a João Araújo Correia. Um cargo que assume com naturalidade e responsabilidade, ao mesmo tempo. “estou muito satisfeita, mas, simultaneamente, sinto o peso da responsabilidade ao me ter sido proporcionada esta oportunidade de coordenar um grupo de internistas que fazem parte dos Corpos Sociais e que aceitaram o desafio de, nos próximos 3 anos se dedicarem ao projeto que elaborámos para a SPMI. Além disso, esta é uma Sociedade com um grande prestígio, uma História longa e uma das maiores sociedades científicas do país, com perto de 3000 sócios o que me dá e aos restantes membros da Direção, responsabilidades acrescidas”, refere, acrescentando: “este é mais um marco na evolução da SPMI e da sociedade médica, mas que é natural. Na realidade, a população feminina na medicina tem vindo a aumentar. De acordo com os dados do INE, atualizados em julho de 2021, em 1991 os homens na medicina eram 16.941 e as mulheres eram 11.385, em 2020 esta proporção inverteu-se com 25.919 homens para 32.179 mulheres. Portanto, nada mais natural que seja agora uma mulher no “comando”. Aliás, os corpos sociais da SPMI têm 15 elementos, dos quais 7 são mulheres.”

Impõe-se a questão: que percurso percorreu até aqui? É mais difícil para uma mulher do que é para um homem assumir um cargo de direção? Tudo se trata, na opinião da especialista, de uma questão de organização, acima de tudo, apesar de existir, ainda um caminho a percorrer ao nível da liderança no feminino. “Todos temos momentos bons e momentos menos bons e períodos da vida mais difíceis e penosos de ultrapassar. Não acho que por ser mulher isso seja diferente ou mais complicado. Cada indivíduo é único e o nosso percurso de vida, quer pessoal quer profissional é construído gradualmente com as nossas escolhas, mas sempre com esforço se quisermos avançar mais além. Claro que ser médica e ser internista é muito absorvente, ser docente universitária é exigente, conciliar tudo com a vida familiar não é fácil, mas com alguma organização e gestão do tempo e a ajuda da família, as coisas vão acontecendo”, sublinha, acrescentando: “No terceiro trimestre de 2020, de acordo com dados do Eurostat, Portugal tinha 36% de mulheres em cargos de gestão para uma percentagem de cerca de 52% de mulheres na população. É muito pouco tendo em conta também que, atualmente, as mulheres têm formação académica e competências técnicas iguais às dos homens.”

Em 70 anos de existência da SPMI, é a primeira mulher a assumir o comando da sociedade científica SPMI. Como se sente?

Relativamente ao facto de ter sido eleita como Presidente da SPMI estou muito satisfeita, mas, simultaneamente, sinto o peso da responsabilidade ao me ter sido proporcionada esta oportunidade de coordenar um grupo de internistas que fazem parte dos Corpos Sociais e que aceitaram o desafio de, nos próximos 3 anos se dedicarem ao projeto que elaborámos para a SPMI. Além disso, esta é uma Sociedade com um grande prestígio, uma História longa e uma das maiores sociedades científicas do país, com perto de 3000 sócios o que me dá e aos restantes membros da Direção, responsabilidades acrescidas.

Quanto a ser a primeira mulher a assumir a presidência da SPMI, não me parece que seja diferente. O que acho é que este é mais um marco na evolução da SPMI e da sociedade médica, mas que é natural. Na realidade, a população feminina na medicina tem vindo a aumentar. De acordo com os dados do INE, atualizados em julho de 2021, em 1991 os homens na medicina eram 16.941 e as mulheres eram 11.385, em 2020 esta proporção inverteu-se com 25.919 homens para 32.179 mulheres. Portanto, nada mais natural que seja agora uma mulher no “comando”. Aliás, os corpos sociais da SPMI têm 15 elementos, dos quais 7 são mulheres.

Este é, de alguma forma, um objetivo alcançado? Ou o desejo tornado realidade?

É mais concretamente uma evolução natural do meu percurso na Sociedade e que acabou por se tornar, nos últimos anos, admito, um objetivo. Já desde 1991 que a SPMI faz parte da minha atividade como internista. Comecei por fazer parte de dois dos núcleos mais antigos da SPMI e dos quais participei nos primeiros secretariados, o Núcleo da Diabetes e o Núcleo das Doenças Autoimunes, duas áreas a que eu me dedicava já na altura. Depois, integrei alguns órgãos na sociedade e fui Vice-presidente nas últimas duas direções. Assim, era mais ou menos lógico que me candidatasse a Presidente.

