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No ardor de ajudar toda a gente, ela só se esqueceu de se ajudar a si

Você já se deparou com aquele tipo de mulher que aparenta ter um coração de ouro, adorada por todos, acolhedora até para os estranhos, hospitaleira de todos os animais, mas se olhar bem de perto, de muito perto, perceberá que ela está um tanto perdida dentro de si mesma?

Ui, eu conheço várias dessas. São aquelas mulheres que assumem o papel de mãe para o mundo inteiro, sempre dispostas a albergar mais uma alma desgarrada. Ela é a conselheira, a mediadora remediadora, a guardiã dos desamparados.

Mas quando entram no consultório do psicólogo, estas mulheres chegam despedaçadas. A princípio, enfrentam uma batalha interna feroz para admitir que precisam de ajuda. Geralmente, chegam ali para tratar do filho rebelde, afundado nas drogas, da filha suicidária, auto-lesiva, ou do marido problemático, egoísta e emocionalmente distante.

Sim, ela pensa que é invencível, que não tem qualquer problema (“o inferno são os outros” – então-a-Dr.ª-não-vê??) e está sempre pronta com uma resposta afiada na ponta da língua. Faz-se de forte, como se nunca fosse ficar doente ou precisar de ajuda, afinal, está sempre lá para toda a gente. Mas quando a doença lhe morde os calcanhares, todo o seu império de certezas e assistencialismo comovedor desmorona ladeira abaixo. A “mulher-colosso” é obrigada a retirar-se. E então começa o melodrama, pois aquela mulher que estava sempre pronta para atender qualquer chamada de socorro – seja financeiro, emocional ou físico – agora precisa engolir o sapinho do orgulho e aceitar a ajuda dos outros. Ela precisa deixar de lado o papel de dominadora (sim, há questões de controlo metidas nisso) e, digamos que, “submeter-se” de várias maneiras e ser “paciente”, em todos os sentidos.

Os profissionais de ajuda (como psicólogas, enfermeiras…), geralmente, costumam ter muito trabalho com esse tipo de mulher que não se deixa cuidar. Ela precisa adoecer (física, mental e emocionalmente) para chegar a este ponto. Qual? O de se permitir estender a mão, pedir e receber ajuda.

As pessoas à sua volta podem admirá-la pela sua generosa “doação”, mas no fundo sentem-se distantes. Sentenciam-se distâncias. Quais? Aquelas que se impõem entre nós e os outros.

Aquela casca grossa de força e grandeza, ao contrário do que esta mulher pensa, não cria uma real conexão com os outros. Cria um “fosso” de assimetria, de percebida superioridade. E é aqui que ela se mostra perdida em si mesma. Ela perdeu-se de si mesma por debaixo daquela capa da “guerreira” e da “super heroína”. E, aos poucos, a sua luz interior começou a diminuir, obscurecida pela sombra do cansaço e da exaustão.

No fervor da sua missão, ela perdeu-se de si, cada vez mais. Perdeu-se nas dores dos outros, nas lágrimas que enxugava, no alívio alheio que proporcionava. E no meio de tantas histórias, ela esqueceu-se da sua própria narrativa.

Mas a vida, sábia mestra, encontra sempre uma maneira de nos lembrar de quem somos. De forma que, um dia, no silêncio da noite, quando as estrelas pareciam sussurrar segredos, ela viu-se diante de um espelho. Um espelho que refletia não apenas a sua imagem exterior, mas também a sua alma cansada.

Ela está perdida num labirinto de dúvidas, incapaz de reconhecer os próprios passos. A sua angústia é palpável, mas (secretamente) ela sente que está isolada num mundo blindado, onde ninguém realmente a compreenderá. Ela ergueu muros ao redor da sua intimidade, do mero vislumbre de partilha, afastando todos aqueles que tentaram aproximar-se genuinamente ou “simplesmente” trocar.

Afinal, é aquela história: mostrar vulnerabilidade coloca-nos no mesmo barco, mas parece que esse barco ruma a uma ilha particular só para ela. As pessoas que vivem sempre prontas para salvar o mundo, no fim acabam mais isoladas do que os pólos magnéticos.

Com frequência, são implacáveis consigo mesmas e (às ocultas) também com os outros, é claro. Quando contrariadas, revelam ressentimento e um desejo de vendeta desproporcional. Ela, em permanente disfarce de Madre Teresa de Calcutá, vive a fantasia (e a ilusão) de que jamais pode enfrentar saudavelmente a sua tristeza, a raiva, e auto-compaixão.

