

Na reportagem do mês de outubro, edição que se encontra atualmente em banca, a Luxwoman traz-lhe um caso de cancro da mama na fase de gravidez. Um testemunho forte, de resiliência, força e coragem.
Ana Rita Freitas, psicóloga, explica-nos em entrevista o impacto psicológico de um diagnóstico desta dimensão.
Que impacto psicológico tem um diagnóstico de cancro da mama na gravidez?
O diagnóstico de cancro da mama traz a si inerente um peso emocional muito significativo. Se a esta situação, adicionarmos uma gravidez, certamente que será fácil para todos nós compreender o quão dramático será não só em termos físicos como emocionais. Quando uma mulher é diagnosticada com cancro da mama durante a gravidez, as opções terapêuticas serão mais complexas uma vez que por um lado irá querer receber o melhor tratamento para a doença e por outro lado irá querer proteger o bebé. Esta dualidade de preocupações e a complexidade das emoções inerentes a todo o contexto, fazem com que inegavelmente um cancro da mama na gravidez tenha um impacto extremamente significativo na mulher.
Pode afetar a gravidez em si? Porquê?
A estabilidade emocional é essencial ao longo de toda a vida, mas no período de gravidez, este é um desafio ainda mais complexo. A oscilação hormonal ao longo da gravidez provoca alterações a nível físico e emocional. Efetivamente, aquilo que acontece no corpo da mulher reflete-se no seu comportamento e no seu bem-estar. O facto de estar numa situação de cancro ao longo da gravidez pode fazer com que as emoções fiquem ainda mais desreguladas e que isso afete a mulher no seu todo. A alegria, a ansiedade, o medo, a insegurança e a angústia em simultâneo provocam uma instabilidade muito significativa.
Que cuidados é necessário ter ao fazer o diagnóstico, para que a mulher em causa não fique demasiado ansiosa, por causa do bebé?
Ao longo da minha prática profissional tenho vindo a debater este assunto com alunos de medicina e médicos de diversas especialidades. Acredito e defendo que a comunicação deveria ser cada vez mais debatida e aprofundada ao longo da formação académica dos profissionais de saúde. Efetivamente, nem todos os profissionais sabem como podem e devem comunicar adequadamente com os seus pacientes, incluindo em situações de diagnóstico de cancro. Ser empático, assertivo e responder tranquilamente às dúvidas dos pacientes é essencial. Se soubermos como comunicar adequadamente, a mensagem chegará e será acolhida de forma muito mais funcional e adaptativa. Tudo o que nós dizemos enquanto profissionais de saúde deve ser ponderado e com um propósito claro. É crucial passar a mensagem de que aquela mulher não estará sozinha e que aqueles profissionais de saúde irão acompanhá-la ao longo do seu processo e da sua caminhada.
O apoio da família e dos amigos é fundamental?
O Suporte Social é determinante quer para a receção e integração do diagnóstico, quer para o acompanhamento ao longo do processo de tratamento. Por vezes é difícil para a família e amigos saber como gerir toda a situação e ajudar da melhor forma. A mensagem essencial a passar para familiares e amigos é para não se sentirem culpados e que por vezes o maior apoio que podem dar é ouvir e estar presente. Temos dois ouvidos e uma boca. Todos nós devemos refletir sobre este “pormenor”.
Para além disto, é importante referir que existem alguns grupos de autoajuda para familiares de pessoas com cancro que procuram ajudar estas pessoas a descobrirem novas formas de estar e atuar durante o processo de doença e tratamento através de estratégias práticas de relacionamento interpessoal.
Desta forma, a família e os amigos são uma parte muito significativa nos cuidados de saúde uma vez que se torna uma fonte de apoio fundamental.
Há tendência para algum isolamento?
O processo de diagnóstico e tratamento de um cancro da mama é complexo e abrange, em si, inúmeras etapas. A tendência para o isolamento é evidente e inegável e pode ocorrer ao longo de todas essas etapas. É normal que a mulher se sinta desmotivada para as interações sociais e que devido às suas dúvidas e medos procure se isolar. Devemos respeitar, mas de forma ponderada procurar incentivar a pessoa a criar uma nova rotina, constituída por momentos sozinha e momentos com outras pessoas significativas de forma a equilibrar o seu dia a dia.
Este diagnóstico pode resultar em casos de algumas patologias, como a depressão, por exemplo?