O que foi preciso para chegar até aqui? Foi difícil?

Como referi, não foi necessário qualquer esforço acrescido. Ao longo da minha vida profissional e na minha atividade na SPMI, fiz sempre aquilo que achei ser a minha obrigação, cumpri a minha vocação e tentei cumprir a minha missão e, sobretudo, sempre tive e tenho muito prazer e alegria no que faço. O meu grande desejo como médica e como especialista de medicina interna é prestar um bom serviço aos meus doentes e à medicina, saber cuidar deles no seu global, diagnosticar a sua doença, conhecer os seus problemas sistémicos, preocupar-me com o seu bem-estar não só físico, mas, também, psíquico e social. Por outro lado, procuro ser um bom exemplo para os meus colegas mais jovens e para os meus alunos. Nada disto é difícil e “o caminho faz-se caminhando”.

O que é preciso para se ser um bom líder?

Não sei responder a essa pergunta de forma segura, até porque não aprecio muito a palavra líder, prefiro coordenador. No entanto, na minha opinião, quem tem a responsabilidade de coordenar equipas deve ter um projeto que entusiasme, deve saber delegar tarefas, deve ser pragmático e focado em objetivos, deve tomar decisões e responsabilizar-se por elas, mas tem de, simultaneamente, ser humilde, aceitar as opiniões dos outros, reconhecer os seus erros e melhorar em equipa. Parece que as mulheres têm características que as tornam boas gestoras de equipas, a capacidade de pensar e agir em muitas direções ou temas ao mesmo tempo, o que é uma vantagem no momento de tomar decisões e enfrentar crises.

O facto de ser mulher tornou o percurso difícil? Porquê?

Todos temos momentos bons e momentos menos bons e períodos da vida mais difíceis e penosos de ultrapassar. Não acho que por ser mulher isso seja diferente ou mais complicado. Cada indivíduo é único e o nosso percurso de vida, quer pessoal quer profissional é construído gradualmente com as nossas escolhas, mas sempre com esforço se quisermos avançar mais além. Claro que ser médica e ser internista é muito absorvente, ser docente universitária é exigente, conciliar tudo com a vida familiar não é fácil, mas com alguma organização e gestão do tempo e a ajuda da família, as coisas vão acontecendo.

Que mais-valias acha que pode dar à SPMI, enquanto presidente?

Esta direção tem um programa ambicioso que queremos cumprir. Pessoalmente posso contribuir estimulando o grupo e coordenando as ações. Preocupo-me sempre muito com o cumprimento do que prometo e com o rigor nas atividades. Gosto de ser conciliadora e inclusiva, costumo estimular as equipas em que me incluo, a participar e partilhar responsabilidades. Espero poder continuar a modernizar e a inovar na Sociedade.

Fazem falta cargos de direção feminina em Portugal?

Acho que sim. No terceiro trimestre de 2020, de acordo com dados do Eurostat, Portugal tinha 36% de mulheres em cargos de gestão para uma percentagem de cerca de 52% de mulheres na população. É muito pouco tendo em conta também que, atualmente, as mulheres têm formação académica e competências técnicas iguais às dos homens. Além disso, é bem reconhecido o mérito das mulheres como profissionais, em muitos casos obtém mesmo melhores resultados de gestão do que os seus parceiros masculinos. Nas equipas, as mulheres tendencialmente, são mais assertivas, mas igualmente mais sensíveis pelo que muitas vezes conseguem conduzir melhor projetos e decisões difíceis.

Estamos no bom caminho? Ou ainda muito longe do desejável, em Portugal?

Estamos no bom caminho, sem dúvida. Não vale a pena promover esta dicotomia entre homens e mulheres. As mulheres e os homens completam-se também profissionalmente. Podem trabalhar em equipa e vão conquistando a sua posição impondo-se pelo mérito, pela competência, sejam homens ou mulheres. Desta forma o equilíbrio acaba por surgir.

Temos uma sociedade maioritariamente masculinizada, ainda?

Penso que em algumas áreas isso ainda acontece, mas, cada vez mais, se vão modelando as mentalidades e se vão modernizando os conceitos. As mulheres têm a capacidade de se impor pelos seus atos e pela sua resiliência e as diferenças vão-se atenuando.

Como médica internista, o que pode dizer do estado da saúde em Portugal? Como está o SNS?

