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Rita Durão: “Hoje em dia, pensando nos jovens e nas áreas artísticas ou não artísticas, acho que é muito difícil”

Diz em tom de brincadeira que foi “raptada” para o mundo da representação enquanto frequentava o liceu. Foi no projeto “Quarto Período – O do Prazer”, criado por António Fonseca, que começou a fazer teatro e a olhar para este de uma forma mais séria. Passados muitos anos, aos 48, conta com uma carreira vasta no mundo da representação, sendo uma cara familiar do público português. Dividindo-se entre o teatro e o cinema, em 2023, ganhou o Globo de Ouro de Melhor Atriz de Teatro com a participação na peça “Pentesileia”, encenada por António Pires. Apaixonada pela sua profissão, Rita Durão partilhou com a LuxWoman como é ser atriz em Portugal, que projetos tem em mãos e quais os últimos em que participou.

Créditos

Tea on Mars Productions

Fotografia + Direção criativa Pedro Hasrouny

Produção Malu Lins

Styling Bladimir Frol

Cabelo e Make-up Mariana Gouvêa

Agradecimentos Radisson Blu Hotel , Hit Management  e Pimenta Palace

Quando é que começou o gosto pela representação? 

O gosto pela representação começou cedo, na escola. No 9º ano, tive a hipótese de escolher teatro e tive um professor, que também era ator e uma cara conhecida na área, o António Fonseca, que, nesse ano, após ter estado com a nossa turma, que estava muito empenhada e divertida a experimentar a opção de teatro, decidiu criar um grupo de teatro na escola. E esse grupo continuou, após o terceiro período. Portanto, teve um nome de “Quarto Período – O do Prazer”. A partir daí, começámos a fazer, todos os anos, uma peça de teatro. Isto foi na escola secundária Camilo Castelo Branco, em Carnaxide, e iam muitas pessoas ver os nossos espetáculos, nomeadamente atores e pessoas que tinham companhias de teatro. Acabei por ficar cada vez mais envolvida, ao ponto que, a determinada altura, fomos convidados pelo Teatro da Cornucópia a apresentarmos uma peça ao final da tarde. E, portanto, o nosso grupo saiu de sociedade filarmónica e foi para um teatro em Lisboa. Nessa altura fizemos um texto chamado “Dia de Marte”, de Edward Bond, e eu senti que, de alguma forma, a representação já estava a ocupar, sem que eu desse conta, um espaço e uma importância grande na minha vida. Foi aí que percebi que, provavelmente, queria experimentar ser atriz e estudar e trabalhar para isso. Portanto, fui ‘raptada’, digamos, na escola para esta área. (risos).

Depois do ensino secundário, a Rita deu continuidade aos estudos na área da representação?

Tive uma fase de dúvidas, própria dessa altura da vida. Apesar de apreciarem imenso o meu gosto pelo teatro, os meus pais gostariam que eu fizesse um outro curso primeiro e que só depois fosse para o conservatório. Entretanto, por várias razões, acabei por fazer um pouco a vontade deles e concorri à universidade. Porém, o destino, não sei como, trabalhou e eu, admito, também não me esforcei assim tanto (risos), no primeiro ano em que concorri para outros cursos não entrei na universidade pública. Nesse ano, eu também já tinha trabalho profissional e, confesso, adorei não ter entrado. No ano seguinte, sei que os meus pais perceberam, claramente, que eu queria mesmo era concorrer ao conservatório, à Escola Superior de Teatro e Cinema, e concorri no último ano em que a escola esteve no Bairro Alto, na Rua dos Caetanos.  Acabei por não finalizar a licenciatura em teatro, mas, noutras alturas da vida, fui estudar temas relacionados. Tirei uma pós-graduação e mestrado em Educação Artística, porque, a partir de uma determinada altura, comecei a interessar-me muito por dar aulas de teatro.

No seu percurso, sentiu-se apoiada pela sua família, tendo em conta a preocupação dos seus pais em tirar outro curso?

Na altura dos meus pais, talvez houvesse uma certa relutância. Os meus pais falavam muito comigo e diziam-me “Eu tenho a sensação que vais ter momentos muitos difíceis em que podes não ter trabalho e é uma vida muito dura e muito instável e isso, depois, pode ser duro para ti”. O meu pai, no fundo, e a minha mãe estavam, de alguma forma, a prevenir-me e a tentar proteger-me para eu ter uma espécie de plano B que, no fundo, eles queriam que passasse a plano A. Mas, nós também sabemos que a vida às vezes não é bem assim e, de facto, não foi assim.

Ainda se olha para as áreas artísticas dessa forma? 