Responda-me por favor: você costuma ter mais compaixão pelos outros do que por si mesma?

Já percebeu como situações extremas despertam tão facilmente a nossa compaixão e vontade de ajudar o próximo, mas como é difícil fazer uso destas mesmas habilidades para connosco mesmas?

Se a sua compaixão não o(a) inclui, ela não é verdadeira – é ‘expiação’ da culpa, é pantomineirice, é auto-punição, é co-dependência.

Há quem se dissolva, se dilua nas vontades alheias, temendo ser esquecido na encruzilhada do abandono. E há também aqueles que erguem muralhas desde o primeiro olhar, antevendo o desfecho trágico de qualquer laço íntimo. Em ambos os casos, o “Eu”, essa essência frágil e poderosa, fica à mercê, privado do toque genuíno da conexão humana, sacrificando-se um pouco mais a cada instante em busca de segurança.

Como é que este tipo de mulher pode ser ajudada? Em primeiro lugar, muita paciência e um trabalho incansável para desafiar as suas crenças rigidamente arraigadas. Muitos de nós conhecemos uma mulher assim, talvez até mesmo sejamos uma mulher assim, talvez tenhamos, inclusive, uma mãe assim.

Porém, um detalhe: as mães também morrem. Algumas querem arrastar os seus filhos para o túmulo e outras libertá-los para viver uma vida plena sem elas. É preciso entender qual dos dois tipos é a sua mãe (ou você mesma)…

Mas, óh almas-minhas-gentis-que-vos-partistes-ao-meio de  aflição e inquietude, mergulhem dentro de si mesmas para decifrar os mistérios dos seus desejos, das suas ânsias por respeito, espaço, vínculo e tudo o mais. Desvendem os enigmas do ser e ajam com convicção para nutrir tais necessidades, confiantes de que relacionamentos saudáveis, mesmo que pouco familiares ou “estranhos”, são possíveis. Você não precisa submeter-se a abusos, alimentar dinâmicas adoecidas, penar na co-dependência nem se refugiar-se na solidão. Seja a arquitecta audaz do seu próprio destino, tecendo as retas que serão suportes, não correntes, na sua jornada pela autenticidade.

Para se tornar a pessoa mais autêntica, mais real que você pode ser, precisará romper com aquela pessoa que você sempre foi. A condição inegociável para produzir uma mudança é a ruptura.

Sente-se dominada pelo medo de mudar ou pela necessidade de agradar a todos para ser aceita? Se for o caso, bem-vinda à estagnação.

Sente-se disposta a enfrentar o desconforto do desconhecido ou a ser duramente criticado por esta escolha? Tudo isso, em nome de uma mudança em que você acredita? Se for o caso, você terá uma hipótese maior de experimentar o novo (e o melhor).

A magia acontece quando enfrenta os seus medos. Como se relaciona com os seus medos? Ambiciona que se extingam antes de avançar? Interpreta-os como um sinal de “STOP”? Constituem um impedimento a fazer diferente?

Cara leitora, convido-a a ler o seu medo como uma emoção adaptativa face à possibilidade de mudança. É simplesmente um sensor que dá conta de que algo está em transformação. Sentir medo não é sinal de ausência de preparação ou de caminho errado. Quando quebramos uma rotina, instalamos um novo comportamento, desafiamos a nossa zona de conforto, logo, podemos contar com o medo. Mas é só aí que crescemos, nos fortalecemos e caminhamos para um lugar melhor.

É que, minha querida, já que existe dor na vida mesmo, considere escolher a dor da mudança e não a dor da estagnação ou do definhamento.

Lembre-se que frequentemente as escolhas são entre ficar na mesmice ou sair em busca de uma solução, por mais que você nem faça ideia por onde começar. Para isso, procure ajuda adequada, será um recurso super valioso.

Se é assim, porque não escolher entrar na incerteza e ir, aos poucos, reconstruindo-se?

  • Como vai ser a sua vida daqui a 1 ano se você escolher isso?
  • E se escolher ficar na mesmice, como vai ser daqui a um ano?

Noutras palavras, o stress ou o medo causados pelo esforço para conquistar o seu crescimento é muito menor do que o causado a longo prazo por uma vida acomodada, sem realizações e todas as suas consequências.

