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Um psiquiatra explica-lhe tudo o que precisa de saber sobre a depressão e ansiedade

A depressão e a ansiedade estão cada vez mais presentes na vida dos portugueses, seja pela pressão no trabalho – que muitas vezes leva ao Burnout – ou pelos desafios inesperados dos últimos anos – pandemia, pós-pandemia e guerra. Hoje assinala-se o Dia Mundial da Saúde Mental e a LuxWoman esteve à conversa com o psiquiatra Gustavo Jesus.

Gustavo Jesus

Gustavo Jesus

A depressão e a ansiedade aumentaram com a Pandemia?

Os estudos a nível nacional e internacional mostram um aumento não só de ansiedade e depressão durante a pandemia, como pós-pandemia. E não só sintomas como o diagnóstico propriamente dito — porque uma coisa é dizer que há ansiedade e tristeza, portanto, sintomas depressivos e ansiosos; outra coisa é falar de um diagnóstico propriamente dito. E todos eles aumentaram. Durante a pandemia, houve um grande aumento de sintomas, depois houve uma melhoria global de sintomas e depois da pandemia nota-se um aumento geral do número de diagnósticos. Por isso, sim, isso resulta do fator de stress grande e intenso que foi a pandemia e que, aliás, impactou algumas faixas etárias, nomeadamente as crianças e jovens. Isto teve a ver com o facto de a pandemia ser muito intensa, muito duradoura, incontrolável — as pessoas sentiram que não tinham controlo sobre a situação — e, ao mesmo tempo, imprevisível — as pessoas não sabiam o que se ia passar.

 Quais são as diferenças entre estas duas doenças?

A ansiedade não é propriamente uma doença, é uma emoção/um estado emocional que todos nós temos em algumas alturas da vida e que resulta de uma resposta do nosso corpo e cérebro a uma situação de potencial risco ou ameaça que representa perigo — nisto, aumenta a frequência cardíaca, a frequência respiratória, o cérebro fica em alerta e a pessoa fica atenta e preocupada e, normalmente, desaparece. Portanto, é uma situação proporcional à situação que a gerou. Por exemplo, já todos nós ficámos nervosos quando tivemos um teste ou quando temos um acidente de carro ou testemunhamos algo desagradável. Isso é a ansiedade proporcional e que é normal. Depois, a ansiedade pode ser uma doença, aquilo a que se chamam perturbações da ansiedade — a ansiedade é igual, mas muito mais intensa, duradoura e, muitas vezes, desproporcional relativamente àquilo que gerou essa sensação. Nas perturbações da ansiedade, há já uma descontinuidade com aquilo que era o estado normal da pessoa, que começou a funcionar de outra maneira.

A depressão é uma doença completamente diferente. Enquanto na ansiedade aquilo que caracteriza é principalmente o tipo de pensamento de preocupação, medo, expectativa negativa em relação a algum tipo de acontecimento; na depressão o que acontece uma sensação de tristeza e/ou perda de energia e/ou perda de prazer ou de interesse nas coisas. É claro que tanto as perturbações de ansiedade como as perturbações depressivas têm muito mais características do que estas, mas estas duas ajudam a distinguir de uma maneira geral o que elas são. Em ambas, há outras características que podem existir como perturbações no sono ou no apetite, entre outras, sendo que é muito frequente também existirem sintomas de ansiedade na depressão. Ou seja, na realidade, quando se tem sensações deste tipo, que esteja a extrapolar o habitual, deve-se procurar uma equipa especializada para se poder fazer um diagnóstico e uma abordagem.

As pessoas têm procurado mais ajuda?

Existe claramente um aumento da procura até porque há um aumento da sensibilização. Durante a pandemia, o tema da saúde mental veio para cima da mesa e as pessoas começaram a discutir muito o tema. De certa maneira, isso ajuda ou tem ajudado a diminuir o estigma associado, embora continue a ser bastante grande, mas o facto é que as pessoas ao ouvirem falar mais do assunto e ao perceber que é uma coisa comum — porque convém dizer que as doenças psiquiátricas, particularmente as mais comuns, como é o caso da depressão e ansiedade, são extremamente comuns na população, começam a perceber que também podem ser atingidas por essas doenças e procuram ajuda de facto com mais frequência. Os serviços clínicos têm sentido esse aumento da procura.

Como é que sabemos que estamos perante alguma destas doenças?

Quando existe uma doença, as emoções são, normalmente, muito intensas, desproporcionais em relação àquilo que as causou, duradouras no tempo e, sobretudo, a pessoa sente que não é a pessoa que era anteriormente. Ou seja, está diferente do que era, há uma descontinuidade no seu funcionamento. Normalmente, nesse caso, há uma perturbação/uma doença.