Hoje em dia, pensando nos jovens e nas áreas artísticas ou não artísticas, acho que é muito difícil. Já era, na minha altura, um pouco difícil. Por exemplo, eu tenho 48 anos e continuo, muitas vezes, a não ter contrato de trabalho, contínuo a recibos verdes. Acho que isso traz uma instabilidade, além de ser muito difícil. Temos fases nas nossas vidas em que conseguimos lidar com isso com alguma tranquilidade, aceitar que é assim, e temos outras em que temos mais dificuldades porque ficamos assustados, também, com a conjuntura política e social à nossa volta, que cria muitas dificuldades quer aos mais novos, quer a pessoas que já não são assim tão novas e que já tem alguns anos de profissão, mas que parece que continuam exatamente no mesmo sítio. Portanto, são tempos muito difíceis. A nível de segurança no trabalho e de defesa dos direitos e dos deveres dos trabalhadores parece que se podia ter feito mais, julgo eu. De forma, a que as pessoas estivessem mais tranquilas e mais disponíveis para os embates que a vida tem.

Existem menos oportunidades hoje? 

Não sei se há menos oportunidades ou não. Acho que hoje em dia temos mais consciência de tudo o que se passa. A informação circula bastante. Se calhar, há uns anos atrás, podiam até existir menos pessoas interessadas na área artística. Não tenho a certeza, acho que até éramos muitos. Hoje em dia, nós temos uma ligação, muito diferente, a tudo o que são números. Acho que isso acabou por ser estimulado. Por um lado, porque há uma partilha enorme de informação, o que é ótimo, mas, por outro lado, por vezes a informação em excesso coincidindo com alguns momentos da nossa vida em que temos de tomar decisões se calhar também nos deixa numa angústia profunda ou pode deixar os mais novos com questões como: “por que caminho é que eu sigo”, “por onde é que vou”, “fico cá ou vou para fora”. Hoje em dia, também há outro aspeto bom com as tecnologias e a partilha de informação, é que eu também posso fazer uma selftape aqui e mandá-la para outro sítio qualquer. Há sempre os prós e os contras. O mais importante, é escutarmos sempre a nossa voz interior, a nossa consciência, o nosso desejo. Falarmos com as pessoas que nos são próximas e que nos conhecem, de modo a tomar decisões.

Créditos

Tea on Mars Productions

Fotografia + Direção criativa Pedro Hasrouny

Produção Malu Lins

Styling Bladimir Frol

Cabelo e Make-up Mariana Gouvêa

Agradecimentos Radisson Blu Hotel , Hit Management  e Pimenta Palace

E o cinema, como entra em cena?

O cinema pregou-me uma grande partida. Eu estava a trabalhar e estava a fazer um espetáculo do João Perrie (ou tinha terminado de fazer) no Teatro da Trindade, numa produção do Teatro Nacional, e o José Fonseca e Costa convidou-me para um filme, “Cinco Dias, Cinco Noites”, que viria a ser o meu primeiro. Esse filme coincide na altura em que eu entro na escola. Portanto, passado pouco tempo de eu entrar no conservatório, eu já estava a faltar às aulas para ter que ir a ensaios. Já tinha experimentado o teatro e agora tinha que ir experimentar fazer cinema. E, claro, isso criou uma dinâmica mais complicada com a escola e eu acabei por congelar a matrícula para tentar voltar no ano seguinte. Porém, apesar de querer terminar a minha licenciatura no conservatório, as outras propostas que tinha eram irresistíveis e, portanto, acabei por seguir mais pela via prática. Sentia que provavelmente iria para uma escola, não por ser aquela, de alguma forma, talvez, não tão disponível porque estava muito deslumbrada e muito interessada em mergulhar no lado prático do que é construir uma peça… E, acho, que isso vai muito do prazer que eu e outros amigos e colegas tivemos na escola. Foi também uma espécie, digamos, quase de escola técnico profissional que eu apanhei em tenra idade, que, depois, me foi conduzindo sem eu dar conta.

No ano passado ganhou o Globo de Melhor Atriz de Teatro. O que significou para si esse reconhecimento?

Fiquei super alegre. Eu já tinha sido nomeada, mas ser nomeada na categoria de teatro e ganhar nessa categoria, para mim, teve um gosto super especial. Além disso, não posso deixar de mencionar a equipa do Teatro do Bairro, que me é muito querida. De facto, o teatro só é possível porque há uma série de gente que está a trabalhar, sejam as pessoas que aparecem, que pisam o palco, sejam as pessoas que não o pisam mas que fazem tanto. É incrível a quantidade de pessoas que trabalham por detrás daquilo que se vê.

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Fotografia + Direção criativa Pedro Hasrouny

Produção Malu Lins

Styling Bladimir Frol

Cabelo e Make-up Mariana Gouvêa

Agradecimentos Radisson Blu Hotel , Hit Management  e Pimenta Palace

Ao longo da sua carreira, houve alguma peça que a tenha marcado especialmente?

Imensas peças me marcaram. Penso, até, que seria injusto estar a referir-me mais uma ou outra. É mesmo difícil. No entanto, eu sei que a “Pentesileia”, peça com a qual ganhei o Globo de Ouro, é uma das que fica como uma peça muito, muito, especial. Mas eu estava a ensaiar esta peça e já estava a fazer um espetáculo à noite nos Artistas Unidos, o “Proximidade”, que também foi outro super especial.

