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Redes sociais: ‘Filtro meu, filtro meu, há alguém mais belo do que eu?’

As redes sociais fazem parte do nosso dia-a-dia e, em muitos casos, ajudam a eliminar distâncias e barreiras que antes eram mais difíceis de transpor. A conexão é muito importante e uma necessidade básica universal: todos precisamos de nos sentir vistos, sentir que pertencemos, sentir que somos apreciados, reconhecidos e importantes para alguém. Não são raras as vezes que ouço jovens verbalizar “sou mesmo importante” [depois de perceber que tem centenas ou milhares de visualizações e/ou reações a publicações (fotografia ou vídeo) nas redes sociais]. Então, se a conexão é uma necessidade básica e eu [acho que, sinto que] encontro isso nas redes sociais, quer dizer que isso é bom? Não necessariamente. O uso de redes sociais para satisfazer uma necessidade básica pode ser negativo? Pode, e tende a ser quando não é utilizado devidamente, de forma consciente e responsável, e quando é utilizado exclusivamente ou preferencialmente como fonte de conexão. Desde que as redes sociais surgiram nas nossas vidas que nunca estivemos tão (des)conectados.

A era das selfies, dos filtros e dos gostos envolve-nos a todos, independentemente da idade. Desengane-se quem acredita que o desafio no que toca ao bem-estar digital apenas o será para os nativos digitais. Todavia, os mais jovens carecem de maior preocupação se considerarmos que estão mais vulneráveis pela imaturidade neurológica – um cérebro maduro, com as funções executivas plenamente desenvolvidas, só acontece depois dos 20 anos de idade – e pela imaturidade socioafetiva, com personalidade ainda em desenvolvimento. Todos estamos expostos aos Padrões Negros (perigos escondidos no algoritmo, no autoplay, no scroll infinito ou nos likes), mas, à partida, os mais jovens terão menos recursos emocionais para gerir os malefícios inerentes: necessidade de uma recompensa imediata por tudo; sentimento de popularidade; a “urgência” aparente de tudo; o medo de perder alguma coisa ou de ficar de fora (FOMO – Fear of Missing Out); comportamento aditivo (vício). Quanto mais tempo passam nas redes sociais, maior o risco, mais suscetíveis ficam a sentir mal-estar e mais em cheque estará a saúde mental.

Estudos nacionais e internacionais corroboram que o perfil de dependência de redes sociais é muito mais feminino do que masculino e que os/as jovens que utilizam excessivamente as redes sociais tornam-se mais isolados/as, evidenciam mais lacunas ao nível das competências socioemocionais, revelam uma autoestima mais baixa e muitas vezes repercussões negativas no seu rendimento académico. O uso excessivo de redes sociais também tem sido correlacionado com níveis mais elevados de funcionamento depressivo e ansioso e, em muitos casos, alterações no comportamento alimentar (seja pela preferência pelo chamado finger food – que permite comer com uma mão de modo a libertar a outra para mexer no telemóvel, alimentação esta que tendencialmente será menos variada e menos saudável –, seja motivado pela relação distorcida com o próprio corpo).

Ora, se é certo que, no caso das mulheres, a pressão quanto à imagem sempre foi uma questão, mesmo antes da proliferação de todas estas plataformas digitais porque sempre houve a tendência para nos compararmos com quem está ao nosso lado na sala de aula, no autocarro, no ginásio,… agora, essa pressão amplifica-se porque eu comparo-me com o mundo todo a toda hora. No caso das adolescentes, que, como se tem comprovado através de vários estudos, passam cada vez mais horas nas redes sociais, há uma tendência de insatisfação constante. A procura de validação, seja através do número de gostos ou de comentários, bem como todas comparações, podem ter um efeito muito negativo. O foco excessivo na imagem e a manipulação digital de fotografias, verdadeiras cirurgias digitais procurando com retoque aqui, filtros ali, nada menos que a perfeição – , apesar de não representarem a vida real, porque o corpo perfeito, a cara perfeita, a pele perfeita, o cabelo perfeito, não existem -, vão pressionando a forma como elas se relacionam com a sua aparência e consigo próprias. Tudo isto acaba por alimentar a dificuldade em lidar com a realidade.

