

Tânia Gaspar, Psicóloga Clínica e da Saúde e coautora do livro “A Arte de Construir o Futuro”, em entrevista
Sente-se emocionalmente exausta, pessimista e afastada do trabalho e de outros aspetos importantes da sua vida? Pode estar a sofrer um burnout. Considerado um risco psicossocial do trabalho, que resulta de um stress laboral crónico, o burnout está associado à diminuição do desempenho, da iniciativa e da proatividade e surge intimamente ligado à doença física, saúde mental, presentismo e absentismo. Tânia Gaspar, Psicóloga Clínica e da Saúde e coautora do livro “A Arte de Construir o Futuro”, falou com a LuxWoman sobre este problema que, em 2022, segundo o STADA Health Report, afetava mais de metade dos portugueses (57%).

Tânia Gaspar, Psicóloga Clínica e da Saúde e coautora do livro “A Arte de Construir o Futuro”
O que é que pode desencadear um burnout?
Os riscos para a saúde mental no trabalho que podem levar ao burnout são a subutilização de competências ou falta de qualificações para o trabalho; Cargas de trabalho ou ritmo de trabalho excessivos, falta de pessoal; Horários longos, pouco sociais ou inflexíveis; Falta de controlo sobre a conceção do trabalho ou a carga de trabalho; Condições físicas de trabalho inseguras ou precárias; Cultura organizacional que possibilita comportamentos negativos; Apoio limitado de colegas ou supervisão autoritária; Violência, assédio ou intimidação; Discriminação e exclusão; Função pouco clara; Subpromoção ou sobrepromoção; Precariedade laboral, remuneração inadequada ou investimento insuficiente na progressão na carreira; e Exigências conflituosas casa/trabalho.
Existem diferentes tipos?
O Modelo de Maslach (2001) defende três componentes do burnout: a exaustão, o cinismo e a falta de eficácia. Assim, propõe padrões relacionados com diferentes perfis, nomeadamente o burnout, quando a pessoa está afetada nas três componentes, o engagement, precisamente o contrário do primeiro, e mais três perfis nos quais a pessoa apenas está afetada num dos componentes.
A primeira dimensão – exaustão emocional – manifesta-se sob a forma de sentimentos e de sensação de burnout devido aos esforços psicológicos efetuados no trabalho. É também descrita em termos de cansaço, fadiga e enfraquecimento e os sujeitos que manifestam este tipo de sentimentos revelam dificuldades de adaptação ao ambiente de trabalho, uma vez que não dispõem de energia emocional suficiente para fazer face às tarefas laborais.
Já a dimensão cinismo ou despersonalização – a componente interpessoal do burnout – é definida como uma resposta de distanciamento, indiferença e despreocupação em relação ao trabalho que está a ser realizado e/ou às pessoas que o recebem. Traduz-se em atitudes e comportamentos negativos ou inadequados, irritabilidade, perda de idealismo e evitamento interpessoal, geralmente em relação aos utentes, doentes e/ou clientes.
A última dimensão, a diminuição da realização pessoal, reflete-se numa autoavaliação profissional negativa e em dúvidas sobre a capacidade de desempenhar o trabalho de forma eficaz, bem como numa maior tendência para avaliar negativamente os resultados. Reflete-se na diminuição da produtividade e das capacidades, numa baixa moral, tal como numa menor capacidade de lidar com a situação.
O burnout é uma combinação de exaustão crónica e atitudes negativas em relação ao trabalho com consequências prejudiciais para a saúde e produtividade dos trabalhadores.
Quais os sinais de alerta?
Podem ser identificados diversos fatores indutores de stress e burnout laboral que influenciam a saúde dos profissionais e que têm impacto na saúde da organização e respetivos resultados. Divididos em três categorias, deve estar atenta aos seguintes sintomas físicos, emocionais e comportamentais:
- Sintomas físicos: Fadiga e falta de energia, doenças frequentes, dores de cabeça ou musculares e alterações nos hábitos de sono ou apetite;
- Sintomas emocionais: Sentimento de fracasso e insegurança; Sentir-se impotente, preso e derrotado; Desapego e sentir-se sozinho no mundo; Perda de motivação; Aumento das perspetivas cínicas e negativas; Diminuição da satisfação e sensação de dever cumprido.
- Sintomas comportamentais: Retirada de responsabilidades; Isolar-se dos outros; Procrastinar e demorar mais tempo a fazer as coisas; Usar alimentos, drogas ou álcool para lidar com as situações e eventos; Sentir-se frustrado; Faltar ao trabalho ou chegar tarde e sair mais cedo.
Que formas de prevenção existem?
Com todo o conhecimento sobre o burnout torna-se fundamental Repensar e Reinventar o Trabalho. É possível encontrar soluções e responder de forma proativa para aumentar o bem-estar dos colaboradores e impactar positivamente as organizações.
Criar significado
Um dos antídotos mais potentes para o burnout é o significado no trabalho. Organizações e líderes podem alinhar as paixões das pessoas com as suas responsabilidades tanto quanto possível, e também lembrá-las de como o seu trabalho contribui para os colegas de trabalho e para a visão da organização como um todo. Para além disso, os líderes podem garantir que estão a oferecer oportunidades de crescimento e caminhos para o desenvolvimento da carreira. Ainda, podem também fornecer reconhecimento e apreço por cada trabalhador, reforçando a importância de cada pessoa, bem como a sua contribuição única.