O nosso país sempre foi um exemplo de um bom sistema de saúde, o SNS de que todos nos orgulhamos, permite o acesso à saúde para todos os cidadãos de forma igual, garantindo a universalidade, generalidade e gratuitidade dos cuidados de saúde. Infelizmente, o Serviço Nacional de Saúde tem vindo a perder a sua qualidade e a acessibilidade dos cidadãos é agora muito difícil. Temos Serviços de Urgência superlotados, doentes com patologias crónicas que aguardam meses por consultas, dificuldades de acesso aos Cuidados Primários, entre outras inconformidades.

O SNS está em dificuldades e pode ficar muito doente. A medicina interna é uma especialidade que tem o seu fulcro de atuação nos hospitais e sente isso. Os internistas trabalham em várias áreas do hospital, desde o Serviço de Urgência, ao Internamento em Enfermaria ou Unidades de Cuidados Intermédios ou mesmo Intensivos, em Consultadoria e Cogestão com outras especialidades, nas Consultas e no ambulatório na Hospitalização Domiciliária ou nos Cuidados Paliativos e em muitas outras. Todos sentem as dificuldades. Falta investimento no SNS, não só em recursos técnicos, mas, também, nos recursos humanos.

Prevê-se um bom futuro? Mais investimento?

Temos de ser otimistas e achar que o futuro vai ser sempre melhor. Há, no entanto, necessidade de reorganizar e modernizar o SNS. Para isso é preciso coragem e a tutela tem de dar condições a quem está no terreno, para se motivar. É verdade que os médicos, por exemplo, são em número insuficiente, que são necessários mais Médicos de Família e mais médicos hospitalares. No entanto, são um grupo profissional atualmente muito sobrecarregado, com horários de trabalho desumanos e mal remunerados e que, por isso, saem dos hospitais ou emigram. Esta hemorragia de quadros de alta competência tem de terminar.

Tem realmente de haver mais investimento nas condições de trabalho dos profissionais de saúde.

O que a fez seguir este caminho, o da Medicina Interna?

Escolhi Medicina Interna e ainda hoje o faria porque, como costumo sempre dizer, “é a melhor especialidade do mundo”! Desde cedo, ainda na Faculdade, percebi que queria uma especialidade médica hospitalar em que a abordagem sistémica do doente fosse o principal. A medicina interna é isso mesmo, define-se pela capacidade de visão integradora e global do internista que é única entre as especialidades hospitalares. Isso permite que o especialista de Medicina Interna seja versátil e consiga gerir o percurso do doente em todas as vertentes. Ninguém consegue imaginar um hospital sem Internistas.

Faz o que mais gosta, hoje?

O que verdadeiramente gosto é de ser médica, de observar os doentes, juntar o puzzle cujas peças são os seus sinais e sintomas, chegar ao diagnóstico e traçar um plano de tratamento e de seguimento. Atualmente, embora continue a fazer consultas e a ter os “meus” doentes, como tenho algumas tarefas de gestão sinto-me por vezes um pouco afastada da prática clínica diária. No entanto, também acho importante pôr em prática a minha experiência de 40 anos, como médica hospitalar, ao serviço dos interesses dos doentes e dos profissionais.

Quais são os desafios diários da profissão que abraça?

Os desafios são muitos e constantes. Sabermos que temos de enfrentar constantemente a responsabilidade de tratarmos os doentes, as dúvidas relativas aos diagnósticos e prognósticos, dar conforto e suporte às fragilidades das pessoas e às suas incertezas e receios, são os maiores desafios e os motivos que nos fazem ter, muitas vezes, dificuldade em conciliar o sono, ou estudar até muito tarde, mas, também, o que alimenta o romantismo da nossa profissão e da nossa especialidade.

São também desafios, ultrapassar o cansaço do excesso de horas de trabalho e as dificuldades em conseguir exames ou tratamentos que consideramos urgentes ou essenciais para aquele doente. O maior desafio é superarmos todos os anteriores e querer com vontade continuar a caminhada.

E os principais obstáculos?

Os obstáculos estão muitas vezes na falta de reconhecimento pelo esforço que é feito para que todo o trabalho clínico seja bem-sucedido. É difícil ultrapassar as inércias da falta de organização, da falta de material e da falta de recursos humanos.

Lèlita Santos, MD, PhD

Assistente Hospitalar Graduada Sénior de Medicina Interna

Professora da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra

Diretora do Serviço de Medicina Interna do CHUC

Presidente da SPMI

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