Sim. A depressão, e outras patologias a nível mental podem surgir face a um diagnóstico tão desafiante como este. Se considerar que a sua saúde mental está comprometida, procure ajuda. Não hesite.
O nosso poder de mudança incide no nosso comportamento. É nele que podemos intervir e é com essa intervenção que poderemos encarar e alterar todas as nossas circunstâncias.
E em casos de auto-estima e de angústia? Aumentam por estar grávida? Mais do que se não estivesse?
Tal como referido anteriormente, a gravidez irá ser encarada como uma agravante no processo e por esse motivo, é frequente que a ansiedade (excesso de futuro) se agrave. Refiro ansiedade e não angústia porque tendencialmente a angústia está associada a um excesso de passado e a ansiedade a um excesso de futuro. Numa situação de cancro da mama na gravidez há dúvidas, medos e receios em relação ao futuro. O amanhã é sombrio e incerto.
Nos dias de hoje os problemas associados à autoestima, à angústia e à ansiedade são infelizmente cada vez mais frequentes não só em situações de cancro como na ausência delas. A nossa saúde mental tem vindo a ser desafiada e cabe-nos a nós o papel de a valorizar e de perceber que a saúde é de dentro para fora. Muitas das doenças físicas têm na base questões emocionais e enquanto não nos libertarmos do “lixo emocional” que fomos acumulando ao longo da vida, não conseguiremos estar bem fisicamente e mentalmente. Por vezes o passado é uma “mochila pesada” que carregamos às costas e quando dentro dessa mochila ainda acrescentamos um diagnóstico de cancro, o peso triplica. Procurar ajuda profissional de um psicólogo pode ser essencial.
Tem conhecimento de algum caso que possa falar/ilustrar?
Efetivamente, já acompanhei alguns casos de cancro e de gravidez, mas nunca de forma simultânea. O que observo na minha prática clínica é uma valorização cada vez maior da saúde mental e um aumento colossal na procura de ajuda profissional. Cada caso é particular e por esse motivo a terapia deve ser delineada em concreto para aquela pessoa. É um “vestido feito à medida da pessoa” e que tem em conta as suas características tão únicas e especiais.
Este diagnóstico pode afetar, de alguma forma, a vinculação mãe/bebé?
O processo pós-parto é um desafio para todas as mamãs. Por vezes, ocorrem até situações de “depressão pós-parto”. A vinculação entre mãe e filho/a é única e varia de caso para caso. Por esse motivo, não é possível prever à partida se uma situação de cancro na gravidez pode afetar diretamente a vinculação mãe/bebé. Acredito que em alguns casos isso ocorra, porém, certamente que também há outros nos quais a situação pode fazer com que mãe e bebé criem uma vinculação ainda mais segura e especial.
Que tratamento pode ser feito, em termos psicológicos? Que terapias?
Frequentemente, em casos de diagnóstico de cancro, os pacientes são incentivados ou até mesmo encaminhados para acompanhamento psicológico. Acredito que a terapia pode ser crucial e determinante nos resultados e na recuperação. Uma das “ferramentas de trabalho”, como gosto de designar, que utilizo e que acho muito relevante nestes casos é o EMDR (Dessensibilização Sistemática por Movimentos Oculares).
A terapia permitirá processar de forma mais adequada e funcional a experiência que está a ser vivida e a superar os inúmeros desafios que se colocarão nos diversos domínios da vida.
Como pode esta mulher ultrapassar este quadro de ansiedade ou depressão, tendo em conta que depois há todo um tumulto de emoções por causa do bebe? Há que ter cuidado com o tratamento de eventuais patologias e não descurar nada?
Sim. Todas as mulheres nesta situação devem ser acompanhadas a nível multidisciplinar, ou seja, por profissionais de diversas áreas que vão dar resposta às suas inúmeras necessidades. Se o acompanhamento for adequado e contínuo, é possível ultrapassar a dificuldade emocional que a paciente se encontra a viver. Quanto mais cedo for acompanhada, melhor serão os resultados e maior estabilidade apresentará ao longo de todo o processo e após o mesmo. A saúde mental é uma caminhada na qual a/o terapeuta será o GPS da cliente.

Ana Rita Freitas
Ana Rita Freitas – Psicóloga
Psicologia
Neuropsicologia
Hipnose Clínica
EMDR
Tlf. 915514345