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Madalena Palmeirim: “Tudo o que envolve som apaixona-me”

Descrevem-na como uma tempestade serena. Uma imagem e ideia que afirma representarem-na bem e que tentou transpor para o seu novo álbum. Na sua vida, a música demorou tempo a “encontrar um corpo e um caminho”. Começou por aprender a tocar piano e foi saltando de instrumento em instrumento até descobrir a voz. Com os primeiros concertos, as primeiras bandas e os primeiros teatros, a vontade de fazer disto profissão foi surgindo. Cantora, compositora e multi-instrumentista, Madalena Palmeirim vem “resistindo” nesta área há 10 anos. Da carreira já fazem parte um EP, “Mondays” (2015), e dois álbuns, “Right as Rain” (2019) e “Morna Mansa” (2024). Além disso, dedica-se, também, a compor bandas sonoras de cinema, como foi o caso de “A Metamorfose dos Pássaros”, de Catarina Vasconcelos, que recebeu o Prémio FIPRESCI para Melhor Filme na secção Encontros do Berlinale – Festival Internacional de Cinema de Berlim. À LuxWoman conta que  “tudo o que envolve som” a apaixona.

Quem é Madalena Palmeirim?

Há uma expressão que amigos e desconhecidos já repetiram acerca de mim: uma tempestade serena. Gosto muito desta imagem e acho que a ideia me representa bem. No meu novo álbum tentei chegar um pouco mais perto da tempestade e dos ventos cruzados, sem grande rumo nem direção. Gosto do acaso e do que essa deriva nos obriga, no fundo, a deixarmo-nos surpreender com o desconhecido que o mundo tem.

Como é que começa o seu percurso na música? Foi algo que sempre quis?

Foi algo que me chegou primeiro de fora, pelos avós, pais, irmãos, e que demorou o seu tempo a encontrar um corpo e um caminho. Comecei por aprender piano, até começar a saltitar de instrumento em instrumento de forma autodidacta, e foi aí que comecei a descobrir a voz. A vontade de fazer disso profissão (não sabendo bem o que isso significaria, na altura) começou a surgir na adolescência, com os primeiros concertos, primeiras bandas, primeiros teatros. Enquanto ganhava traquejo na música, paralelamente, fui bolseira num centro de investigação da Faculdade de Letras e fazia música nas horas vagas, até ter decidido dedicar-me inteira e exclusivamente ao som, resistindo desde há dez anos para cá nessa área.

Lançou em janeiro “Morna mansa”. Do que nos fala este álbum?

Conta o meu vai-vem entre Portugal e a ilha de São Vicente, sobretudo. Uma travessia longa, que se viu atravessada pela pandemia e pelo quase-fim do mundo, e que, sem eu saber, se tornou na minha bóia de salvação. Foi uma tentativa de reação, de recuperar o encontro, ainda que muitas vezes à deriva e perdida no meio do Atlântico, e foi uma procura por uma sonoridade e uma vibração mais quente. É um disco feito de oito temas originais – quatro em português e quatro em crioulo – compostos entre o cavaquinho (que foi sempre o meu companheiro de viagem) e o ukelele.

Do vai e vem entre Portugal e a ilha de São Vicente nasceu este segundo trabalho discográfico. Como foram os dias passados na ilha?

Foram várias viagens, mas, talvez, a mais decisiva tenha sido a que me fez arrancar de Portugal durante o segundo confinamento, em fevereiro de 2021, com o cavaquinho debaixo do braço. Houve uma primeira fase para recuperar a respiração, literalmente, e para, ainda que com todas as cautelas: voltar a viajar, abraçar, mergulhar no mar, conversar, cantar, dançar e tocar junto, regressar à vida. E houve também outras fases de maior reclusão, sobretudo durante a residência artística que fiz deslocada do centro do Mindelo, numa aldeia na zona Norte Baía, e que me obrigou a voltar a olhar para dentro e a organizar ideias e rumos.

Capa do álbum "Morna Mansa". A colagem foi feita pela artista Lídia Reis. Créditos: @madalenapalmeirim/instagram

Capa do álbum “Morna Mansa”. A colagem foi feita pela artista Lídia Reis. Créditos: @madalenapalmeirim/instagram

O que tinha a ilha de tão inspirador?

São Vicente é um caldeirão e um poço sem fim de inspiração, pelo lugar, pelas pessoas, pela cultura. E depois o contraste com o que estávamos na altura a viver em Portugal era avassalador. De repente, sair de entre quatro paredes de cimento para me encontrar entre as montanhas e o mar a toda a volta, foi um regresso à vida a pés juntos. Sinto que tudo ao meu redor se imiscuiu no processo criativo, encontrando inspiração nas nuvens, nas cores, nos sons, nos cheiros, nas pessoas, na língua, nas canções. Devolveu-me esse sabor pela vida, humanisticamente falando.

 Se pudesse escolher duas músicas deste novo álbum, quais seriam e porquê?

Teria de escolher os singles “É bô” e “Mudjer”, que contam respectivamente com a colaboração dos músicos cabo-verdianos John d’Brava e Milanka Vera-Cruz, e que são as que melhor representam esse lugar do meio. E, musicalmente, talvez também tenham sido os temas que me obrigaram a ir para mais longe, para uma zona sem pé, com tudo de bom que isso tem.

A Madalena dedica-se também a bandas sonoras de cinema. Isto é algo que a apaixona?

Tudo o que envolve som apaixona-me (música, palavra, ruído, silêncio). Apesar de ser uma linguagem do invisível, tem em si um potencial plástico e imagético muito grande. No cinema, temos o prazer de poder jogar com a imagem, de ilustrá-la ou contradizê-la. Acho que o que me entusiasma mais é, mesmo, tentar resgatar o som desse papel subalterno e secundário em que normalmente é colocado (técnica e criativamente).

Quais as bandas sonoras que mais gostou de fazer?

É-me muito próximo do coração o tema que musiquei para o filme da Catarina Vasconcelo, “A Metamorfose dos Pássaros”, interpretado pela Inês Campos e pelo Manuel Molarinho. Junto ao coração trago também “#4 Mangifera”, realizado pela Flávia Gusmão, um filme-homenagem à ativista e produtora cultural Samira Pereira (elas foram uma ponte e colo amigo durante este meu vai-vem).

“A Metamorfose dos Pássaros”, o filme de Catarina Vasconcelo. Créditos: IMDb

“A Metamorfose dos Pássaros”, o filme de Catarina Vasconcelo. Créditos: IMDb

O que reserva o futuro? Tem novos projetos em mãos?

Agora, é o momento de apresentar o disco, ao vivo. Regressar às pessoas, ao encontro, à celebração. Vou trocar um pouco as voltas à circulação e vou tocar ao Brasil em Abril-Maio. E é lá que vou começar já a traçar o novo horizonte do terceiro álbum, que vai fazer a sua circum-navegação por essa margem. Um amor que também já vem de longe, fechando assim o triângulo amoroso entre Portugal, Cabo Verde e Brasil.

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