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Sabia que existem diferentes tipos de cancro da mama? Uma médica explica

Outubro é o mês de sensibilização para o cancro da mama e, nesse sentido, a Associação Careca Power, a Associação EVITA, a Sociedade Portuguesa de Senologia e a AstraZeneca uniram-se para lançar a campanha “Cancro da Mama. O meu é diferente do Teu”.

A verdade é que nem todas as mulheres gostam dos mesmos estilos musicais, nem apreciam o mesmo tipo de exercício físico. Nem todas se vestem da mesma forma ou partilham os mesmos interesses. Então, se são todas diferentes, porque haverá o cancro da mama de ser igual para todas? Este é o ponto de partida desta campanha que tem como objetivo de aumentar a literacia de doentes e população em geral para o facto de existirem vários subtipos deste tumor, que ditam o prognóstico e tratamento de cada doente.

Cláudia Vieira, assistente hospitalar graduada em Oncologia Médica, no Instituto Português de Oncologia Porto Francisco Gentil, explicou-nos os diferentes tipos de cancro da mama e os tratamentos adequados. 

Assistente Hospitalar Graduada de Oncologia Médica, no Instituto Português de Oncologia Porto Francisco Gentil. Programa Doutoral de Medicina e Oncologia Molecular da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto. Docente do Mestrado em Oncologia do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS).

Cláudia Vieira – Assistente Hospitalar Graduada de Oncologia Médica, no Instituto Português de Oncologia Porto Francisco Gentil. Programa Doutoral de Medicina e Oncologia Molecular da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto. Docente do Mestrado em Oncologia do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS).

Quantos tipos de Cancro da Mama é que existem?

Esta pergunta pode ter várias respostas. Para simplificar podemos dizer que na observação ao microscópio ótico pelo Médico de Anatomopatologia, o carcinoma invasor (maligno) pode dividir-se no tipo ductal (o mais comum, representando 85% dos tumores da mama) e o tumor lobular (que representa 5-15% do total). Os restantes subtipos são mais raros. Contudo, quando fazemos estudos de caracterização molecular e genética destes tumores da mama podemos encontrar subtipos distintos de carcinomas, com comportamentos biológicos distintos. Na prática clínica não fazemos a caracterização molecular de todos os tumores, mas existe uma correlação entre características morfológicas e imunohistoquímicas (por exemplo utilizando técnicas de coloração que evidenciam alvos presentes nas células malignas) e o subtipo molecular do tumor, o que permite uma caracterização com interesse preditivo (definição do melhor tratamento) e prognóstico (hipótese de sucesso).

Quais são as diferenças?

O cancro de mama é uma doença complexa, com elevada heterogeneidade clínica, morfológica e biológica, pelo que devemos analisar caso a caso. Essas diferenças podem ser, em parte, justificadas pela existência de diversos subtipos moleculares do carcinoma de mama, a exigir terapêutica específica.

  • Tumores luminais são os tipos de tumores mais comuns, sendo caracterizados pela expressão de recetores hormonais para estrogénios e progesterona. Os chamados tumores luminal A like são bem diferenciados, com elevada expressão de recetores hormonais e boa resposta à terapêutica hormonal. Os tumores luminal B like são mais proliferativos, muitas vezes com expressão baixa de marcadores hormonais (por vezes até com negatividade do recetor de progesterona), podendo ser ainda sub-classificados consoante a expressão membranar do recetor HER2 em luminal B like HER2-positivo ou negativo.
  • Tumores HER2 positivo são os tumores sem expressão de receptores hormonais (portanto, não pertencentes ao tipo luminal, anteriormente referido), com positividade do recetor HER2. Cerca de 25-30% dos tumores são HER2 positivos e podem ser tratados com fármacos dirigidos a este alvo, o mais antigo e conhecido é o trastuzumab.
  • Tumores triplos negativos (basal like) apresentam elevada proliferação e crescimento rápido, sendo frequentemente detetados como uma massa palpável no intervalo entre rastreios. O fato de não apresentarem expressão membranar de recetores hormonais ou do HER2 faz com que o número de fármacos disponíveis seja menor e baseado na quimioterapia “clássica”. A metastização (aparecimento de focos tumorais noutros órgãos, por vezes longe da mama e gânglios da axila doentes) é mais precoce que nos luminais (nos primeiros 5 anos). Contudo existem variantes raras de tumores triplo negativos de melhor prognóstico relativo.

