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Lola Maria: resiliência e determinação

Estreou-se no espetáculo Drag a convite de um amigo. A sua personagem, Lola Herself, permitiu uma maior descoberta de si própria. Em 2018 foi eleita Miss Drag Queen Lisboa, prémio que a consagrou enquanto artista e a encorajou a voar mais alto. Lola Maria é modelo, bailarina, criadora de conteúdos digitais e atriz. É formada em design e moda, áreas que sempre a fascinaram. Irreverente, resiliente e determinada, é a protagonista do Editorial de Moda da nossa edição de outubro ‘Universo Estético’. Numa conversa intimista, tanto quanto descontraída, a atriz revela-nos um pouco mais sobre a sua vida e o seu percurso artístico, assim como, as suas ambições e conquistas.

Quem é Lola Maria? Como se define ou como gosta de se apresentar?

Lola Maria é uma mulher negra, transgénero, com 29 anos de idade. É bailarina, modelo, criadora de conteúdos, atriz. Uma mulher trabalhadora, frágil, mas também resiliente porque nada na sua vida teve de mão beijada.

Como é que surgiu a atividade de Drag Queen na sua vida?

Drag surgiu a convite de um amigo em 2016, que me disse que as festas Conga Club, na altura, estavam a precisar de uma Drag Queen para trabalhar numa festa deles e a partir daí começou a Lola Herself.

Quem é Lola Herself? Em que é que se inspirou para criar a Lola Herself? Houve um processo de criação da personagem ou a Lola Herself reflete a sua própria personalidade?

As minhas maiores inspirações para a criação da minha Drag foram a Rihanna e a Naomi Campbell. A minha Drag é fortemente influenciada pelo mundo da moda e da música. Apesar de haver uma preparação na criação da Lola Herself, ela não deixa de ser uma extensão da minha personalidade.

Em 2018 foi coroada Miss Drag Queen Lisboa. O que é esta distinção significou para si?

Validação, sem dúvida. Miss Drag Lisboa foi uma boa plataforma para as pessoas conhecerem aquilo que sei fazer e o que a minha Drag representa. Com a coroação, comecei a ter mais oportunidades de trabalho fora dos palcos. Foi, também, através deste título que recebi o convite para entrar na minha agência, What About Agency, e surgiram muitas outras colaborações com revistas e programas de TV.

Este título representou, então, uma mudança na sua vida?

Depois de ter ganho a coroação do Miss Drag Lisboa comecei a encarar o Drag como uma forma de trabalho, como uma carreira. Até aquele momento, fazia Drag por diversão, sem pensar que poderia pagar as minhas contas com esta forma de arte. Tudo mudou quando recebi o título porque me deu a força necessária para investir tudo e voar alto.

“Quanto mais nos assumimos ou afirmamos na sociedade, mais a sociedade nos tenta reprimir, por isso sinto que esta ‘liberdade’ é falsa.”

Em 2021 assumiu-se enquanto mulher transgénero. A Lola Herself foi determinante para este processo?

Sim, foi um fator bastante importante para poder começar a questionar a minha identidade de género. Com o Drag comecei a sentir-me muito mais próxima de quem eu, verdadeiramente, me sentia por dentro… A caracterização da mulher que criei era quem me sentia por dentro e, quando comecei a perceber isso, muitos traumas do meu passado começaram a vir ao de cima. Sempre tive uma mãe muito controladora, que não soube lidar com a situação do seu filho. Apesar desta questão ter atrasado a minha transição, tive sempre um amor incondicional pela minha mãe, pela mulher que foi e pela sua história de vida. Por isso adiei a minha transição para que ela estivesse bem. Mas, isto tudo, inconscientemente porque só tive esta libertação três anos após a sua morte.

Como é ser mulher transgénero em Portugal?

É o que é… Em termos médicos, o Sistema Nacional de Saúde funciona muito devagar, com espaçamentos alargados de consultas. Nunca temos mesmo a certeza se vamos ter a consulta naquele dia porque poderá ter de ser remarcada, à última hora. Socialmente falando, ainda somos, muitas vezes, vistas de lado ou objetificadas pelos homens. As oportunidades de trabalho são relativas, pode depender do nosso exterior, das nossas habilitações, depende da mentalidade de quem nos está a contratar, depende da área, também, em que queremos trabalhar. Há muitos fatores e barreiras que podem influenciar, e muito, a nossa entrada no mercado de trabalho. A igualdade não é a mesma e sofremos todos os dias com receio de sermos abusadas verbal ou fisicamente. Existem países em que o sentimento de insegurança é maior do que em Portugal?! Sim, existem, contudo, ainda assim, não deixamos de ter os nossos problemas.

