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Piedade Jardine: “O TikTok permitiu abrir portas, e corações, de uma forma que me ultrapassa”

Live Painting, ou Pintura ao Vivo, é uma forma de arte performática visual na qual são criadas uma ou mais obras de arte, em público, em direto ou in loco. Desafiada por uma amiga de infância que a convidou a pintar um casamento, Piedade Jardine, mais conhecida por La vie by Pi na rede social Tik Tok, começou a fazer Live Painting profissionalmente há três anos. Hoje, conta com “cerca de meia centena de eventos pintados em Portugal, mas também em países como Itália, Grécia e Suíça”, conta-nos.

No entanto, a arte é já uma velha amiga e nada disto teria acontecido se o professor Bernardo não tivesse cruzado o seu caminho no 11º ano.  Começou a pintar profissionalmente aos 17 anos, mas recorda-se da mãe lhe dar cadernos e lápis de cor para se entreter desde os  4 anos. Prova disso são os Diários Gráficos dessa altura, que ainda permanecem guardados com carinho. Durante o seu percurso escolar, apesar de desenhar em todas as oportunidades que tinha, optou por Ciências e Tecnologias no secundário. Embora não se tenha tornado uma química alimentar,  tirou a licenciatura em Design no IADE e, posteriormente, um mestrado em Marketing, Comunicação e Publicidade na Universidade Católica de Lisboa. Nunca deixando de lado a sua maior paixão. Atualmente, divide o seu tempo entre ser artista e um part-time como professora de expressão plástica.

À LuxWoman conta como tem sido conciliar ambos os trabalhos e revela mais detalhes desta paixão.

O Live Painting surgiu de que forma na sua vida?

Comecei a fazer Live Painting profissionalmente há três anos, quando uma amiga de infância me convidou a pintar um casamento. Desafiou-me: Pi, tu que estás sempre a desenhar, não gostavas de fazer o presente de casamento da minha prima? Só tens de aparecer, e fazer o que sabes melhor.” E assim foi: um casamento levou a outro, e três anos depois conto cerca de meia centena de eventos pintados em Portugal, mas também em países como Itália, Grécia e Suíça.

Créditos: Tomek Gola

Créditos: Tomek Gola

Durante um evento, como são decididos os momentos a captar? Isso é acordado antes com os clientes?

Ambos. O mais comum é darem total liberdade criativa, ou seja, ficar ao meu critério escolher os momentos a serem pintados (aqueles que mais me inspiram), pelo que o processo flui da minha inspiração e intuição no momento. Por vezes, recebo um briefing mais específico, e aí tenho de estar muito atenta em captar os momentos enumerados pelos clientes. Ambas as vertentes funcionam bem, porque os meus clientes contratam-me com base no meu portfólio. Por isso, ainda que cada evento seja único, e ainda que eu nunca faça duas pinturas iguais, há sempre uma preparação para ir ao encontro das intenções dos clientes..

Quantas pinturas podem ser feitas durante um evento?

Costumo adaptar os pacotes de Live Painting que ofereço, consoante o tipo de evento. Pacotes estes que variam nas horas de presença no evento e no número de pinturas resultantes. É muito distinto pintar um evento de networking de dois dias, ou um casamento em que estou presente 2h. Geralmente, quanto mais tempo estou presente num evento, maior o número de pinturas resultantes. Neste momento, costumo criar entre 6 a 15 pinturas a aguarela, por evento.

De todos os tipos de eventos, quais são os que mais gosta?

Os que ainda não fiz. (risos) A sorte do meu trabalho é a originalidade e novidade constante: não existem dois eventos iguais. Pelo que tanto gosto de pintar casamentos, cabendo-me a mim interpretar esse amor em forma de arte, criando uma recordação única do seu dia; como em fazer eventos corporate nos quais dou por mim em salas onde mentes brilhantes discutem temas relevantes da atualidade e eu tenho a sorte de ter a missão de captar a energia desses momentos, e os insights mais relevantes, e eternizá-los em aguarelas.

Por exemplo, em junho fui convidada para pintar a conferência anual da League of Leading Ladies, em Bad Ragaz, na Suíça, cujo tema era “Crescimento Pós Traumático”. No qual estive dois dias  rodeada das 200 mulheres mais relevantes no setor empresarial Suíço e mundial: desde CEOs e CFO´s a filósofas, desde youtubers de sucesso a activistas e autoras de livros  best-sellers, a discutirem o que é ser mulher no mundo em que vivemos, e como podemos, não só, superar os traumas que sofremos, mas como podemos crescer além deles. Foi inspirador, desafiante e uma grande aprendizagem. Gostei muito de o ter pintado.

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Além desta memória que acaba de partilhar, recorda mais algum trabalho com especial carinho?