E os sintomas? Também são diferentes?

Habitualmente estes tumores são diagnosticados em mulheres assintomáticas em campanhas de rastreio. Desde 1986, o Rastreio de Cancro da Mama, promovido pela Liga Portuguesa Contra o Cancro (em associação com as respetivas Administrações Regionais de Saúde) tem permitido detetar centenas de cancros em fase inicial e, consequentemente, curáveis ou controláveis. Habitualmente as Unidades Móveis de Rastreio deslocam-se de 2 em 2 anos a cada concelho (embora também existam Unidades Fixas) e são enviadas cartas-convites às mulheres em idade rastreável (50-69 anos) inscritas nos Centros de Saúde, para realizar uma mamografia gratuita.

A mamografia habitualmente tem um sistema de classificação designado de BIRADS (acrônimo formado pelas primeiras letras do termo, em inglês, Breast Imaging Reporting and Data System), esta classificação estima a hipótese de uma lesão visualizada em exames de mama ser um cancro de mama, varia de 0-6 e não deve ser confundida com o grau histológico ou o estádio (ver abaixo).

As mulheres deverão fazer o autoexame mamário: uma vez por mês, nas mulheres na menopausa, e após a menstruação, nas mulheres em idade fértil. É muito importante conhecer bem as características das mamas e identificar alterações (algumas serão características da fase do ciclo menstrual e também há mudanças ao longo da vida da mulher). A mulher deverá procurar ajuda médica, em caso de sintomas/ sinais suspeitos, como por exemplo: Nódulo dominante, de aparecimento recente (sobretudo se idade inferior a 30 anos); Modificação das características de nódulo existente; Empastamento que persiste após o período menstrual; Abcesso mamário; Cisto mamário dominante ou isolado recorrente após aspiração; Dor associada a nódulo; Dor intratável que não responde a medidas simples como correção do suporte das mamas e fármacos para a dor comuns; Corrimento mamilar persistente e não sanguinolento em mulher com idade superior ou igual a 50 anos.

Quanto aos tratamentos, diferem consoante o tipo de cancro?

O cancro de mama deve ser tratado com cirurgia conservadora sempre que possível. Contudo quando são tumores grandes (particularmente em mamas pequenas), com metástases na axila (gânglios já afetados por doença), carcinoma inflamatório ou subtipos mais agressivos e/ ou sensíveis à quimioterapia, o primeiro tratamento (neo-adjuvante) poderá ser quimioterapia.

A cirurgia conservadora da mama (tumorectomia ou mastectomia parcial) deverá ser complementada de radioterapia (externa e/ ou interna, esta última também designada de braquiterapia), para um bom controlo da doença a nível loco-regional (mama e axila).

Habitualmente fazem-se também tratamentos adjuvantes, complementares a uma cirurgia curativa, no sentido de evitar a recorrência/ recidiva local e à distância noutros órgãos (pulmão, fígado, ossos, cérebro, entre outros).

O subtipo luminal A apresenta, com relação aos demais, o melhor prognóstico. Na sua maioria, são tumores histologicamente de baixo grau e habitualmente o tratamento preferencial é hormonoterapia (também designada de terapêutica endócrina, sendo o tamoxifeno, o fármaco mais antigo deste grupo). Apesar de apresentar uma resposta inferior à quimioterapia, esta poderá ser também utilizada.