Existem inclusive indicadores que mostram que, antes de uma adolescente publicar a ‘selfie perfeita’, chega a tirar mais de 9 fotografias. Já os filtros permitem que cada vez mais jovens mulheres invistam tempo e energia a mudar ou esconder pelo menos uma parte do corpo antes de publicar uma fotografia. Temos de ter em conta que utilizar fotos manipuladas digitalmente pode estimular a criatividade, pois abre a porta a formas de auto-expressão que podem ser estimulantes, mas também traz padrões de beleza irrealistas. Já para não falar no processo natural e evolutivo de envelhecimento, que encerra em si imensos desafios psicológicos, físicos, familiares, e também aqui o uso indevido das redes sociais pode condicionar a aceitação de um processo natural.

Quando pensamos no que implica tudo isto na saúde mental, impera a reflexão de que as redes sociais não nos mostram quem não somos, mas antes o que nos faz falta! Ao abrir uma aplicação de uma rede social no telemóvel, sou imediatamente inundada, num scroll infinito, com imagens ou sons intensamente emocionais que revelam experiências de vida e conquistas incríveis. Qual a mensagem inconsciente que fica e que rapidamente é reforçada e validada quanto mais faço scroll? A vida dos outros (do mundo inteiro) é muito mais interessante do que a minha, são muito mais bonitas do que eu, são muito mais bem-sucedidas do que eu, são muito mais felizes do que eu, têm uma família mais perfeita do que a minha, são muito mais disciplinadas do que eu… Começa a prevalecer a tendência entre os jovens de experienciar as suas vivências com quase exclusivo propósito de o partilhar enquanto conteúdo (“o que é que eu hoje vou fazer para partilhar?”) em vez de aproveitar o momento na sua plenitude e depois ponderar se o vai/deve partilhar. Este viver de e no mundo da rede social dificulta processos experienciais e reais de autodescoberta e do autoconhecimento, em que os jovens tendem a não investir na construção experiencial da sua identidade, mas sim na edificação de um “eu” que os outros, o mundo inteiro da minha rede social, influenciada por padrões negros (raramente conscientes) me “diz” que devo ser.

Com isto, não estou a dizer que as redes sociais são nocivas per si, mas, quando utilizadas de forma excessiva e desajustada, são porque abrem espaço à comparação; à monitorização à distância da vida de outras pessoas, por exemplo, colegas, amigos, ex-namorados/as; aos conflitos ou para dizer o que penso, sem pensar no impacto que tem no outro; ao cyberbullying ou críticas e comentários negativos/depreciativos de outros, que se traduz num espaço para humilhar ou ser humilhado; para me autoafirmar recorrendo a perfis virtuais e eventualmente fictícios; à exposição da minha vida pessoal; ao isolamento social; à busca desenfreada pela perfeição; ao sedentarismo; à distorção da realidade; à relação distorcida com o meu corpo e aos possíveis distúrbios alimentares associados e à dificuldade na gestão de emoções mais desagradáveis como raiva, inveja, ciúme, tristeza, frustração.

A ideia de que os outros são perfeitos, são felizes, têm vidas incríveis e só experienciam emoções positivas é uma ideia que muitas vezes é alimentada pelas redes sociais, mas é errada e perigosa. Todas as emoções fazem parte e desempenham um papel muito importante dentro da nossa vida. A tristeza e a raiva, por exemplo, têm o seu papel. Fugir destas emoções e fingir que não estão lá condiciona muito tanto a saúde mental como a própria felicidade.  Não nos podemos esquecer que, em última análise, a felicidade é, não só conseguir celebrar as emoções positivas e expressá-las convictamente e sem medo, mas também integrar e aprender a gerir as mais desagradáveis. Felicidade, bem-estar e saúde mental são caminhos norteados pelo autoconhecimento, pelo amor próprio, pela autocompaixão, pela autoestima, pela gratidão, pelo reconhecimento, pelo sentido de propósito/missão, pela realização, pelas relações positivas comigo e com o outro, pela mente de crescimento em que o outro me inspira, não me ameaça.

O que fazer?

  • Procurar conexão com vidas e pessoas reais, através de uma participação ativa na comunidade envolvente (associativismo, voluntariado, desporto) e sermos dentro de nossas casas promotores de vidas offline, com maior investimento atividades em família sem redes sociais;
  • Diálogo aberto e desde muito cedo (não apenas na adolescência ou quando recebem o primeiro telemóvel) entre pais e filhos (sem crítica ou julgamento);
  • Vigilância e supervisão parental;
  • Estimular o desenvolvimento e domínio hábil de competências socioemocionais como pensamento crítico, autorregulação, resiliência, gestão emocional, consciência social, autoconhecimento, empatia;
  • Procurar ajuda de um/a profissional de psicologia (tanto numa lógica preventiva como remediativa).


Artigo de Opinião de Cláudia Adão

Diretora da Clínica Integral 

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