Desde 2019 que, todos os anos, a Fjällräven lança a Kånken Art, um projeto em que a icónica mochila Kånken serve de tela em branco para que um artista expresse a sua relação com a natureza através da arte.
Este ano a marca sueca colaborou com Charlene Johnny, uma artista da Coast Salish, no Canadá, pertencente à tribo Quw’utsun de Duncan, British Columbia (B.C.), que reside nos unceded territory de xwməθkwəy̓ əm, Skwxwú7mesh, and Səl̓ ílwətaʔ/ Selilwitulh Nations.
Charlene começou a colaborar com a Fjällräven em 2020, quando personalizou mochilas para a loja da marca sueca em Kitsalano. Quatro anos mais tarde, a artista criou, para a edição Kånken Art 2024, uma mochila que explora e expressa a sua arte ancestral, tornando o seu sonho em realidade.
Como foi o seu percurso enquanto artista?
Comecei a criar arte em criança e fui aprendiz de vários artistas das Primeiras Nações, antes de me concentrar no meu próprio percurso em 2013. Ganhei algumas bolsas de arte da fundação de arte YVR. A partir daí, frequentei um programa de design de jóias, no Native Education College em 2018. Comecei a pintar murais ao mesmo tempo, disponibilizando o meu tempo a colegas para aprender o processo. Desde então, pintei algumas dezenas de murais em toda a região metropolitana de Vancouver e em Duncan.
Quando olhamos para as suas obras de arte, que estilo encontramos?
Sendo uma Quw’utsun Slheni’ (mulher), uso o meu direito ancestral inerente para praticar a arte Coast Salish. Este é um dos muitos estilos de arte indígena ao longo da costa noroeste do Pacífico. O território de Quw’utsun faz parte do território dos povos de língua Hul’qumi’num na costa sudoeste da British Columbia. Quando os colonos chegaram, começaram a chamar-nos, na costa sul, “Coast Salish”. O nosso estilo de arte utiliza principalmente círculos, crescentes e trígonos, o que é distinto e diferente dos nossos parentes do norte.
Que técnicas usa?
Pinto sobretudo murais, mas esculpo jóias em prata e cobre, para além de utilizar a tecnologia para criar arte gráfica utilizando técnicas de design Coast Salish.
Como reagiu quando lhe pediram para trabalhar com a Fjällräven?
Fiquei muito surpreendida quando entrei em contacto com a Fjällräven. Um gerente de loja entrou em contacto comigo através do Instagram para ir à loja de Kitsalano pintar mochilas e doar os lucros para caridade. A minha relação cresceu a partir daí quando fui convidada para ser store guide. À medida que fui conhecendo a marca, tive um sonho e uma visão de me tornar uma artista Kanken, mal sabia eu que esse sonho se tornaria realidade.
E como é que abordou o projeto Kånken Art? O que inspirou os elementos presentes nesta mochila Kånken?
Quis honrar os meus antepassados e a comunidade com a minha prática artística, trazendo de volta à vida um desenho que foi inicialmente esculpido numa espiral de fuso há mais de 100 anos pelos meus antepassados. Sempre utilizámos materiais naturais da terra para criar objectos práticos do quotidiano, sendo o cedro um recurso primordial para artigos como chapéus, remos, canoas, regalos, espirais de fuso, máscaras, varas, cestos e pentes. Adoro ver a arte que os meus antepassados escolheram para adornar estes objectos do quotidiano. Foi esta a inspiração. O desenho apresentado nas mochilas é baseado num desenho muito antigo de um rolo de fuso Quw’utsun. As espirais de fuso eram esculpidas em cedro e utilizadas para fiar lã para tecer e tricotar em cobertores e vestuário. Na era pré-contacto, utilizávamos a lã do agora extinto cão salish Wooly. Após o contacto, o nosso povo começou a utilizar lã de ovelha, uma espécie introduzida. As cores do saco em tons de cinzento são inspiradas em vários tons de lã, com o castanho a homenagear o cedro, o azul a refletir a cor das contas de comércio e o vermelho a representar a cor de um dos nossos medicamentos. Até as alças apresentam um padrão de tecelagem.
A sua herança indígena tem um grande influência na sua arte?
Como indígena, toda a minha identidade e o que crio é em honra da minha herança Quw’utsun. Estou a aprender a nossa língua através do título das minhas obras de arte na nossa língua. É importante para mim passar algum tempo na minha comunidade a aprender com os nossos Sulhween (anciãos), a fim de partilhar a nossa história e manter a nossa cultura viva para os nossos Musimhw (povo), mas mais importante ainda para os nossos ‘xe ‘xe smuneem (crianças sagradas).
A natureza desempenha um papel importante em todo o seu trabalho. Porquê?
Todos os nossos objectos de arte e do quotidiano são criados com presentes da natureza. As obras de arte com que adornamos estes objectos são inspiradas nos seres vivos da terra. Tudo na natureza tem um shhwuli (vida/espírito/alma). Tudo o que crio honra o shhwuli. Quer esteja a desenhar seres celestiais como o sol ou a lua, quer esteja a pintar animais como águias ou corvos, honro os meus antepassados e estas forças vitais espirituais que fluem através de todos nós. Não nos vemos separados da terra, todos temos um espírito vivo comum, pelo que devemos honrar e proteger todos os seres da vida como se fossem nossos parentes.
Que impacto espera que as suas contribuições artísticas tenham na comunidade em geral e nas causas que apoia?
A minha prioridade é cuidar e respeitar a terra e a nossa história. Faço-o através da prática da arte, partilhando as nossas histórias e aprendendo a falar a língua Hul’q’umi’num. Se conseguir lançar alguma luz sobre a nossa história e inspirar outros a cuidar do que os rodeia, então considero o meu objetivo alcançado. Ouço sempre o nosso s-ul’hween dizer “nutsamaat ‘uy’ skwuluwun”. Esta frase é usada quando trabalhamos em conjunto, com bom coração, para atingir um objetivo. Temos mais coisas em comum do que diferenças, por isso temos de nos juntar e aprender uns com os outros e cuidar de todos e de todos os seres vivos como se fossem nossos parentes, porque são.
A Kånken Art contribui com uma percentagem das vendas para a iniciativa Arctic Fox da Fjällräven. Este ano, a iniciativa irá apoiar a The Stqeeye’ Learning Society. O que a levou a escolher esta organização?
Quando se tratou de selecionar a organização com a qual trabalhar, fiquei muito entusiasmada por ter escolhido a Stqeeye’ Learning Society sem hesitar. Esta organização está sediada na nossa aldeia tradicional, Xwaaqw’um (Burgoyne Bay, Salt Spring Island). Estou muito entusiasmada por apoiar o trabalho que fazem, não só porque partilhamos o mesmo parentesco, mas também porque partilho os mesmos valores que Stqeeye’. Precisamos de permitir que os nossos jovens e s-ul’hween tenham acesso à terra para aprenderem com a natureza e a preservarem. Apoiar o bom trabalho que eles fazem é apoiar a nossa sociedade como um todo.
Que efeito espera que a sua Kånken Art tenha?
Espero que as pessoas aprendam sobre o povo Quw’utsun. Quero que as pessoas saibam quão diversos são os povos indígenas da América do Norte. Todos queremos trabalhar em conjunto e usar os nossos direitos inerentes para preservar a terra para as gerações futuras.
A edição especial Kånken Art x Charlene Johnny já está disponível em fjallraven.com e nos pontos de venda selecionados.