Os tumores luminais B apresentam maior proliferação e são, muitas vezes, de alto grau histológico, habitualmente necessitam de tratamento com quimioterapia (além da hormonoterapia).

Aqui importa esclarecer que grau é diferente de estádio. O grau é uma medida determinada pelo Médico de Anatomopatologia, com base na observação das células malignas. O Médico de Anatomopatologia atribui uma classificação para o cancro, que é baseada em quão a amostra de biópsia é semelhante com o tecido mamário normal e à rapidez com que as células malignas se dividem (Grau 1 ou bem diferenciado; Grau 2 ou moderadamente diferenciado; Grau 3 ou pouco diferenciado).

O estádio (ou classificação TNM) é uma classificação com base no tamanho do tumor (T), o número de gânglios afetados na axila (N) e os órgãos afetados por doença (mama, gânglios da axila ou outros órgãos; M).

Ambos podem prever o prognóstico da paciente e ajudar a definir o melhor plano de tratamento.

O subtipo com superexpressão do receptor tipo 2 do fator de crescimento epidérmico humano (HER2), sem a terapia adjuvante sistêmica, tem menor sobrevivência livre de doença e elevada taxa de recorrência, pelo que beneficia de quimioterapia e terapias alvo específicas, como o trastuzumab, lapatininib, trastuzumabe emtansine (T-DM1), trastuzumab deruxtecano, entre outros. Esta classe de fármacos teve uma grande evolução nas últimas décadas, o que alterou positivamente o prognóstico destas pacientes.

Os tumores triplos negativos têm um prognóstico mais reservado, associado à menor sobrevivência livre de doença e à menor sobrevivência global. O tratamento passa quase obrigatoriamente pela quimioterapia, embora recentemente tenham sido aprovados novos fármacos, como imunoterapia (ex.: atezolizumab e pembrolizumab), fármacos dirigidos às doentes com mutações BRCA (ex.: olaparib), um conjugado anticorpo-fármaco (antibody-drug conjugate, ADC) direcionado para o Trop-2 (sacituzumab govitecano), entre outros.

Quando é que se deve fazer um check-up?

As pessoas saudáveis devem manter um seguimento regular no seu Médico Assistente, nos Cuidados de Saúde Primários (ou Médico de Família) e comparecer sempre que convocados para campanhas de Saúde Pública e/ ou Medicina Preventiva (como por exemplos, os rastreios). O boletim de saúde infantil e juvenil deverá acompanhar a criança/ jovem até à consulta dos 18 anos. Posteriormente, o Médico de Família saberá aconselhar o melhor acompanhamento de cada utente, com base nos seus antecedentes pessoais e familiares. A existência de um familiar do 1º grau com diagnóstico de cancro da mama é um fator associado a maior risco, pelo que o plano de seguimento regular dos familiares saudáveis poderá ser adaptado nesses casos, particularmente quando os familiares saudáveis entram na década anterior, à idade de diagnóstico do familiar afetado pela doença.

O programa português de rastreio do cancro da mama de base populacional convoca as mulheres com idade compreendida entre 50 aos 69 anos. O início mais precoce do rastreio a partir dos 40 anos de idade pode ser considerado, bem como a necessidade de complementar a mamografia com outros exames, como a ecografia (particularmente em casos de maior densidade mamária ou história de biópsia mamária prévia). A decisão deve ser individualizada e partilhada com a doente. O limite superior de idade para rastreio não é consensual. Deve ser ponderada a continuidade do rastreio nas mulheres com esperança de vida expectável superior a 10 anos.

E quem tem casos da doença na família?

A história familiar é muito importante no cancro da mama. A associação familiar de cancro da mama verifica-se em cerca de 25% dos casos, mas apenas 10% correspondem a cancro da mama hereditário. As mutações mais comuns ocorrem nos genes BRCA1/2, mas existem outras síndromes, mais raras, que aumentam o risco de cancro da mama. Os tumores associados ao gene BRCA2 são tipicamente do tipo luminal (na mulher tipicamente luminal B like HER2 negativo e no homem luminal A like). Os tumores triplos negativos (basal like) são classicamente associados a mutações no gene BRCA 1.

