Viver com um “constante receio e ansiedade” é uma das formas que Catarina Cardoso encontrou para descrever como é ter enxaquecas. Sem conseguir prever as crises, que ocorrem sem aviso prévio e em qualquer altura, conta sentir-se impotente. Há também um sentimento de frustração, fruto da dependência de terceiros para fazer algumas coisas do dia a dia.
“Durante aquele período fico condicionada e não consigo, em 90% das vezes, cuidar de mim mesma, cuidar dos meus filhos ou continuar a desempenhar a atividade que estava a desenvolver naquele momento”- Catarina Cardoso.
As enxaquecas, segundo Filipe Palavra, Presidente da Sociedade Portuguesa de Cefaleias, são “um tipo de cefaleia (dor de cabeça) recorrente e intensa, que geralmente afeta um lado da cabeça, embora possa ocorrer dos dois lados”. Além da dor de cabeça pulsátil, esta é, frequentemente, acompanhada de outros sintomas, tais como náuseas, vómitos, sensibilidade à luz (fotofobia), ao som (fonofobia) e ao próprio movimento (cinesiofobia), que “pode agravar as crises”. Estas podem durar de algumas horas até três dias– “ainda que possa haver crises mais prolongadas, configurando o diagnóstico de um estado de mal de enxaqueca”-, variando em intensidade, podendo também, por vezes, ser precedidas de alterações visuais, da sensibilidade ou da força muscular, que se designam por auras.
Embora seja mais comum começarem na infância, adolescência ou no início da idade adulta, estas podem surgir em qualquer idade. Foi o caso de Catarina Cardoso, que foi diagnosticada aos 15 anos. Recorda-se de, durante a madrugada, acordar com uma “dor lancinante na cabeça”. Não conseguia voltar a dormir, pois “sentia uma dor tão forte que parecia que a cabeça ia rebentar”. O pai acabou por levá-la ao hospital e, lá, foi diagnosticada com enxaquecas.
“É comum que as primeiras crises ocorram entre os 10 e 30 anos, embora possam surgir até mesmo em crianças mais pequenas. É muito pouco provável que a enxaqueca tenha início só depois dos 50 anos de idade. Aliás, esse poderá ser um sinal de alarme para a existência de outro diagnóstico, que não o de enxaqueca”- Filipe Palavra, Presidente da Sociedade Portuguesa de Cefaleias.
Mais incapacitante do que aquilo que se julga. A enxaqueca pode ter um impacto significativo na qualidade de vida, a nível físico, emocional e social, de quem a tem.
Desde logo, as crises podem ser causadoras de dor muito intensa e incapacitante, que impossibilita a pessoa com o diagnóstico de fazer as suas atividades de vida diária, como, por exemplo, trabalhar. Por isso, “a enxaqueca é causa frequente de absentismo (laboral e escolar), mas também de presentismo (isto é, mesmo estando presente, a pessoa com diagnóstico de enxaqueca não consegue ter o mesmo desempenho que teria, no trabalho ou na escola, por força da sua cefaleia)”, explica o especialista. Catarina conta que, devido à doença, é comum perder vários dias de trabalho por ano. Isto traduz-se numa redução do ordenado, pois, na maioria das vezes, fica “cerca de dois dias em casa para recuperar e estes dois dias, na segurança social, não são pagos”.
“Por vezes, quando as crises começam quando estou ao serviço tenho mesmo que pedir a algum familiar para me ir buscar pois até a capacidade de conduzir perco”- Catarina Cardoso.
Para além da vida profissional, também a pessoal é condicionada. No que diz respeito aos relacionamentos, muitas vezes, estes são prejudicados pelas crises, pois a pessoa vê-se forçada a cancelar as suas atividades. Esta imprevisibilidade acaba por ser causadora de frustração, de sentimentos de isolamento e de incompreensão, por parte da família e amigos.
“Deixo de conseguir estar presente em ocasiões especiais, em convívios com amigos e família pois o corpo e a cabeça não conseguem estar bem para tal necessitando que me permaneça deitada sem qualquer barulho ou a dormir por várias horas para que possa recuperar”- Catarina Cardoso.
Todos estes aspetos podem condicionar o aparecimento de sintomas ansiosos e também depressivos, sendo naturalmente evidente o impacto negativo na saúde mental da pessoa com o diagnóstico de enxaqueca.
Para lidar com as crises, Catarina tem um “SOS a nível medicamentoso”. Ao longo dos anos já experimentou alguns – visto que os métodos de prevenção deixam de fazer efeito por habituação do corpo- e, de momento, encontra-se a fazer um “bloqueio dos neurotransmissores”. Os tratamentos para a enxaqueca, segundo Filipe Palavra, dividem-se em duas categorias principais: tratamento das crises e tratamento preventivo.
São usados, para aliviar as crises, medicamentos como analgésicos simples (paracetamol), anti-inflamatórios não-esteróides (ibuprofeno, por exemplo) e medicamentos desenvolvidos especificamente para a enxaqueca, como os triptanos, “que ajudam a bloquear os sinais de dor no cérebro”. Havendo queixas de náusea intensa, medicamentos antieméticos também podem ser usados. “É essencial que as pessoas tomem o medicamento logo no início da crise, para que seja mais eficaz”, explica o especialista.
Para prevenir as crises, o tratamento pode incluir medicamentos de uso diário, especialmente em casos de enxaqueca crónica ou frequente. Entre os medicamentos preventivos estão os bloqueadores beta-adrenérgicos (propranolol, por exemplo), fármacos anticrises epiléticas (de que é exemplo o topiramato), antidepressivos (como a amitriptilina), anti-hipertensores (como a flunarizina) e, mais recentemente, a toxina botulínica e um grupo de medicamentos especificamente desenhados para atuar sobre uma molécula crítica nos mecanismos da enxaqueca, o peptídeo relacionado com o gene da calcitonina (CGRP). Entre os fármacos que atuam neste sistema estão anticorpos monoclonais e pequenas moléculas de administração oral, os gepants.
Mudanças no estilo de vida, como a adoção de uma dieta equilibrada, prática de exercício físico, controlo do stress emocional e regulação do sono, “também são fundamentais na prevenção das crises”.
As pessoas que sofrem de enxaqueca devem recorrer, em primeiro lugar, ao médico de família, que “pode avaliar os sintomas, estabelecer o diagnóstico, implementar uma estratégia de tratamento” e, no limite, havendo falência desta intervenção, encaminhar o paciente para um especialista, o médico neurologista, se for eventualmente necessário.
Na esperança de que algum dia, tal como apareceram, as enxaquecas possam desaparecer, Catarina tenta manter-se positiva.