Cátia Silva, Psicóloga Clínica e Supervisora pela Ordem dos Psicólogos Portugueses, alerta para os perigos desta pressão estética e deixa-lhe algumas dicas para reforçar a autoestima
Com a chegada do verão, chega também um dos discursos mais repetidos, e talvez dos mais perigosos: “Já alcançaste o teu corpo de verão?”. Redes sociais, campanhas publicitárias, conversas de café… tudo parece girar em torno da necessidade de emagrecer, tonificar e “ser fit”. Como se o verão fosse uma espécie de prémio, reservado a quem cumpre determinado padrão físico. Contudo, no meio desta corrida ao “corpo certo”, esquecemo-nos de algo essencial: o impacto psicológico desta pressão constante de quem vive à procura de um corpo de verão.
Mas, quem dita estas “regras”? A ideia de que um corpo ideal é magro, firme, sem celulite, sem barriga é sustentada por estereótipos promovidos pela indústria da moda, do fitness e, mais recentemente, pelas redes sociais. Estas plataformas têm vindo a reforçar um padrão inatingível para a maioria das pessoas, criando um ciclo de comparação, frustração e culpa.
Cátia Silva, Psicóloga Clínica e Supervisora pela Ordem dos Psicólogos Portugueses
Cátia Silva, Psicóloga Clínica e Supervisora pela Ordem dos Psicólogos Portugueses, refere que é neste contexto que nasce a pressão estética: “Há uma exigência social disfarçada de autocuidado, que associa o valor pessoal à aparência física”. Não é só sobre querer sentir-se bem, é sobre sentir que, se não corresponder ao modelo dominante, será invisível, inadequada, ou excluída. Porém, esta pressão constante destrói o valor que atribui a si própria, bem como a imagem que tem de si. “Quando estas dimensões ficam reféns de padrões externos, perdemos autonomia sobre a forma como nos vemos e como nos sentimos. Muitas mulheres vivem o corpo como um projeto inacabado” reforça a psicóloga.
Há quem evite a praia, o espelho ou até o convívio social por sentir que o seu corpo “não está pronto”. Mesmo depois de atingirem determinado peso ou forma física, sentem que nunca é suficiente, que existe sempre algo a “melhorar”. E isso tem um impacto gigante na saúde mental.
“A investigação mostra que, baixos níveis de autoestima, estão mais suscetíveis à pressão estética e consequentemente a um maior risco de desenvolver sintomas de ansiedade e depressão. Por isso, trabalhar na construção de um autoconceito positivo e realista, assente em múltiplas dimensões da identidade, é essencial para a saúde psicológica” revela Cátia.
A pressão estética no verão não é uma questão superficial, é uma questão de saúde mental. Enquanto psicóloga, Cátia Silva tem as ferramentas certas para saber lidar com esta pressão, mas também ela, enquanto mulher e num momento mais frágil da sua vida, conheceu de perto as armadilhas emocionais escondidas por detrás da balança e do espelho.
“Em 2018 engravidei e fiquei desempregada, foi uma fase desafiante em que me senti sem chão. Mais tarde, fui convidada para alguns projetos, fiz formações em paralelo e agarrei tudo o que foi aparecendo. No início de 2022 percebi que estava perto de um burnout. Todo o stress emocional e o excesso de trabalho que vivi nesses últimos anos, a par da maternidade, levaram-me a descuidar a minha saúde física e mental. Engordei bastante e comecei a sentir a pressão da sociedade por não corresponder a um suposto padrão. As pessoas olhavam para mim e comentavam, a roupa estava mais justa, os meus movimentos mais limitados e percebi que estava na altura de fazer algo por mim. Depois de implementar algumas mudanças, decidi fazer uma cirurgia bariátrica que me ajudou a perder 33kgs” conta.
Cátia hoje percebe que o problema nunca foi o corpo, mas sim a mentalidade e tudo aquilo que se atribui à imagem física. Porque, mesmo depois do corpo mudar, se a mente continuar presa a padrões de autocrítica, vergonha e comparação, a sensação de insuficiência não desaparece. “A transformação mais poderosa não acontece no espelho, acontece na forma como se sente consigo, na liberdade de ocupar e amar o seu corpo com autenticidade. Não é o corpo que precisa de se preparar para o verão, é a mente que precisa de se libertar da exigência de estar sempre a corresponder a expetativas impostas pela sociedade” conclui a psicóloga.
Então, como podemos reforçar a autoestima para enfrentar a pressão estética?
Antes de mais, é importante lembrar que este é um processo gradual e pessoal, no entanto, existem estratégias que podem fazer a diferença, Cátia Silva revela algumas:
1 – Filtre os conteúdos digitais que consome
Diminua o tempo de exposição a contas que possam promover corpos irreais e opte por seguir perfis que valorizem a diversidade corporal e a saúde mental.
2 – Pratique a autocompaixão
Observe o seu diálogo interno. Tente substituí-lo por uma linguagem mais compreensiva e cuidadosa. Fale consigo da mesma forma que falaria com alguém de quem gosta.
3 – Valorize qualidades não físicas
Faça um exercício regular de reconhecimento das suas capacidades, conquistas e traços pessoais, sem referência à sua aparência.
4 – Crie rituais de autocuidado emocional
Inclua na sua rotina, práticas como escrita terapêutica, mindfulness, pausas conscientes ou técnicas de relaxamento. Estes momentos ajudam a reconectar consigo própria.
5 – Procure apoio especializado
A intervenção psicológica vai ajudar a questionar as suas crenças sobre o corpo, a sua identidade e o seu valor. Permite também que perceba de onde vem a sua autocrítica e como se formou a sua relação com o seu corpo.