Resumindo ainda mais: ser acomodada e auto-negligente, no longo prazo, dá muito mais trabalho.

Decida sair da auto-negligência e conecte-se com a sua sabedoria e força internas. Surpreender-se-á com os resultados.

Que espectáculo incrível é observar os autoproclamados “fortes”, os heróis da resiliência, os audaciosos que se atrevem a arriscar. Enquanto isso, não podemos esquecer aqueles que habilmente se dedicam a “cuidar”, a abastecer ‘abnegadamente’ os outros, a suportar as suas misérias, a ensinar-lhes os caminhos da vida e a compartilhar o fardo das suas expectativas. Ah, como é glorioso testemunhar aqueles que se empenham em realizar os sonhos alheios, tornando a vida dos outros um pouquinho melhor enquanto que os seus próprios desejos ficam esquecidos à sombra da grandiosidade de outrem.

Embora mais “tentador” ou automático, relacionar-se consigo e com os outros neste registo pode desperdiçar imensa (e valiosa) energia física e emocional.

Aqui sugiro hoje três maneiras de interromper o ciclo da co-dependência emocional que a leva a “ter de” ser a “salvadora” agradadora compulsiva tóxica:

  1. Cuide de si mesma antes de ajudar os outros. Você não pode ajudar ninguém efectivamente (seja o seu chefe, amigo ou membro da família) se estiver uma pilha de nervos. Reserve tempo para as suas prioridades. Se você escolheu um caminho, não duvide de si mesma ou se desvie do curso pelas necessidades dos outros.
  2. Preste atenção em como você está a afectar as pessoas ao seu redor. A sua insistência em ser “perfeita” pode estar a afectar os seus relacionamentos. Por exemplo, se você está constantemente a pressionar-se para ter um desempenho excepcional, a sua equipa pode sentir-se culpada por não atender aos mesmos padrões.
  3. Desligue-se das suas responsabilidades de vez em quando. Nem sempre é uma coisa “má” ou “inútil” relaxar e não fazer nada. Na verdade, o auto-cuidado é uma etapa crucial para atingir os seus objectivos. Não deixe que o seu local de trabalho ou determinadas normas sócio-culturais o(a) levem a fazer sentir-se culpado(a) por não usar cada minuto do seu dia para fazer algo “produtivo”.

Entenda, a culpa não a impede necessariamente de fazer as coisas, mas pode desperdiçar uma quantidade de energia valiosa. Ela pode lentamente destruir a nossa auto-estima, tornando mais difícil perseguir objectivos ou seguir em frente após os contratempos. Se não for gerida, pode até resultar numa série de manifestações físicas, incluindo a ansiedade, depressão e insónia.

A culpa que sentimos por não sermos um(a) colaborador(a) perfeito ou um(a) amigo(a) perfeito ou qualquer coisa supostamente perfeita é parcialmente imposta pela sociedade, pela família fofa, mas a outra parte também é claramente auto-imposta. Como parece que, na maior parte do tempo, você é o seu próprio juiz (ou melhor dizendo, carrasco, algumas vezes…), a boa notícia é que você também pode libertar-se. Declare-se como réu inocente, pela sua própria honra e saúde!

A compaixão verdadeira sempre começa connosco mesmo(a)s. E se nos soubermos, de facto, acolher, aí sim, a compaixão torna-se apenas um transbordamento.

É certo que sentimos, ao longo de toda a nossa vida, uma grande necessidade de valorização pessoal. Enquanto crianças, o nosso narcisismo encontra-se extremamente dependente do olhar do outro, de um olhar que nos valorize, nos preencha e diga quem somos, mas à medida que vamos crescendo, a nossa auto-estima e auto-conceito vão-se afirmando na sua independência face ao mundo externo, necessitando cada vez menos da imagem que o outro nos devolve de nós mesmos.

Mas nem sempre assim é. Há quem viva constantemente carente do olhar do outro para se sentir gostado e, por isso, tente incessantemente corresponder ao que pensa que desejam de si. A sua auto-imagem vive sequestrada num grau de dependência demasiado elevado, capaz até de comprometer a integridade da sua identidade, pelo medo de deixar de ser gostado(a). Neste sentido, a pessoa não transporta dentro de si uma auto-imagem minimamente estável e valorizada, mas sim um reflexo distorcido e carente da apreciação do outro, na medida em que esse olhar externo nunca foi sentido como suficientemente consistente e seguro.

Mas não tem que ser necessariamente assim.

