[wlm_register_Passatempos]
Siga-nos
Topo

Maria Mota: Vencedora do Prémio Pessoa

O vencedor do Prémio Pessoa 2013 foi conhecido hoje. Maria Mota foi a personalidade escolhida pelo júri, de acordo com o critério “ser protagonista de uma intervenção particularmente relevante e inovadora na vida artística, literária ou científica do país”.O Prémio Pessoa, no valor de 60 mil euros, vai ser utilizado para continuar a investigação no campo da Malária.

Maria Mota deu em Outubro uma entrevista à LuxWoman, que recuperamos aqui:

Maria Mota recebe-me no quarto andar do Instituto de Medicina Molecular, ainda está vazio às dez da manhã. Em breve as bancadas ganharão vida, à medida que cientistas e alunos de doutoramento chegarem aos seus postos de trabalho. Há franceses, cabo-verdianos, portugueses… Tantos homens quanto mulheres. Quando explico à cientista Maria Mota, que recebeu recentemente um financiamento no valor de 1,5 milhões de euros para as pesquisas da equipa que lidera, que queremos saber quem são as mulheres na ciência portuguesa que estão a ser reconhecidas internacionalmente, responde-me imediatamente:

É muito importante transmitir que a ciência é atrativa e acho que é muito importante fazê-lo num contexto feminino, mesmo se 80% a 90% são mulheres, porque a um nível mais alto temos muito menos mulheres.

A participação das mulheres na ciência toca-lhe de forma particular?

Um dia deram-me os parabéns por mostrar que é possível ter tudo: ser mulher, ter filhos, ter sucesso. Veio de uma pessoa de 30 anos, uma mulher, a seguir a uma conferência que dei. Isto fez-me sentir que ainda há muitas mulheres que não vão chegar onde poderiam.

Sentiu a discriminação na pele?

Eu nunca senti. Mas oiço comentários constantes. Quando fui trabalhar com o meu mentor, o Victor Nussenzweig, que era casado com a pessoa mais famosa da Malária no século XX, a Ruth Nussenzweig, disse-me muitas vezes: ‘Maria, tu és muito inteligente, só tens um problema, é teres nascido mulher.’ E eu pensava como é que é possível um homem casado com a mulher mais importante na área e que, ainda por cima, é também ele muito inteligente, conceituado, dizer isto, sentir que ser mulher é uma barreira.

Mas existem barreiras ou é um auto preconceito?

Existem barreiras, sobretudo, induzidas pela sociedade que tem expectativas diferentes para raparigas e rapazes. E por isso há autopreconceito. Se partimos com expectativas menores para as mulheres… As pessoas partem sempre do princípio que é difícil compatibilizar a família e a carreira. Se eu fosse um homem nunca ninguém presumiria se eu tinha ou não tinha filhos, isso nem era conversa.

Ser investigadora de topo é compatível com a família?

Sim. Não acho que seja difícil. É uma questão de gerir bem aquilo que se quer. Eu não me sinto culpada e acho que as minhas filhas crescem lindamente.

Era boa aluna mais não escolheu medicina…

Não. Fiz Biologia na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto. Tinha notas para medicina, os meus pais queriam, mas eu não me identificava com aquilo. Dentro do curso, fiz a parte científica, com trabalho laboratorial que é o que eu gosto, e o científico-tecnológico é a biologia dos animais, observar pássaros, etc. Eu só fui uma vez observar animais para o alentejo e odiei.

A Maria é uma bióloga que não gosta de bichos?

Não lhes faço mal (risos), mas não paro em frente à televisão para ver a National Geographic. Sempre gostei de microscópio, das células, isso é que me entusiasma.

Decidiu-se pela investigação logo após a licenciatura?

Passei no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, para ir ter com uma amiga, e vi o anúncio para a abertura de um mestrado em Imunologia. Eu só tinha tido uma aula de imunologia no curso, mas o anúncio referia biologia celular e uma série de conceitos que eu queria aprender. E imediatamente subi para me inscrever. Fui às entrevistas, ainda antes de acabar o curso. Não tinha a noção mas na sala de espera estavam apenas pessoas que já trabalhavam. Pior do que isso, a entrevista era inglês. Foi a primeira vez em que não sabia ao que ia. Percebi logo que não ia ser chamada.