Dá para evitar?

É a pergunta para um milhão. O que se pode dizer é que quando há doença mental, seja depressão ou perturbação de ansiedade, é necessário procurar um tratamento. O tratamento é obrigatório porque só assim é possível melhorar e esse tratamento é constituído por medicação e /ou intervenções psicoterapêuticas ou psicológicas. Quando não existe ainda doença e estamos a falar sobretudo de pessoas que estão a vivenciar períodos de maior stress, pode haver situações que melhorem o cenário — no fundo mitigam e diminuem a vivência do stress —, mas não quer dizer necessariamente que consigam prevenir a doença. É impossível de prever, até porque as doenças mentais são provocadas, nomeadamente a depressão e a ansiedade, por um conjunto de fatores — alguns deles são herdados/genéticos e outros são ambientais. É do conjunto da interação destes fatores que as doenças resultam. E, portanto, se uma pessoa tiver uma carga genética muito elevada para depressão, por exemplo, está mais suscetível do que uma outra pessoa que não tenha essa carga. Logo, nem sempre os comportamentos podem ajudar a prevenir.

Ainda assim, feita esta ressalva, o que pode ajudar a prevenir são alguns estilos de vida. Por exemplo, o tipo de alimentação mais mediterrânea, que seja rica em alguns tipos de nutrientes como os ácidos gordos ómega-3, que têm o conhecido potencial anti-inflamatório cerebral; o exercício físico que, além de ser anti-inflamatório, liberta endorfinas e alivia a própria ansiedade após o desempenho da atividade desportiva. Mas, atenção, isso não quer dizer que quando a pessoa está deprimida ou com uma doença da ansiedade vá correr e fique bem. Isso não faz sentido, até porque dizer a uma pessoa com depressão para ir correr é o mesmo que dizer a uma pessoa com as pernas partidas para fazer o mesmo. E, finalmente, há práticas como a meditação e algumas estratégias de mindfulness que podem ajudar muita na gestão da vivência de stress e, nesse sentido, diminuí-la, e por isso diminuir um pouco a probabilidade de desenvolver uma depressão e a ansiedade — o que não é a mesma coisa que dizer que se consegue evitar.

O que fazer para ajudar alguém próximo?

Quando suspeitamos que alguém possa estar a passar por uma fase como esta, devemos mostrar-nos empáticos e não vale a pena darmos muitos conselhos — até porque sobretudo se não formos psiquiatras, não sabemos o que estamos a dizer, por isso, o mais conveniente é fazer a pessoa perceber que não é a única e não está sozinha. Sabemos que uma em cada quatro pessoas vai ter uma perturbação de ansiedade e uma em cada cinco vai ter uma perturbação depressiva, portanto, este tipo de doenças é muito prevalente na população e temos de transmitir que há muitas pessoas a viver situações como aquela. Podemos até utilizar casos positivos que conhecemos, fazer a pessoa sentir-se compreendida, desenvolver uma empatia com a pessoa que está a sofrer e, de seguida, recomendar-lhe a procura de tratamento junto de um especialista na área da saúde mental — o psiquiatra, psicólogo e o médico de família também é um clínico que está habilitado a fazer um diagnóstico de primeira linha e uma primeira intervenção.

O que é que nunca deve ser dito a uma pessoa que sofre de ansiedade ou depressão?

Esta é uma coisa que devia ser perguntada mais vezes porque, infelizmente, ainda há muita coisa que é dita que não faz grande sentido. Em resumo, não devem ser ditas coisas que façam a pessoa sentir-se culpabilizada, a única a passar por isso, que aquelas emoções não fazem sentido e que não existe solução. Por exemplo, no caso da pessoa se sentir culpada, não se deve dizer algo como “isso é porque não vais à praia, não apanhas sol e depois é natural que tenhas ficado deprimido” ou outras frases deste tipo ­— portanto, atribuir a culpa do que se está a passar ao comportamento da pessoa. Ninguém gosta de estar deprimido e quando uma pessoa está com depressão ou ansiedade, está porque está doente e o seu cérebro deixou de funcionar bem.

Por outro lado, este tipo de soluções mágicas que muitos oferecem, também faz com que a pessoa se sinta culpada: “tu tens é de correr” ou “tu tens é de comer melhor”. É certo que as pessoas têm de fazer tudo isto, mas não trata a doença quando ela está instalada — e quando isso acontece, as pessoas sentem-se incapazes de descobrir esses conceitos e acabam por se sentir ainda mais culpabilizadas. Outro problema é a pessoa sentir que está sozinha: “Isso são manias”, “também já passei por situações como essas ou piores e aguentei-me perfeitamente” — ou seja, atribuir mais uma vez a culpa à pessoa e dizer-lhe que tem uma fragilidade que é única dela e que os outros suportam muito bem aqueles fatores de stress.

