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‘Não era para ser assim…’

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Violência de género cada vez mais cedo

Seja por uma cena de ciúmes, porque a comida está fria ou porque simplesmente tiveram um mau dia no trabalho, a história é quase sempre igual: gritam, insultam e batem. Transversal a qualquer classe social e faixa etária, a violência doméstica começa, no entanto, a ganhar novos contornos.

Hoje, é a adolescência que mais preocupa as autoridades e as organizações, como explica Daniel Cotrim: “Nós temos cada vez mais casos de grupos de miúdos que nos chegam da escola e nos dizem ‘Têm de ir lá, porque a nossa amiga está a levar pancada todos os dias e não diz nada a ninguém!’ Os casos de violência doméstica entre os mais jovens estão a aumentar e com dados preocupantes, ao mesmo tempo.

É curioso que os jovens têm uma mente muito mais retrógrada em relação à violência doméstica do que tem uma mulher de 50 anos, por exemplo! Têm iPhones e tudo o que é tecnologia moderna, e depois toleram muito mais os maus tratos do que uma pessoa mais velha. Se estivermos parados à frente de um colégio, não é raro vermos miúdas vítimas de maus tratos. E elas acham normal e não os confrontam.

No Facebook, por exemplo, é usual vermos os namorados a questionarem-nas acerca dos amigos e das conversas que têm. Se calhar, uma mulher de 50 anos nunca permitiria tal coisa. Por exemplo, nós tivemos numa casa abrigo uma senhora com 78 anos [agredida pela primeira vez com essa idade] que decidiu que não permitia que o marido lhe batesse!”

Quando o agressor é menor de idade, não pode ser condenado. “Não conheço nenhum caso julgado e condenado em que o agressor é menor de 18 anos, apesar de existirem na prática,” explica Daniel Cotrim. “Os casos de violência de género em menores de idade são complicados, porque elas não fazem queixa… Primeiro, porque os pais nem sequer sabem que elas namoram, depois porque dependem dos pais e não podem fazer nada sem a sua autorização.”

Não podendo ser abrangidos legalmente, os casos de violência entre namorados menores exigem uma grande articulação entre pais, professores e organizações, na opinião do responsável, e uma boa dose de bom senso, como explica: “Normalmente, os miúdos agridem-nas quando vão levá-las a casa. Elas entram em casa, os pais perguntam se está tudo bem, dizem que sim e fecham-se no quarto. Está ali um problema que ninguém percebe e que é muito grave“.

“Para conseguirmos contornar esta lacuna, é necessário que os recursos estejam todos articulados e que os professores e auxiliares estejam alerta. É necessário que os serviços de saúde, quando esta rapariga, que chega lá com dores de cabeça, que está cheia de nódoas negras e que diz que caiu numas escadas, tenham sensibilidade para averiguar se foi mesmo um acidente nas escadas…”

Como esta, existem outras falhas na lei em Portugal que protegem as vítimas de violência doméstica. Para o responsável da APAV, apesar de sermos dos países da União Europeia mais bem preparados em termos de lei e de teoria, falta fazer muito na prática: “O crime de violência doméstica já está previsto como crime público, portanto, como definição e descrição temos a lei mais avançada do mundo!”

“A nossa lei prevê não apenas o crime entre homem e mulher, mas entre casais do mesmo sexo, de pais para filhos, de filhos para pais, contra os idosos, no namoro – uma inovação do nosso sistema penal – e até o adultério pode ser denunciado, se houver descendência… O caminho mais básico já está feito, agora é preciso pensar no caminho à volta, nomeadamente: promover a saída do agressor de casa e não da vítima, como hoje vemos, a questão dos jovens, a falta de comunicação dos tribunais, o facto de as pessoas terem de ter inúmeros advogados para os inúmeros processos por causa de uma só causa…”

Ainda é muito difícil e muito burocrático. As instituições têm de ter condições, públicas ou privadas, para receber as vítimas com as melhores condições… Os nossos tribunais, por exemplo, não têm condições nenhumas, porque a vítima e a família toda do agressor têm de se confrontar fora da sala de audiências, cara a cara, não há medidas de proteção, já vi muitas cenas de pancadaria à porta do tribunal. Portanto, temos as pulseiras eletrónicas, a teleassistência, etc., mas muitas medidas continuam a não funcionar em tempo útil para a vítima…”

Falamos em medidas que são de caráter urgente! É que no tempo de espera [entre uma decisão judicial e a sua aplicação] muitas mulheres são assassinadas, porque nesse tempo não há medidas de proteção. A APAV está neste momento a tentar alertar para esse facto. É usual vermos nas notícias casos desses: ‘Já tinha iniciado o processo, já tinha estado numa casa abrigo…’ É muito triste.”

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