Um dos Live Paintings que recordo com mais ternura foi um casamento de Outubro de 2022, que pintei na Covilhã. O noivo queria muito Live Painting no grande dia, então, a sua noiva contactou-me com o objetivo de oferecer o meu serviço ao seu futuro marido. No entanto, mal sabia ela que as suas madrinhas já se tinham adiantado, e tinham-me “reservado” com antecedência, como surpresa para os dois. Tive de fazer bluff,e de lhe dizer que já não tinha a data disponível, com muita pena minha. Após muita insistência, e o bluff impecável da minha parte, a noiva percorreu todos os artistas de Live Painting da Península Ibérica para tentar oferecer ao seu prometido o presente que este tanto queria. As madrinhas, anteciparam-se e enviaram mensagens aos artistas que a noiva contactava e explicavam-lhes a surpresa que tinham preparado, pedindo para estes não aceitarem o seu pedido. A noiva acabou por desistir tristemente, e arranjou outro presente para a sua cara metade. No dia do casamento, entrei muito discretamente e fui até ao altar para começar a pintar. Vejo as madrinhas, pisco-lhes o olho, e vejo a noiva, feliz e serena a tentar não se comover para não borrar a maquilhagem. Noto que ela estranhou uma figura feminina no altar, e, no segundo em que se apercebe que sou eu, e que iria de facto ter o seu dia de casamento ilustrado, comove-se e começa a chorar de alegria. No jantar, quando fui mostrar as pinturas que iam ficando prontas, diz-me: “A primeira vez que chorei no meu dia de casamento foi quando te vi, não queria acreditar! Obrigada por estares aqui.” Este momento ainda hoje me aquece o coração. É por histórias destas que adoro o que faço. Tenho a sorte de estar presente num dos dias mais importantes da vida dos meus clientes, e de fazer o que mais gosto: pintar momentos que ficam para sempre.

A arte sempre fez parte da sua vida? 

Sempre. Desde pequenina. Comecei a pintar profissionalmente aos 17 anos, mas desde que me lembro, que a minha mãe me dava cadernos e lápis de cor para eu me entreter, pelo que tenho Diários Gráficos de quando eu tinha 4 anos. 

No meu percurso escolar, desenhava em todas as oportunidades que tinha, mas segui Ciências e Tecnologias no secundário, por achar que a carreira na arte não era uma opção viável. Sempre me disseram que “não dá para viver da arte”. Hoje em dia, sei que isso não é verdade. O que me salvou de me tornar numa química alimentar, foi um professor de artes numa aula no 11º ano. Nessa aula, mostrou-nos uma caixa que continha todos os seus Diários Gráficos desde que tinha 18 anos. Na altura, este meu professor devia ter 35, por isso, imaginem: mais de 10 anos de memórias ilustradas, desenhadas, fotografadas, condensadas em cadernos de capa dura. Autênticas obras de arte, estendidas ao longo de páginas e páginas de evolução artística e de uma vida retratada visualmente. Foi nessa aula que decidi que também iria ter uma caixa assim, quando chegasse à idade dele. Hoje tenho 25, mas já conto com mais de 30 Diários Gráficos dentro da minha caixa. É a minha posse mais valiosa. Desde esse dia que trago sempre um caderninho comigo, para desenhar e eternizar os momentos do meu dia a dia. 

Créditos: Tomek Gola

Créditos: Tomek Gola

E na universidade, seguiu o caminho das artes?

Apesar de ter seguido Design no IADE como licenciatura e, posteriormente, um mestrado em Marketing, Comunicação e Publicidade na Universidade Católica de Lisboa, nunca parei de desenhar tudo o que me inspirava.  A minha  checklist antes de sair de casa é: chaves, telemóvel, carteira, Diário Gráfico, caneta e aguarelas. Comecei a ser abordada na rua, por pessoas que queriam que eu fizesse o mesmo que fazia no meu caderno, mas com as memórias delas.

Quando se deu a pandemia do COVID-19, ficámos todos em casa e decidi pôr esta minha paixão ao serviço de todos: dava aulas semanais ao Sábado de manhã, em lives do Instagram. Aulas estas que chegaram a ter quase uma centena de alunos, que me enviavam as suas criações e que enchiam o coração. Convidei muitos artistas a darem as aulas comigo, e a partilharem os seus dons com todos. Foram manhãs muito bonitas, em que uma comunidade se juntou pelo gosto pela arte. Após a pandemia, comecei a fazer Live Painting profissionalmente. Após quase um milhar de pinturas feitas a partir de fotografias, realizei que já não queria estar dentro de quatro paredes a pintar a partir de um ecrã. Queria estar no mundo! No momento! Apercebi-me que há tanta coisa que contribui para a vivacidade de uma pintura que retrata um momento: o ambiente, a luz, o som, os cheiros, a energia,…. Elementos estes que não se captam de um ecrã, mas que, estando presente no momento, consigo presenciar e interpretar através das linhas e da cor de forma a criar uma narrativa única, sempre diferente.

Com o nome La vie by Pi, é no Tik Tok que divulga o seu trabalho. Começou  a usar a plataforma com essa intenção?

