O Acidente Vascular Cerebral (AVC) é uma emergência médica, constituindo, atualmente, a principal causa de morte e incapacidade permanente em Portugal. A cada hora três portugueses sofrem um acidente Vascular Cerebral, um deles não sobrevive, e metade dos sobreviventes ficarão com sequelas incapacitantes.
Para assinalar o Dia Mundial do AVC, a 29 de outubro, Luísa Fonseca, Assistente Hospitalar Graduada em Medicina Interna e Coordenadora da Unidade de AVC do Centro Hospitalar Universitário S. João, explica e contextualiza esta doença tão mortal e incapacitante.
Os últimos 18 meses tiveram consequências, algumas delas irremediáveis, no tratamento dos doentes com AVC, quer na fase aguda quer a nível da reabilitação. A pandemia colocou uma enorme pressão nos serviços de saúde, com natural implicação nos cuidados de saúde prestados aos doentes COVID-19, mas como viemos a confirmar, com um impacto extremamente negativo nos doentes não COVID-19, nos quais estão incluídos doentes com AVC.
Verificámos que no início da pandemia houve uma diminuição na procura de cuidados de saúde hospitalares e quando essa ocorreu foi tardia. No caso dos doentes com AVC, este atraso, impediu, muitas vezes, a realização de tratamento na fase aguda, levando a que as sequelas fossem mais marcadas. A marcada diminuição na oferta de cuidados de reabilitação, praticamente inexistente durante o estado de emergência, limitou ainda mais a possível recuperação destes doentes.
Nesta fase estamos a tentar retomar a “normalidade”, embora ainda com incertezas em relação ao que irá suceder neste Inverno, sendo necessário alertar a população para evitar maiores danos.
Assim é importante recordar a necessidade de identificação precoce dos sinais de alarme e a rápido contacto para o 112, que disponibilizará meios de auxílio específicos, ativando a Via Verde do AVC (VVAVC), transportando o doente ao hospital com capacidade para proporcionar o tratamento adequado. Entre os sintomas mais frequentes salienta-se um conjunto de manifestações comumente conhecido pelos “5 F’s”. São eles: a Face descaída, dando uma sensação de assimetria do rosto; a diminuição da Força num braço (acompanhada ou não de diminuição de força na perna); a dificuldade na Fala, dificuldade em ter qualquer tipo de discurso, fala arrastada ou existência de discurso pouco compreensível e sem sentido; a Falta súbita de visão, alteração da visão ou diminuição abrupta num ou em ambos os olhos ou visão dupla; e a Forte dor de cabeça, dor de cabeça muito intensa e diferente do habitual. O tempo é cérebro! Quanto mais precoce o tratamento maior é a possibilidade de sucesso.
Além do diagnóstico e do tratamento na fase aguda é imprescindível não descurar a reabilitação. A reabilitação tem um papel preponderante a vários níveis: na recuperação funcional, cognitiva e psicossocial; na integração social; na melhoria da qualidade de vida; na manutenção da atividade profissional e no grau de dependência. As consequências do AVC podem ser diversas: dificuldade na mobilização de um membro, alteração de linguagem com dificuldade de expressão ou de compreensão, alteração da visão, alteração da deglutição, alteração do equilíbrio, alteração da sensibilidade, entre outras. Cerca de um terço dos sobreviventes de AVC podem ficar com défice cognitivo e muitos com dor crónica. É importante um plano de reabilitação adaptado às necessidades de cada doente.
Não menos importante é a prevenção. O AVC pode ser evitado em cerca de 80% dos casos. Temos de prevenir um primeiro evento, mas também evitar a recorrência. Apesar de alguns fatores não serem passiveis de intervenção como a genética, a idade ou o género, importa controlar a pressão arterial, tratar a diabetes e a dislipidemia; adotar uma alimentação adequada, pobre em gorduras e sal; praticar exercício físico regularmente; não fumar (fumar duplica o risco de ter um AVC), nem consumir bebidas alcoólicas, estas são formas de reduzir o risco de sofrer um AVC. Em muitos casos, a alteração dos hábitos do dia-a-dia não é suficiente, sendo obrigatório iniciar terapêutica farmacológica.
Sabemos que o peso do AVC irá aumentar nas próximas décadas devido ao aumento do número de pessoas com idade igual ou superior a 60 anos, que se prevê aumente 23% na Europa até 2030. Na tentativa de diminuir as consequências deste envelhecimento da população a sociedade europeia de AVC (ESO- European stroke organization) e a Stroke Alliance for Europe -SAFE, uma organização não governamental de doentes com AVC elaboraram, em conjunto, o Plano de ação para o AVC na Europa. Este Plano estabelece objetivos para cada um dos domínios de intervenção no AVC: prevenção primária, organização de cuidados no AVC, cuidados agudos no AVC, prevenção secundária, reabilitação, avaliação de resultados e vida pós-AVC. Foram definidos 4 objetivos para 2030:
- Reduzir em 10% o número absoluto de AVC na Europa.
- Tratar pelo menos 90% de todos os doentes que sofrerem um AVC na Europa numa unidade de AVC dedicada, como primeiro nível de cuidados.
- Ter planos nacionais para o AVC que abranjam toda a cadeia de cuidados, desde a prevenção primária até à vida pós-AVC.
- Implementar totalmente estratégias nacionais para intervenções multissetoriais de saúde pública para promover e facilitar um estilo de vida saudável e reduzir os fatores ambientais (incluindo a poluição atmosférica), socioeconómicos e educacionais que aumentam o risco de AVC.
No final de agosto de 2021 Portugal, na pessoa da Dra Graça Freitas, num conjunto de 55 países europeus, assinou o acordo em que se compromete a promover o desenvolvimento e a implementação de políticas públicas eficazes, integradas, sustentáveis e baseadas na evidência para a prevenção e tratamento do AVC na Europa, de modo a atingir os objetivos delineados.
Este compromisso abre o caminho para melhorar os cuidados prestados aos doentes com AVC em Portugal.