E, finalmente, não dizer que não há tratamento, não há nada a fazer e que é do feitio da pessoa — isso é errado e também não deve ser feito.

Quais são os mitos associados?

Os mitos interagem um pouco com a pergunta anterior, mas quero acrescentar alguns, nomeadamente que a depressão ou ansiedade é sempre uma doença crónica. Bem, nem sempre nós temos pessoas que quando fazem o tratamento adequado conseguem ter remissão dos sintomas e eliminação do problema, ainda que depois exista uma percentagem de pessoas que possam ter uma recaída. O tratamento tem como objetivo colocar a pessoa a funcionar igual ao que era — isto é outro mito: que a pessoa depois de terem a doença psiquiátrica nunca mais vai ser a mesma. Em terceiro lugar, o tratamento é viciante, causa dependência, engorda ou a pessoa fica como um zombie — errado, os tratamentos psiquiátricos são cada vez mais muito isentos de efeitos adversos. É claro que todos os fármacos têm efeitos adversos, mas é o que acontece para todas as outras áreas terapêuticas, como a asma e a artrite reumatóide, por exemplo. Mas o balanço geral é claramente a favorecer os medicamentos psiquiátricos porque eles têm muito mais eficácia do que efeitos adversos e estes são, na maior parte dos casos, bastante mitigáveis e controláveis. Outro mito: quando se vai ao psiquiatra sai-se de lá completamente encharcado de medicamentos — o médico psiquiátrico, assim como o médico de família, tem capacidade de fazer o diagnóstico e perceber o que é mais adequado para aquele doente, se é medicação, psicoterapia ou os dois. Sabendo que nem a psicoterapia substitui a medicação nem a medicação substitui a psicoterapia, pois elas fazem coisas diferentes e, por vezes, são ambas necessárias.

Nas crianças, como é que os pais sabem que estão perante um caso de ansiedade ou depressão?

Embora eu seja psiquiatra de adultos e veja, sobretudo, pessoas a partir da adolescência, sabemos que na infância, muitas vezes, os sintomas depressivos e ansiosos tomam formas muito diversas. Ou seja, nem sempre se apresentam de forma tão evidente como acontece num adulto, mas também podemos perceber se há alterações na rotina das crianças: se passaram a comportar-se de maneira diferente, recusarem a escola, terem isolamento social, a não quererem socializar com amigos quando antes o faziam, rendimento escolar reduzir em virtude dentes sintomas, entre outros. Podemos observar não os sintomas diretamente, ainda que também seja possível perceber se a criança ou adolescente está mais triste e nervosa ou ansiosa, ou indiretamente, através do impacto das áreas da sua vida.

Como podem ajudar?

É evidente que, à semelhança do que acontece nos adultos, também para as crianças e adolescentes há centros especializados no tratamento e intervenção das perturbações mentais. Temos por um lado o Serviço Nacional de Saúde que, infelizmente, e ao contrário do que todos nós gostaríamos, tem uma resposta bastante diminuta no que se refere à infância e adolescência — todas as estatísticas mostram isso e esperemos que seja uma situação que mude no futuro —, mas a verdade é que muitas pessoas acabam por ter de recorrer a centros privados. Em alguns desses centros, como é o caso do meu, o PIN, existem parcerias com estruturas, como é o caso da CAPITI — uma IPSS que permite a crianças e jovens o acesso a este tipo de tratamentos. Desta forma, alguns centros privados, como o nosso, através deste acordo com IPSS CAPITI, conseguem oferecer o tratamento de forma menos onerosa, com apoio financeiro às famílias que demonstrem necessitar.

CAPITI Art Mind

O Museu da Eletricidade, entre as 12h e as 19h, recebe a sexta edição do leilão artístico solidário da CAPITI, Associação Portuguesa para o Desenvolvimento Infantil, cujo valor reverterá na totalidade para a sua missão de apoiar crianças e jovens de famílias carenciadas com problemas do desenvolvimento e comportamento.

Este ano, a causa surge com um novo nome, CAPITI Art Mind, associado ao também novo conceito “Ver para além da moldura” — quando criam, os artistas não podem estar presos aos limites que a sociedade tantas vezes lhe impõe. É preciso surpreender, sair da caixa, sair da moldura; tal como para olhar para uma pessoa é preciso ver para além do seu diagnóstico.

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