

No início de julho, as atenções dos aficionados por moda estiveram postas no Porto. Depois de ter sido cancelado no ano passado por falta dos apoios necessários, o Portugal Fashion regressou à cidade Invicta, de 1 a 5 de julho, para celebrar os 30 anos do evento. Distribuído por vários pontos da Região Norte — Porto, Matosinhos, Gondomar, Douro e Famalicão — o evento contou com a participação de 67 marcas, que envolvem um total de 72 designers, num alinhamento que espelhou a diversidade estética, cultural e geográfica da moda contemporânea — de jovens talentos nacionais a nomes internacionais em ascensão, passando por colaborações artísticas e diálogos intercontinentais.
Novos talentos que floresceram no Portugal Fashion

Concurso Bloom
Em Matosinhos, a antiga fábrica de conservas Vasco da Gama acolheu o pulsar criativo do BLOOM, espaço dedicado à nova geração de designers. O programa incluiu o ESAD Showcase (show & exhibition), com 25 coleções assinadas por 28 criadores emergentes, que apresentaram narrativas de identidade e reflexão. A programação do BLOOM contemplou um total de 38 coleções, com 3 apresentações do BLOOM Incubator, 7 propostas finalistas do Concurso BLOOM powered by Salsa Jeans e 3 participações integradas no CANEX.
Com coordenação da dupla Marques’Almeida, o Incubator destacou-se como a nova rubrica de aceleração de talentos do BLOOM, que inclui os designers Maria Carlos Baptista (numa apresentação especial com a fadista Carminho), Arieiv for Lo Siento e Veehana, nome que se estreou em absoluto no calendário do evento. Os três nomes emergentes serão agora acompanhados no decorrer dos próximos meses, tendo em vista a afirmação e profissionalização das suas marcas.

Enzo Peres Perederko
O jovem designer Enzo Peres Perederko foi o grande vencedor da edição de 2025 do BLOOM PWD by Salsa Jeans. Natural de São Paulo, com ascendência espanhola e ucraniana, Enzo formou-se recentemente em Design de Moda pela Escola Superior de Artes e Design (ESAD), em Matosinhos, e apresentou no BLOOM a coleção “Genesis 01”, um trabalho que explora a desconstrução da alfaiataria clássica para dar origem a propostas andróginas, versáteis e profundamente ligadas à ideia de identidade e origem. O prémio inclui um estágio profissional remunerado de seis meses na Salsa Jeans, uma pós-graduação em Fashion Management na Católica Porto Business School, mentoria técnica e jurídica, e apoio de comunicação pela Showpress, bem como um incentivo financeiro de 2450 euros para o desenvolvimento da próxima coleção e a possibilidade de continuar a apresentar o seu trabalho no Portugal Fashion.
Também distinguida pelo júri do BLOOM 2025, a designer Vânia Oliveira recebeu uma menção honrosa pela coleção apresentada sob a marca Vaolms, evidenciando-se pela sensibilidade estética e abordagem conceptual. Esta distinção inclui uma residência criativa de três meses na Salsa, um voucher de formação executiva na Católica Porto Business School e assessoria de imprensa especializada pela Showpress.
Dos 29 designers, 5 que se destacaram
No calendário principal, foram apresentadas coleções de 29 designers, onde se incluem 5 criadores africanos integrados na plataforma CANEX e 2 designers oriundos da Arábia Saudita. De David Catalán a Pé de Chumbo, deixamos-lhe mais detalhes de cinco coleções que nos surpreenderam nesta edição:
David Catalán

Créditos: Ugo Camera
Foi em Matosinhos, na Casa da Arquitectura, que David Catalán decidiu apresentar a sua coleção AW25/26. “Careto” explora a dualidade entre a robustez e a sofisticação. Inspirada no universo dos Caretos de Trás-os-Montes, as peças desenvolvem-se a partir de contrastes — formas clássicas e estruturadas, realçadas por detalhes subtis. A paleta de cores reflete uma ligação com o mundo natural, evocando simultaneamente o universo fantástico dos Caretos.
O designer combinou materiais com texturas refinadas, criando um jogo entre a robustez e uma elegância discreta, evocando tanto o rude como o delicado. Cada peça procura o equilíbrio — streetwear com um toque de alfaiataria — resultando numa proposta inesperada e intemporal.
Miguel Vieira

Créditos: Ugo Camera
Para a estação primavera-verão 2026, Miguel Vieira propõe uma coleção onde a elegância se veste de preto e floresce na quietude da noite, recorrendo a uma paleta monocromática. Um lado mais poético e um luxo sofisticado são inspiração para um jardim nocturno onde cada flor se revela nos detalhes.
Na proposta masculina, as peças estruturadas e de corte preciso ganham vida com aplicações bordadas em missangas negras que formam camélias e jarros em pele — elementos que remetem a uma natureza reinterpretada com rigor contemporâneo. Sapatos adornados com berloques e colares em malha metálica preta acrescentam um toque de rebeldia elegante, mantendo-se sempre dentro do registo de sobriedade refinada.
Para senhora, o designer propõe coordenados onde o movimento é sugerido por fitas de cetim que se cruzam delicadamente sobre silhuetas esguias e tecidos fluidos. A sensualidade surge de forma subtil, numa celebração da feminilidade serena e contida.
“Uma Noite no Jardim”, apresentada no Museu do Carro Eléctrico, no Porto, é uma afirmação estética que reinterpreta uma noite de verão, entre sombras e flores, numa visão elegante.
NOPIN