Não foi o que aconteceu.

Dois dias depois, tinham ligado do Instituto Abel Salazar dizendo que, se eu concluísse a licenciatura nesse ano, podia frequentar o mestrado. Fiquei muito surpreendida. Comecei em Outubro e de repente foi super difícil.

Desistiu?

Fui falar com a Professora Maria de Sousa que é uma pessoa muito frontal. Ela foi muito clara para mim. ‘Mas tu és uma pessoa que desiste?’ Disse-me para fazer um curso de inglês, deu-me um livro de imunologia básica. A partir desta conversa foi uma mudança enorme na minha vida, passei a sentir-me bem naquele ambiente e a fazer bem.

Que idade tinha?

Tinha 21.

É durante o mestrado que vai para Londres?

Todo o mestrado trazia cientistas de fora para nos darem as aulas. Num dos cursos em Lisboa veio um professor, que nos veio dar Malária, e final do curso disse-me: ‘Porque é que não vens ao laboratório de Londres e vês como é que te dás?’ Fui durante dois meses. Eu que não sou muito emocional mas acho que chorei a viagem toda de regresso a Lisboa. Adorei. E quando cheguei comecei a encontrar formas de voltar. Em abril regressei a Londres, terminei a tese de mestrado em 5 meses e meio e fui convidada pelo laboratório para fazer o doutoramento.

E em Londres conhece alguém inspirador?

O meu orientador oficioso do doutoramento (porque se reformou entretanto) era um cientista à antiga, extremamente charmoso, extremamente apaixonante, e ainda completamente apaixonado pelas grandes questões que tem, ainda não está satisfeito com as respostas que obteve. Ele tinha aquilo que faz de facto um grande cientista: é uma pessoa que vive toda a vida com a pergunta seguinte. O Neil Brown foi a primeira pessoa que me contagiou, foi a primeira pessoa com quem eu percebi o que é ser cientista: é a pessoa estar sempre curiosa. Não é por ter 65 anos, como ele tinha na altura, que pensa que se sabe tudo.

Depois de Londres foi para Nova Iorque?

Depois do mestrado, estive mais 4 anos em Londres, em Janeiro de 1995 e saí em Dezembro de 1998. Durante este último ano, contactei Victor Nussenzweig e fui para Nova Iorque em 1999, trabalhar também em malária, em 1999, mas num campo completamente distinto. O que causa malária é a infeção das células vermelhas pelo parasita, isso causa a doença em si, e foi o que trabalhei no meu doutoramento. Mas o parasita é transmitido por um mosquito e no corpo humano passa cerca de uma a duas semanas no fígado, onde o parasita de multiplica enormemente, mas sem sintomas. O mosquito provavelmente só passa cerca de 10 a 20 parasitas na nossa pele. Mas cada parasita que chega ao fígado dá origem a cerca de 30 mil parasitas e é nessa altura que se dá a infeção.

É por isso que é tão difícil debelar a doença?

Se nós conseguíssemos pará-lo no fígado seria a vacina ideal. As pessoas encontravam o parasita e ficavam imunizadas, sem se deixar infetar. Esse era o conceito que eu queria ir aprender em Nova Iorque.

Voltou para Portugal passados três anos de Nova Iorque?

Regresso com 30 anos e grávida de quatro meses. Nada planeado, nem na altura certa, mas não foi um impedimento para a minha carreira. Foi interessantíssimo (risos), eu cheguei ao Instituto Gulbenkian para a Ciência para o meu primeiro dia de trabalho e tive que dizer ao meu diretor, o António Coutinho, que estava grávida, não é muito agradável.

Mas não foi um impedimento para a carreira.