Habitualmente o aconselhamento genético é iniciado por um familiar afetado por cancro da mama (ou ovário, entre outros), sendo calculada a probabilidade de existência de uma mutação germinativa nos genes BRCA1 e BRCA2 tendo em conta a história pessoal e familiar. O teste genético completo dos genes BRCA1 e BRCA2 (e eventualmente de outros genes relevantes) será realizado se a probabilidade de mutação for igual ou superior a 10% (poderão também ser testados os doentes com carcinoma da mama triplo negativo diagnosticado antes dos 40 anos ou com carcinoma não-mucinoso do ovário/ trompa/peritoneu, em qualquer idade). Posteriormente, se alguma alteração genética patológica for detetada no familiar com cancro, a pesquisa/ o teste dessa alteração específica, poderá ser oferecida aos familiares saudáveis.

O cancro da mama é evitável? Se sim, o que pode ser feito para prevenir o aparecimento da doença?

O cancro da mama é o cancro mais frequente a nível mundial (25% de todos os casos de cancro) e a principal causa de morte por cancro nas mulheres (15% das mortes por cancro entre as mulheres). Em Portugal foram diagnosticados, em 2020, cerca de 7000 novos casos de cancro da mama e 1800 mulheres morreram com esta doença.

Resumidamente os fatores de risco associados a maior risco de cancro da mama são: a idade (> 70 anos), a menarca (idade de início dos períodos menstruais) precoce (< 12 anos), a menopausa tardia (> 55 anos), a idade do primeiro parto (> 30 anos), utilização de pílula contracetiva (ou outros métodos anticoncetivos hormonais) ou a terapêutica de reposição hormonal (estrogénio e progestativos), particularmente se durante vários anos e sem supervisão e o consumo de álcool. A associação de vários destes fatores potencia as hipóteses de cancro.

A aderência a estilos de vida saudáveis, como a dieta mediterrânea, controlo do peso/ perímetro abdominal, exercício físico (150-300 minutos de atividade física de intensidade moderada por semana, ou 75-150 min de atividade física de intensidade vigorosa, ou equivalente combinação; atingir ou exceder o limite superior de 300 min é o ideal), evicção tabágica e alcoólica, é um fator determinante na nossa longevidade. Estas recomendações ajudam a evitar o cancro, as doenças cardiovasculares e os acidentes, entre outras causas de morte.

Porque é que é importante aumentar a literacia da população para o facto de existirem vários subtipos deste tumor?

A evolução do conhecimento quanto à biologia do cancro de mama, o elevado número de ensaios clínicos e novos fármacos torna esta doença numa entidade muito complexa, onde diferentes condutas clínicas são possíveis. A medicina paternalista pode por vezes propiciar tratamentos inadequados. O doente deve compreender que tem um papel ativo na definição do melhor plano de tratamento possível, pelo que deve conhecer o subtipo molecular do seu cancro de mama e as suas principais características.

A melhor ajuda que um Médico Oncologista pode ter, é efetivamente um doente informado e capaz de compreender a jornada de tratamento e seguimento, de forma a poder otimizar os resultados, sem sacrifício da qualidade de vida.

Por outro lado, durante o tratamento adjuvante e a vigilância é importante compreender, que nos tumores luminais, o cumprimento da hormonoterapia diária é determinante para evitar a recidiva. Os efeitos laterais da hormonoterapia poderão ser, em parte, aliviados com uma dieta e plano de exercício físico adequados. Os Tumores HER2 positivo e triplos negativos metastizam frequentemente e precocemente, para vísceras e cérebro. Esta metastização (aparecimento de focos tumorais noutros órgãos, por vezes longe da mama e gânglios da axila doentes) é mais precoce que nos luminais (nos primeiros 5 anos).

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