

Ana Moura sempre gostou de estar na cozinha, devorar livros de receitas e experimentá-las. Na infância, de todas as tarefas domésticas, essa era a única que fazia sem indignações e amuos. A família sempre apreciou jantares e almoçaradas e, desde pequena, que a chef se recorda de ir com os pais a restaurantes. Para si, isto foi de extrema relevância, pois para se ser um bom cozinheiro precisa-se de saber comer. Natural de Lisboa, mas com raízes no Alentejo, abriu o seu restaurante em maio de 2021 em Porto Covo. Com uma carta que honra os sabores da região, a chef deseja que quem passe pelo Lamelas sinta “casa e conforto na comida”. Desde 2024, o restaurante faz parte das recomendações do guia Michelin em Portugal e em 2025 ganhou o seu primeiro Sol no guia Repsol.
Sempre teve gosto pela cozinha?
Sempre adorei cozinhar. Mas há muita gente que gosta de cozinhar e não se imagina a ter um restaurante. Então, até estudar cozinha, não me via bem nisso. Aliás, só quando comecei mesmo a trabalhar é que percebi que era mesmo o que eu gostava de fazer.

Ana Moura Créditos: Gonçalo F. Santos
Como nasceu o seu interesse profissional pela cozinha?
Eu estudei Marketing. Hoje em dia é um bocadinho mais normal ir para a cozinha, mas, na altura, não era assim tão fancy escolher esse caminho. O percurso normal era escola, faculdade e trabalho. Então fui estudar Marketing e Gestão. E, na verdade, apesar de ter gostado muito da faculdade, não me via a trabalhar naquela área. Nunca me vi a trabalhar sentada num computador. Apesar de eu adorar o Excel, por exemplo, não me vejo um dia a ter que fazer trabalhos no Excel. Porque, passado meia hora a olhar para o computador, fico aflita das costas, fico inquieta. Quando acabei o curso, fui estudar cozinha durante um ano. Foi um bocado: “Vamos lá ver o que é que isto é”. E pronto, a partir do momento em que comecei a trabalhar em cozinha, percebi que era mesmo aquilo de que gostava.
A formação em Marketing acabou por ter utilidade na sua carreira?
Claro! Acho que não era a mesma coisa se não tivesse estudado aquilo. Ajudou-me a perceber como é que se criava uma história, um conceito. As coisas têm que ter lógica e, hoje em dia, vejo muitos restaurantes por aí que não têm isso, juntam várias coisas e depois não têm consistência. É muito fácil fazer pratos de que as pessoas gostem, mas criar consistência é diferente.

Ana Moura a cozinhar no Lamelas
Na sua família havia referências ligadas à cozinha e à comida?
Em minha casa sempre se fizeram muitos jantares. Os meus pais convidavam amigos para irem lá a casa, principalmente em épocas festivas, como em aniversários e no Natal. E eu sempre gostei de estar na cozinha, ao contrário de todas as outras tarefas. Eu lia os livros de receitas, ficava na cozinha o dia todo, era uma coisa que me divertia mesmo. Além disso, sempre fomos a muitos restaurantes. Desde pequena que vou com os meus pais a restaurantes e acho que isso contribuiu imenso. Porque, na minha opinião, a base para se ser um bom cozinheiro é também saber comer. E acho que é importante termos um espectro de sabores na cabeça para conseguir cozinhar e, quando fazemos alguma coisa, independentemente da técnica estar certa ou errada, podermos provar e saber onde queremos chegar. Sinto que se estão a perder os sabores tradicionais porque muitas pessoas já não conseguem ir buscar esse sabor.
Essa ligação à comida explica a escolha pela cozinha alentejana?
Faço cozinha alentejana no restaurante porque, para mim, além de estar no Alentejo, a minha avó era do Alentejo e foi a comida que sempre comi em casa. Ia aos restaurantes lá na zona, os mais tradicionais, e tenho essas memórias. Se me mandassem fazer cozinha do Norte, podia chegar lá, mas não era natural. Teria que ir a muitos sítios e provar muito para conseguir chegar lá.
Antes de abrir o Lamelas, já tinha trabalhado noutros sítios? Sonhava ter o seu próprio espaço?
Sempre sonhei, nem era ter um restaurante, era ter um bar/restaurante. Mas nunca foi o meu objetivo de vida, nunca pensei: “Tenho que ser chef de cozinha”. Aconteceu naturalmente. Porque havia muitas coisas que via noutros sítios que me irritavam. Então, sempre pensei que um dia ia fazer as coisas de maneira diferente.
E conseguiu implantar essa diferença no Lamelas?
Sinto que consegui, mas é um processo. Porque, no início, entre as inseguranças e outras coisas, fiz muita coisa errada. E continuo a fazer, não é?! Vamos aprendendo todos os dias, e todos os dias o objetivo é ser melhor.