Nada. Tudo depende da disponibilidade mental. Como todas as profissões, imagino eu, é preciso que as pessoas estejam disponíveis, que não estejam preocupadas com outras coisas. A ciência exige disponibilidade mental. Eu vejo muitas mulheres que com a gravidez e a maternidade passam a ter as antenas viradas só para o bebé. É preciso que as pessoas estejam alerta para que não podem fazer isso, quer dizer, podem fazer isso mas não conseguem fazer ciência. É necessário que as pessoas tenham ajuda.

E onde fica a família hoje?

Eu tenho duas filhas. As minhas filhas não têm prioridade em relação ao meu trabalho, nem o contrário. São dois mundos distintos. Quando estou com elas sou mãe, desde sexta-feira à hora do jantar até ao domingo à tarde é muito raro eu trabalhar nesses dias. Respondo a emails mas nada de ter que me sentar e trabalhar. O sábado é dedicado à família. Quando estão doentes estou com elas, claro. Mas se não há doenças, se está tudo a correr bem na escola, não estou minimamente preocupada.

Porque veio para Portugal?

Por uma razão pessoal, sobretudo porque o meu marido queria voltar. Decidimos que se passados dois anos não conseguíssemos fazer o nos tínhamos proposto (o marido de Maria Mota é cientista na área do Cancro, no IPO) que procuraríamos outras opções fora país. Vou ser franca, as expectativas foram todas superadas. Nunca pensei fazer tão bem, com reconhecimento internacional, financiamento angariado pela nossa equipa.

Quais são os seus contributos para o desenvolvimento científico?

O nosso grupo foi o primeiro a conseguir estabelecer uma ligação entre o mecanismo do colesterol e o parasita. Descobrimos uma enzima que produz monóxido de carbono que protege os infetados da morte. Os ratinhos que não a produzem morrem com um síndroma cerebral. Descobrimos que o segundo mosquito que pica e encontra o sangue infetado quando o parasita chega ao fígado já não consegue reproduzir-se.

A nossa investigação trouxe algo muito importante: como é que o mesmo parasita tem comportamentos diferentes de acordo com a dieta do hóspede? Dois ratinhos que comem de forma saudável, mas que o A come apenas 70% das calorias do que come o B e o B tem muito mais infeção. Mas percebemos que o parasita do B é muito mais virulento porque o parasita não tem interesse em matar logo o hospedeiro, então aumenta a intensidade da infeção dependendo das disponibilidade calórica do hospedeiro.

O rato gordo fica mais infetado do que o rato magro?

Sim, o que tem implicações, porque a dieta em África está a mudar muito rapidamente.

Conseguimos prever um aumento dos casos graves de malária por causa da melhor alimentação?

Achamos que poderá acontecer isso. Mas não é qualquer dieta. Se dermos uma dieta gorda, muito gorda, muita rica em colesterol, o parasita não se consegue desenvolver no fígado.

Se dermos hambúrgueres às populações elas não desenvolvem malária?

Sim, os meus amigos dizem que é a forma de eu conseguir o financiamento da MacDonalds (risos).

Qual é a aplicação desta informação?

O que queremos é no, caso da calorical restriction, compreender como é que o parasita tem esta informação. O que queremos, basicamente, é enganar o parasita conseguir indicar-lhe que está num hospedeiro à fome, porque já sabemos qual é esse sinal, induzir um parasita que fica atenuado, mesmo quando o hospedeiro tem uma alimentação saudável.

Ganhou recentemente um prémio com esta investigação.

Há prémios e financiamentos. Nós candidatámo-nos com este projeto da calorical restriction e de parasita ter a capacidade de se aperceber do estatuto nutricional do hospedeiro e adaptar-se a ele. É este o conceito que desenvolvemos para o European Research Center e que é um financiamento bom para o laboratório porque nos permite planear a cinco anos, que é algo que falta nos financiamentos nacionais. É muito difícil planear a três anos. Eu não gosto de lhe chamar prémio, porque não é algo aleatório. Este foi um projeto que foi desenhado com o objetivo de conseguir este financiamento para conseguirmos desenvolver esta investigação.