A psicoterapia tem a qualidade de poder aproximar, cada vez mais, a pessoa do seu verdadeiro “Eu”, restaurando, assim, o seu amor próprio. Como assim? Pode enviar-me mensagem com as suas questões ou dúvidas.

Ser forte não significa não querer (e poder) ser cuidada. Pode ser sedutor esse ideal de suposta “força”. É exigente esse ideal de suposta “força”. E por vezes é injusto os outros esquecerem-se que essa pessoa forte, é também pessoa. Nem sempre forte.

A determinado ponto, podemos ser nós mesmos que já não nos permitimos a acolher as nossas vulnerabilidades e a impor limites.

Porque há urgências e coisas importantes a acontecer. Porque é só hoje. Porque há que não ser fútil e “egoísta”. Porque ninguém conta com as nossas falhas, só com as nossas superações.

Num mundo onde constantemente somos solicitados por algo ou alguém, entramos num sufocamento pela demanda constante e perdendo-nos de vista. Percepcionamo-nos como Fortalezas, enquanto negligenciamos as nossas próprias necessidades.

Talvez mais problemático do que o mundo exigir tanto de nós seja o dilema de permitirmos que fiquemos para trás. Até ao dia em que desmoronamos. E isso acontece sempre. Mais cedo ou mais tarde. E, nesse momento, ninguém estará preparado para tamanha emergência médica e psicológica, afinal, quem se prepara para prestar socorro um(a) Herói(na)?

Independentemente da importância dos outros na sua vida, lembre-se de que uma pessoa em colapso não é capaz de salvar ninguém, e que os baldes vazios não têm nada para derramar.

É uma “loucura” como a vida se torna mais leve e pacífica quando uma pessoa percebe que não é sua responsabilidade substituir-se aos outros, regular as emoções de outras pessoas, administrar as suas inseguranças, amenizar as suas guerras internas, sanar as suas feridas, fazer o seu trabalho interior e ser a versão de si que elas têm nas suas mentes.

Sim, muitas pessoas vivem numa terrível pressão porque “devem” ou “têm de” se adaptar (unilateralmente) aos que os outros querem ou esperam de si e desgastam-se na maior parte do tempo por, basicamente, sentirem que não lhes resta outra opção senão dizer “sim” quando na verdade queriam dizer “não”.

O monstro do porão interno causador de tamanho sofrimento chama-se culpa e ela manifesta-se através de um sentimento de hiper-responsabilidade sobre os sentimentos e atitudes dos outros, por acharem que devem “salvá-los” mesmo que eles não peçam sequer ajuda ou mesmo a respeito de problemas que não são da sua responsabilidade.

Resultado? Os problemas que são, SIM, da própria responsabilidade ficam por resolver e o foco da atenção, da energia, do tempo ficam completamente â mercê das vidas dos outros mesmo ao ponto da auto-negligência (sem atenderem às questões da própria vida).

Não há qualquer nobreza em esquecer-se de si mesma para salvar o mundo, mas sim na coragem de reconhecer as suas próprias vulnerabilidades, limites e necessidades.

A vida é um equilíbrio e por mais nobre que seja cuidar, é essencial ser (permitir-se ser) cuidada.

Enfim, por fim, ela percebeu que não era egoísmo priorizar-se a si mesma, mas sim uma necessidade vital. Uma necessidade de nutrir a sua própria luz para continuar a iluminar o caminho dos outros. Ela começou, pois, a ajudar-se. A dar-se permissão para descansar, para cuidar de si mesma, para buscar a sua própria cura. E à medida que se permitia florescer, o seu brilho interno ressurgia com uma intensidade renovada.

E assim, com cada passo em direcção à sua própria jornada de auto-descoberta, ela tornava-se ainda mais inspiradora. Porque agora, além de ser um farol para os outros, ela também era um exemplo vivo de auto-amor e resiliência.

Ela finalmente percebeu que quando uma pessoa amadurece, toda a gente ganha essa inspiração; quando alguém cai sobre a própria dor, a humanidade ajoelha-se também…

No ardor de ajudar toda a gente, ela lembrou-se de se ajudar a si mesma. E nesse lembrete, encontrou a verdadeira essência da sua missão: ser uma chama de luz que guia, não apenas para os outros, mas também para si mesma, de dentro para fora.


Sara Ferreira

Email: apsicologasara@gmail.com

Site: www.apsicologasara.com

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