Quando tem mais do que uma peça ao mesmo tempo, como é que faz para transitar de personagem em personagem?

Acho que isso é uma coisa que se vai trabalhando ao longo do tempo. É um músculo que se trabalha e, é quase, como se soubéssemos que “agora vou para o ensaio disto e agora vou preparar-me para o espetáculo daquilo”. E, até, a caminhada, dando o exemplo destas peças que mencionei, que fazia entre o Príncipe Real e o Teatro do Bairro Alto serviam para mudar o chip. Acho que deve ser um bocadinho como os médicos quando têm de operar diferentes coisas.

No teatro, ao contrário do cinema, não dá para cortar e voltar a gravar uma cena. O que se faz quando se erra?

É uma sensação horrível, primeiro. Eu recordo-me de uma “branca” em que fui super teimosa. Estava a fazer um espetáculo, a “Gaivota”, e estava em cena com o meu amigo e colega Ricardo Aibéo. Aquilo era uma conversa entre os dois, num banco de jardim, e eu de repente percebi que tinha de lhe responder mas não me lembrava de tudo. Mas, depois, pensei assim “eu tenho de ter calma, tenho de tentar me lembrar do que tenho para dizer”, porque só me estava a lembrar do texto muito mais para a frente. E sabia que havia um pedaço de texto que era muito importante e eu não queria passar por cima daquilo. Então tive ali um bocado em silêncio, ele também, até me conseguir lembrar. Mas foi um horror.

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A Rita tem algum ritual antes de entrar em palco?

Não, não há assim nada. Porém, gosto de estar com os meus colegas e as pessoas com quem estou a fazer o espetáculo. Além disso, gosto de descobrir se há uma hora em que consigo estar um bocadinho mais sozinha ou ir para um determinado sítio para me concentrar ou ficar com a cabeça vazia. Há uma rotina que eu gosto que seja, mais ou menos, seguida a cada espetáculo. Por exemplo, eu descubro a hora a que tenho de comer a cada espetáculo e depois já não gosto de comer fora dessa hora. Porque, se não, eu acho que já não vou fazer bem a digestão. E, depois, a partir daqui é tudo (risos).

Voltando ao cinema, “Mãos no Fogo” de Margarida Gil esteve nomeado na secção paralela Encounters do Festival de Berlim. Como foi participar neste projeto?

Esta foi a primeira vez que tive a oportunidade de trabalhar com a Margarida Gil. Este filme foi feito o ano passado e em tempo, digamos, recorde apareceu terminado, montado e pronto para seguir para os festivais. E, mais uma vez, eu também acho que isto aconteceu desta forma porque todas as pessoas envolvidas, entraram muito no filme. Volta a repetir-se aquela espécie de padrão, em que aquele grupo, e não são só as pessoas que aparecem, estavam bastante envolvidas e numa sintonia muito grande. A Margarida, também, pegou num livro de Henry James e fez uma livre adaptação e acho que foi muito bem conseguido e rapidamente conseguimos entrar no ambiente do filme. Eu faço de uma precetora de duas crianças, numa casa com um certo peso em que existem mais pessoas.

No filme “O Teu Rosto Será o Último”, de Luís Filipe Rocha, passou por uma grande transformação. Como é que reagiu?

Este foi, de facto, um projeto muito querido para mim e um projeto com várias vertentes audaciosas. Não só pelos temas do filme, mas também pelo facto de eu ter tido de rapar o cabelo todo. Foi uma decisão que foi ponderada, mas que eu percebi, assim que li o argumento, porque é que isso tinha de acontecer, percebi a necessidade de o fazer e assumi que o ia fazer. E, nesse aspeto, o Luís também foi muito solidário comigo. Eu pedi para que a reunião fosse em minha casa para que os meus filhos, que eram pequeninos, também pudessem ouvir falar do assunto e para que não fosse um grande choque quando me vissem.

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Fotografia + Direção criativa Pedro Hasrouny

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Cabelo e Make-up Mariana Gouvêa

Agradecimentos Radisson Blu Hotel , Hit Management  e Pimenta Palace

Estas mudanças são algo que faz de ânimo leve?

Quando me faz sentido, eu não tenho problema nenhum em fazer uma mudança. Porém, quando não vejo o sentido tento refletir sobre para perceber. Mas, a verdade, é que às vezes pensamos que certas coisas podem ajudar, mas que, às tantas, não são necessárias.

Que projetos tem em mãos?

Neste momento, tenho um filme que iniciei o ano passado da Catarina Ruivo, que será terminado ao longo deste ano. E comecei a trabalhar agora, em março, com o João Botelho para outro filme. Da associação cultural e artística a que eu pertenço, a SOUL, estamos a construir um projeto de teatro com textos de Almada Negreiros.

 

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