É importante o poder do tempo fora do trabalho para a satisfação no mesmo. Quando as pessoas são mais felizes nas suas atividades longe do trabalho, tendem a perceber maior alegria dentro dele também. Assim, as organizações podem garantir que as pessoas tenham flexibilidade suficiente para aproveitar o tempo fora do horário laborar e também evitar uma cultura de excesso de trabalho, garantindo que os trabalhadores possam fazer uma pausa nos fins de semana ou férias sem estigma negativo.
Criar pertença
As pessoas anseiam por conexões e atualmente não as estão a conseguir, nem dentro nem fora do trabalho. O estudo Deloitte Workplace Intelligence descobriu que 24% das pessoas estão sozinhas, que 22% não têm se quer um amigo no trabalho e 69% estão insatisfeitas com a quantidade de conexão social que têm no trabalho.
Deste modo, as organizações podem criar oportunidades para que as pessoas se reúnam em grupos de afinidade, grupos de interesse comuns e trabalhem além das fronteiras dos departamentos. Happy hours ou trabalho voluntário colaborativo são ótimas opções para team building, mas ainda mais poderoso é criar um sentimento de pertença através de projetos compartilhados e objetivos comuns, onde as pessoas podem trabalhar juntas para inventar algo novo, resolver um problema ou aprender em conjunto.
Criar liderança
Uma das principais razões pelas quais as pessoas deixam uma organização é por causa do seu líder. Os líderes têm um impacto significativo na experiência de trabalho. As organizações devem oferecer desenvolvimento para os líderes para que eles possam evoluir as suas abordagens para o trabalho híbrido ou novas formas de trabalhar e modelar boas práticas onde eles cuidam do seu próprio bem-estar.
Os líderes também são mais eficazes quando comunicam bem, com transparência e clareza, mesmo quando não conseguem fornecer certeza. E os melhores líderes inspiram e capacitam as pessoas. Paralelamente, contribuem para experiências positivas no trabalho quando demonstram empatia e compaixão.
A liderança exige cada vez mais trabalho emocional, pelo que apoiar os líderes e desenvolver as suas competências é bom para eles próprios e para todos os trabalhadores afetados pelas suas funções.
Criar suporte
Além de conectar pessoas com trabalho significativo, colegas e líderes, as organizações também podem reduzir o burnout, garantindo que políticas, práticas, processos e locais apoiem as pessoas.
As organizações devem garantir que o trabalho seja distribuído de forma equitativa e razoável, e que os processos apoiem a realização de tarefas eficientes e a resolução de problemas de forma participativa e construtiva. Também é importante que os salários, benefícios e políticas apoiem as pessoas de forma abrangente. Além disso, os locais de trabalho devem oferecer uma experiência positiva com muita variedade de lugares para realizar o trabalho, desde o trabalho focado e colaborativo até os esforços de aprendizagem, rejuvenescimento e socialização, e a oportunidade de escolha também.
Criar perspetiva e significado
Outra chave para reduzir o burnout é gerir a expetativa e o pensamento sobre o trabalho. O trabalho é uma oportunidade para expressar talentos e competências e contribuir para a comunidade. Porém, é importante estabelecer que nenhum trabalho é ideal, pelo que sempre haverá coisas no trabalho, pessoas e tarefas que o colaborador gosta mais e gosta menos. Faz tudo parte do todo. Não importa o quanto se goste de um trabalho, o trabalhador não será feliz o tempo todo. É natural experimentar refluxos e fluxos nos níveis de satisfação.
Se as expetativas forem muito altas, com pressão para estar num papel ideal e feliz todo o tempo, será impossível atingi-las totalmente, e pode resultar em desmotivação, depressão e burnout. É melhor ser realista e entender que o trabalho terá altos e baixos e suas próprias temporadas.
Como podem as pessoas próximas ajudar?
O melhor é estarmos atentos e disponíveis para os outros, ajudá-los a priorizar um equilíbrio entre os pilares da vida, desafiar a pessoa para desenvolver atividades que a ajudem a afastar dos fatores mais tóxicos. Numa situação moderada ou grave em termos sintomáticos, além do apoio de amigos e família, será fundamental procurar ajuda de um psicólogo de modo a conseguir-se gerir o stress pessoal e laboral.

Livro “A Arte de Construir o Futuro”
Em conjunto com Margarida Gaspar de Matos, Gina Tomé e Marina Carvalho, escreveu o livro “A Arte de Construir o Futuro”. Qual foi a inspiração para o mesmo?
Este livro não é tanto para ajudar os profissionais no seu dia a dia com os seus alunos ou doentes, nem para os ajudar enquanto pais que muitos são. É, pelo contrário, para aumentar a consciência de que o modo como nos cuidamos como pessoas tem uma enorme influência sobre o tipo de profissionais que poderemos ser. Esta obra é, pois, sobre vós, para vos ajudar a refletir sobre as vossas pessoas e desafios profissionais, em especial na área da saúde e da educação, dando pistas como otimizar a vossa vida e com isso aumentar as possibilidades de se tornarem num profissional mais envolvido, flexível e feliz e, por tal, aumentar o impacto na esfera pessoal e laboral.
A quem se destina?
O nosso livro “A Arte de Construir o Futuro” (PACTOR) é um Guia para Profissionais de Saúde e de Educação, mas também para todos os profissionais e pais que partilham diariamente os aliciantes desafios de ajudar a construir futuros.