Créditos: Ugo Camera
A coleção de NOPIN para SS26, “Soundwave”, retrata ondas sonoras como forma de expressão invisível e poderosa, onde cada look representa uma frequência emocional — dos graves densos aos agudos suaves — traduzida em ondas, texturas e brilho. A manipulação dos tecidos simula os movimentos das vibrações sonoras.
Cada peça representa uma frequência emocional, em que os graves são peças estruturadas, os tweeds e as cores castanho e preto; os agudos são as organzas e os tons claros como o rosa-claro e o pérola; e a distorção e eco são os tecidos brilhantes, metalizados e o fúchsia em apontamentos.
A paleta de cores é reinterpretada, com tons azul-pato e preto para sons graves e intensos, o mostarda e castanho para tons médios e encorpados, turquesa-claro, rosa-claro e pérola brilhante para frequências leves e etéreas, o prateado metalizado para som digital e apontamentos de rosa-fúchsia para distorções e destaques sonoros.
A coleção tem como característica a representação literal de frequências sonoras através das nervuras em ondas; o acolchoado em ondas cruzadas com pérolas representa a intersecção de sinais sonoros, manipulações criadas no ateliê da marca.
Susana Bettencourt

Créditos: Ugo Camera
Desconstruindo as Origens, a coleção “NO MEU ERRO, EU BRILHO” de Susana Bettencourt é mais do que uma coleção: é um manifesto pela resiliência, uma ode ao erro como força criativa absoluta. Neste trabalho, a designer mergulha na essência da sua identidade criativa. Desconstrói os códigos geométricos e a linguagem gráfica que há muito definem a marca para explorar o que está por baixo — questiona o que o mundo vê, o que lhe foi legado e como tudo isso evolui com o tempo. A tradição cruza-se com a inovação: técnicas de legado como a renda de bilros e o croché entram em diálogo directo com o jacquard digital e a precisão do design gráfico. O resultado é um terreno híbrido onde a memória artesanal colide com a invenção algorítmica — onde o erro deixa marcas visíveis e se transforma em método.
Nesta estação, duas grandes novidades marcam a coleção: as pequenas malas em croché, feitas em parceria com o Lar e Centro Social de Vila Boa de Quires — uma colaboração intergeracional que valoriza o saber das mãos experientes, promovendo trocas criativas com enorme significado. E, finalmente, a tão aguardada chegada da linha de sandálias Susana Bettencourt, desejada há muito, que faz agora a sua estreia — algumas das peças pisaram a passerelle, trazendo o espírito da marca até aos pés.
Pé de Chumbo

Créditos: Ugo Camera
Nesta edição do Portugal Fashion, a Pé de Chumbo, marca fundada pela designer Alexandra Oliveira, apresentou um crossover de coleções, que incluiu inverno 25/26, já apresentada em showroom, e algumas peças da coleção para o verão 26, que será apresentada em setembro (showroom em Milão, Paris e Arábia Saudita).
É uma apresentação de peças que definem bem o conceito e as características que identificam a Pé de Chumbo. Em tons de preto, prata, ouro e carmesim, a coleção apresenta principalmente vestidos que renasceram na mesma forma com novas texturas e as mesmas texturas em outras formas.

Créditos: Ugo Camera
A coleção foi acompanhada por um ensamble de músicos, com voz de Ana Luísa Costa, numa alusão ao fado.
Um espaço para conversas e conhecimento sobre moda

INVESTING INNOVATION SCALEUPS. Créditos: José Fernandes
A programação foi ainda marcada pelo Portugal Fashion Summit, que percorreu toda a semana como um eixo de pensamento e negócio transversal. Sob o mote “Think, Show and Connect”, o Summit reuniu criadores, marcas, investidores, scaleups e startups em sessões distribuídas entre o Douro, Matosinhos, Famalicão e o Porto. No total, destacaram-se oito sessões de conversas temáticas, uma pitch competition, um tour industrial e um almoço de networking, envolvendo 35 experts profissionais, entre oradores, moderadores e líderes empresariais envolvidos.
O ponto alto decorreu no Museu do Carro Elétrico, com apresentações da multinacional Metyis, mesas-redondas sobre e-commerce, inovação digital e crescimento data-driven, e uma pitch competition com startups emergentes, que consagrou a Rent Your Bag (RYB) como grande vencedora.

TALK INSIDE METYIS. Créditos: José Fernandes
Para além da reflexão estratégica sobre o presente e o futuro da moda, o Portugal Fashion lançou também a lista “Innovation Scaleups to Watch in Fashion, Beauty & Lifestyle”, composta pelos projetos Circlo, CareToBeauty e SkyPro, reforçando o seu papel como agente ativo na transformação da indústria criativa em Portugal e na internacionalização da moda nacional.