A varanda do Lamelas
Porque escolheu abrir o restaurante em Porto Covo e não em Lisboa?
O meu avô nasceu em Porto Covo, e a minha bisavó e trisavó também eram de lá. Então, nós sempre tivemos casa em Porto Covo. Então, basicamente, eu passava o verão inteiro por lá. Na altura da Covid estava de “férias” e aquele espaço estava para alugar. Então, acabei por ir ver e decidi ir para lá.
Abrir em plena pandemia trouxe dificuldades acrescidas?
Nós abrimos em 2021. Em maio havia algumas restrições e tinha que haver alguma separação de mesas. Tanto que nós temos umas mesas na rua que não usamos atualmente, mas no primeiro ano tivemos de usar.

Abrótea com ameijoas em molho verde. Créditos: Gonçalo F. Santos
Fez pesquisa para construir a carta inicial?
Não tanto, porque é uma cozinha que conheço bastante. O que eu fiz foi falar com muitas pessoas e fazer muitas perguntas aos locais, como o que comiam antigamente. Há um prato que tenho, o almece, que é o coalho do queijo antes de ser escorrido e prensado. Era um bocado um subproduto. Uma vez, quando ainda estávamos em obras, entrou uma senhora no espaço e disse que tinha uma empregada que era alentejana e que ela lhe pedia sopas de almece. Fiquei curiosa, andei a pesquisar e comecei a fazer alguma coisa com isso. Aconteceu o mesmo com a abrótea. Alguém me disse que ali se comia muito e eu fui experimentar.
Há pratos que se mantêm desde a abertura?
Sim. O arroz de peixe, por exemplo, mantém-se até hoje.
A carta muda ao longo do ano?
No verão não toco no menu. Mas agora vamos começar a fazer pratos novos. Porém, eu não posso mudar um prato só porque sim. Então faço um prato novo, experimento o prato e depois, se toda a gente gostar, temos de decidir qual tiramos do menu. A cozinha é pequena, não posso ter mais pratos do que os oito que tenho, porque é importante manter a consistência, e as coisas são feitas na hora.

Arroz de Cremoso com peixe e camarão. Créditos: Gonçalo F. Santos
No Lamelas privilegia os produtores locais?
Mais do que os produtores locais, são as empresas locais. Ou seja, compro o pão na padaria de Porto Covo, a carne no talho, o peixe compro em Santiago do Cacém, à Rosa. Os legumes compro à Cristina no mercado, que, por acaso, tem produção própria. Tento impulsionar a economia local.
E como se distingue dos outros restaurantes da zona?
É diferente, mas acho que isso é importante. Acho que é importante que não sejam todos iguais. Em Porto Covo todos os restaurantes acabam por ser diferentes uns dos outros. Têm coisas diferentes para oferecer. E era muito isso que queria. Não queria ir para lá e fazer um restaurante que fosse fazer concorrência com os outros, de alguma maneira. Claro que fazem sempre, mas é bom que alguém vá para lá e consiga, numa mesma semana, experimentar coisas diferentes.
Como surgiram “Os Duetos”?
Primeiro, acho que esses jantares são super interessantes para mudar, para conviver com outras pessoas, para as pessoas que trabalham comigo também verem outras pessoas a trabalhar. Mas foi muito para combater a sazonalidade, ou seja, mostrar que estamos abertos. Porque, durante algum tempo, Porto Covo era visto como um sítio em que os restaurantes abriam de maio a setembro, depois fechavam portas e não havia nada por lá. Então é um bocadinho para mostrar que Porto Covo está ativo e há vida fora do verão.
E por quê apenas mulheres?
Foi coincidência. O primeiro ano foi com pessoas com quem tinha mais proximidade. E depois, no ano seguinte, experimentei e foi fácil fazer uma lista de mulheres que achava interessantes. Todas elas eram pessoas que conheço bem.

O interior do Lamelas. Créditos: Gonçalo F. Santos
Vão repetir esses jantares, este ano?
Ainda não decidimos. Estamos a ver, porque temos muitos projetos e não podemos querer fazer tudo e depois fazer as coisas a meio gás.
O que gostaria que os clientes levassem da experiência no Lamelas?
Quero que as pessoas sintam sabores familiares. Quero que as pessoas sintam casa e conforto na comida. Que sintam que estão no Alentejo.
O LAMELAS
Morada: Rua Cândido da Silva, 55A
7520 – 437 Porto Covo
Telefone: 924 060 426
Site: lamelasrestaurante.com