“Sofremos todos os dias com receio de sermos abusadas verbal ou fisicamente.”

Dedica-se, também, ao Ballroom? Pode explicar um pouco o que é a cultura Ballroom?

A cultura Ballroom é uma subcultura LGBTQ+ afro-americana e latina que teve origem em Nova Iorque, nos anos 80/90. A criação desta cultura foi uma necessidade por parte da comunidade Negra e Latina porque ajudou muitos estes jovens Drag Queens a terem algo a que se agarrarem numa altura em que vários fatores, como o racismo e o HIV, lhes retiravam as suas oportunidades de sobrevivência. Ballroom é um concurso em que as pessoas competem em várias categorias como Old Way, Runway, Face, Realness, Body, Lip Sync e muitas mais por um troféu e validação da comunidade ballroom.

Neste contexto, faz parte da Elite Kiki House of Bodega. O que é a Elite Kiki House of Bodega? E em que consiste a sua participação?

Dentro da cultura Ballroom existem ‘casas’ que competem umas contra as outras. A Elite Kiki House of Bodega teve origem nos Estados Unidos e neste momento já conta com várias casas na Europa, como em Portugal, Espanha, França, Inglaterra e Holanda. Este conceito de casas surgiu porque na altura do aparecimento da cultura Ballroom, muitos destes jovens, negros e latinos, que competiam, tinham sido rejeitados pelas suas famílias devido às suas orientações sexuais, identidade de género, etnia etc… e estas ‘casas’ acolhiam estas pessoas, dando-lhes orientação, um teto, comida para viverem. No fundo, uma família. A comunidade Ballroom começou a ser formada no início do ano 2019 em Portugal, e em 2020 fui convidada a entrar na ‘casa’ Elite Kiki House of Bodega através do Owen que é a ‘European Mother of the House’.

A que outras atividades se dedica? Ainda trabalha enquanto Drag Queen?

Ainda trabalho como Drag Queen, é algo que me dá muito prazer fazer. Durante três anos estive a trabalhar nonstop a agarrar todo o trabalho que conseguia arranjar. Este ano, tomei a decisão de abrandar o ritmo e dar-me um pouco de descanso. Desde 2018 que sou agenciada pela What About Agency, uma agência de influencers e é a essa área que me dedico.

“A paixão pela moda surgiu muito devido à restrição que tinha, em criança, de não poder usar a roupa que queria, como vestidos e saias, etc… Penso que, por este motivo, comecei a olhar para a roupa como algo fascinante.”

Tem formação em design e moda. Foram áreas que a fascinaram desde sempre? De onde surge a paixão pela moda?

Sim, moda sempre foi uma maneira de me expressar. A paixão pela moda surgiu muito devido à restrição que tinha, em criança, de não poder usar a roupa que queria, como vestidos e saias, etc… Penso que, por este motivo, comecei a olhar para a roupa como algo fascinante. Cresci a admirar peças de roupa e a olhar para elas como uma linguagem.

Hoje a moda é mais inclusiva e representativa?

Hoje sim. Os próprios designers já têm uma linguagem mais fluída no que toca a peças de vestuário. Também derivado ao Fast Fashion, hoje é possível encontrarmos peças de roupa com que nos identificamos e comprar por um preço muito barato.

Hoje em dia, há mais liberdade e abertura para que as pessoas se assumam como são, em todas as suas diferenças?

Hoje, uma pessoa que pertença a alguma das letras da comunidade LGBTQIA+ sente mais liberdade para se assumir perante a sociedade, quer seja pela sua orientação sexual ou identidade de género. Contudo, esta liberdade não se reflete em segurança. Continuamos todos os dias a sofrer de transfobia, homofobia, racismo…. Porque, quanto mais nos assumimos ou afirmamos na sociedade, mais a sociedade nos tenta reprimir, por isso sinto que esta ‘liberdade’ é falsa.

Está hoje perto daquilo que sonha para si?

Sinto que já dei o primeiro passo para isso, mas não me sinto perto daquilo que sonho para mim. Tenho dois anos de vida, a minha vida começou em 2021 …. Ainda estou a gatinhar! (risos)

Que grandes sonhos a movem?

Tenho aqueles sonhos que todo o mundo tem como, ser feliz, constituir família e um dia poder conhecer a Rihanna (Risos). Mas algo mesmo importante é poder fazer a minha cirurgia de redesignação de género. É uma cirurgia bastante cara e ao qual neste momento me encontro a juntar dinheiro para a poder fazer. É algo, que para mim, é bastante importante para me sentir completa com o meu aspeto exterior.

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