Em todo o caso, a percentagem de projetos aprovados foi baixa.

A taxa de sucesso é de 7% ou 8%. Este financiamento é ao nível do financiamento nos Estados Unidos. Já foram feitos muitos estudos que provam que um país que faz uma boa investigação tem que ter 10% de investigações de topo.

1,5 milhões de euros dá para fazer o quê?

Cinco anos de financiamento para ter três pessoas dedicadas exclusivamente a isto, com todos os materiais necessários à investigação de excelência. Este valor tem de ser justificado, tudo tem de ter fatura.

E permite ao laboratório trabalhar exclusivamente neste projeto?

Não. Estamos a trabalhar noutros projetos.

Como é trabalhar no Instituto de Medicina Molecular?

O IMM, para onde me mudei em 2005 é o perfeito para o meu trabalho. É um local fantástico, porque posso dedicar-me à investigação, dou aulas na faculdade de medicina que me põe em contacto com os alunos, que me fazem perguntas, por vezes, muito interessantes, fazem-me pensar em coisas que por vezes não estava a pensar. E temos contacto com clínicos do Hospital Santa Maria, que pensam de uma forma completamente diferente. A proximidade com o hospital permite-nos resolver problemas de doentes específicos. Os médicos vêm aos nossos seminários, com investigadores internacionais. É uma interação única. Sem dúvida que estamos a criar aqui um campus único, no país aqui.

Como é trabalhar em ciência em Portugal?

Quando cheguei a Portugal, cheguei na transição, o Instituto Gulbenkian para a Ciência estava a atrair pessoas para cá, devemos isto a várias pessoas, mas sobretudo ao ministro Mariano Gago, que enviou muitos investigadores para fora. Temos pessoas portuguesas nos melhores sítios do mundo, temos locais no país tão bons quanto esses, podemos fazer assim uma network para o desenvolvimento. É possível fazer ciência em Portugal ao mais alto nível. Nós fizemos maravilhosamente.

Estamos entre os melhores países para fazer ciência?

Caímos no risco de achar que como crescemos imenso já estamos no topo e não estamos. Já temos muitos indivíduos em Portugal que estão ao nível dos melhores, mas sobretudo ao nível promissor. Essas pessoas têm de ser muito protegidas, têm que ter as condições para desenvolver trabalho. O sucesso em ciência é muito difícil de manter e depende de muitas características: inteligente, sim, mas é preciso ser pragmático e um bocadinho egocêntrico, saber qual é o seu caminho, tem de haver uma certa imposição do eu. E depois tem de haver condições. Há muitas pessoas a fazer boa ciência porque as instituições em que estão as dotam de todas as condições.

Como vê o financiamento do Estado à ciência?

Estamos muito preocupados. Estamos muito melhor do que Espanha, que fechou ciência, acho que temos pessoas no ministério que acreditam na importância da ciência. A Fundação para a Ciência e Tecnologia manteve os concursos mas reduziu os critérios, aumentou as restrições. Também acho que, como em qualquer conceito, de vez em quando é preciso podar uma árvore, porque ainda temos ciência medíocre em Portugal. Eu avalio para a Suíça, para a Alemanha, etc, e há lá ciência muito mais aborrecida do que a nossa, mas o nível médio é muito melhor lá. Lá já não há coisas medíocres. É preciso podar, e estaria talvez na altura de o fazer, mas não podemos podar pelo caule porque pode já não crescer.

Prémios e distinções de Maria Mota

Em 2003, foi a primeira portuguesa a receber o EMBO.

Fui a primeira portuguesa a receber. Eu fui a primeira a receber o European Cience Foundation, o european young investigator award em 2004, uma espécie de piloto para o ERC, foi a primeira vez que um português trouxe um milhão de euros de financiamento internacional.

A primeira a ser Howard Youth Medical Investigator.

Agora temos 5 em Portugal, e sinto que o meu prémio abriru imensas portas sobre Portugal, eu consegui convencê-los a realizar um congresso aqui, e depois conseguimos.

Veja mais em Pessoas

PUB