Comecei a usar o Tik Tok na pandemia, apenas como espectadora. Via as trends, e tentava  replicar as que eu achava mais graça. Isto numa conta pessoal, privada e com apenas os meus amigos. Depois, comecei a partilhar alguns conteúdos na minha conta pública do TikTok, @laviebypi, por terem mais “seguimento” que os stories do Instagram. Publicava algum conteúdo de arte, algum conteúdo de lifestyle, com o objetivo de criar um portfólio em formato de vídeos curtos. Sem grandes expectativas. Só por diversão. Isto mudou quando comecei a dar aulas de Expressão Plástica no 1º Ciclo, em setembro do ano passado.

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O que mudou?

Como Gen Z que sou, comecei a filmar-me a mim própria a dar aulas. Não ainda com o intuito de partilhar esses vídeos, mas sim para rever e avaliar o meu próprio desempenho como nova professora, no final do dia. A certa altura, dei conta que os meus alunos diziam e faziam coisas muito engraçadas, e que os vídeos me ajudavam a dar perspectiva à minha própria percepção das aulas. Dava por mim a rir à gargalhada com coisas tão banais como as que aconteciam na minha aula.

Resolvi partilhar o meu primeiro vídeo a dar uma aula, e desde aí começou um “boom” de visualizações, comentários e partilhas. Não era só eu que achava graça à perspicácia e pureza dos meus alunos, mas também milhares de outras pessoas. Isto acabou por promover não só o meu trabalho como artista, mas também promoveu esta noção de que os professores também podem ser pessoas novas, genuínas, empáticas, divertidas e “digitalmente hábeis”. Comecei a ter muito feedback positivo, de todo o lado: de outros jovens professores e de estudantes de educação, que diziam que se sentiam compreendidos e que os meus vídeos eram lufadas de ar fresco, especialmente com tudo o que viam nas notícias do estado desta profissão tão nobre mas tão pouco valorizada no nosso país; de pais dos meus alunos que, pela primeira vez, tinham acesso a um “cheirinho” do que se passa dentro das salas de aula dos seus pequeninos; da direção do colégio onde trabalho, que sempre me apoiou na divulgação desta missão de educar através da arte; até de pessoas na rua, que me vinham agradecer o meu trabalho como professora e como divulgadora da importância desta profissão, alguns dizem que agora dão muito mais valor aos professores dos seus filhos. O TikTok permitiu abrir portas, e corações, de uma forma que me ultrapassa. Se há um ano me dissessem que no futuro iria ser abordada na rua por ser “aquela professora do TikTok”, rir-me-ia de tal coisa. E, no entanto, aconteceu.

Como concilia ambos os trabalhos, de artista e professora?

Não é fácil conciliar ser artista e professora. Principalmente porque ambos estes trabalhos são trabalhos de paixão. Neste momento, sou professora part-time, mas é algo que não estava de todo nos meus planos… O ano 2023 ia ser o “ano da pintura”, para mim. Finalmente tinha  acabado o ensino obrigatório, a licenciatura, a tese de mestrado, o estágio profissional e iria este ano dedicar-me totalmente à arte. Iria estar a fazer Live Painting e a ter aulas de pintura pela primeira vez na minha vida (tudo o que sei é baseado em aulas extra-curriculares de artes que tive no secundário, e o resto é autodidático) então estava muito entusiasmada por finalmente me ir focar na minha paixão, desenhar e pintar..

Inesperadamente este ano tornou-se também o ano em que comecei a dar aulas. Ligaram-me de um colégio, a convidarem-me para os visitar, porque estavam à procura de um professor de Expressão Plástica. Não era o primeiro convite para dar aulas, e, como já tinha feito, expliquei que não estava interessada, até porque este iria ser o meu ano da pintura. Ao contrário dos outros lugares que me ligaram, aqui responderam que apenas visitasse o colégio sem qualquer compromisso, apenas para lhes dar uma resposta mais informada. Assim fiz, fui visitar o colégio e, até ao dia de hoje, não saí. Isto deve-se ao facto de retirar da minha profissão como professora, quase o mesmo gosto que retiro da profissão como artista. Não é nada fácil de conciliar, acho que nunca tive um ano tão cansativo como este e, muitas vezes, só queria que o tempo parasse para poder pintar tudo o que gostaria, implementar tudo o que gostaria nas minhas aulas, e descansar. Muitas “dores de crescimento”, mas se vale a pena? Oh, se vale. Todo o meu esforço e energia são dedicados à minha missão, e isso é tudo o que posso desejar nesta fase da minha vida e carreira.

Estou também em simultâneo a lançar uma coleção de jóias com uma marca portuguesa, saí de casa, estou a começar a estudar cromoterapia, herbalismo e a treinar aerial silks. Estou a explorar tudo a que me sinto chamada, de modo a definir-me como artista e como pessoa. Dizem que vai ficando mais fácil, com o tempo. Gosto de acreditar que sim.

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