Numa sociedade onde tanto se debatem os diversos vieses de género, esquecemo-nos muitas vezes dos que existem, também, na saúde. Face aos homens, as mulheres demonstram défices na doença, na saúde, no bem-estar e na dor. Não, não é aquilo a que muitos, errada e apressadamente, rotularão de “maior fragilidade” ou até mesmo “pieguice”. É dor daquela que dói, mesmo, mas à qual muitas mulheres já se habituaram e resignaram, aceitando uma convivência pacífica e normalizada.
Segundo o estudo “Saúde e bem-estar das mulheres – um potencial a alcançar”, a mais recente pesquisa do Projeto Saúdes, apoiado pela Médis, 33% das mulheres entre os 40 e os 74 anos sofrem de dor crónica, prolongada e recorrente. Nos homens da mesma idade, a incidência é apenas de 19% (quase metade!). Em 30% dos casos, esta dor aparece sem qualquer diagnóstico de doença e em 46% das vezes, antes da menopausa se instalar. Não é (só) da idade ou (só) da doença. Pura e simplesmente dói, às mulheres, de forma mais intensa e mais frequente do que aos homens. Apesar disso, na mesma faixa etária, 22% das mulheres dizem que a sua dor já foi desvalorizada por um profissional de saúde vs. 13% da amostra global do estudo (18-74 anos).
Surpreendente neste estudo foi, também, descobrir a forma como muitas mulheres desvalorizam a dor que sentem e que, em muitos casos, as acompanha há vários anos. Nas palavras de uma das mulheres entrevistadas para o estudo lia-se: “eu já estou tão habituada a dores, aos 16 anos soube que tinha este problema. (…) a partir daí, foi aprender a viver com dores”.
Por outro lado (ou talvez como consequência), à dor física junta-se a psicológica, com 73% das mulheres a reconhecerem-se ansiosas e apenas 10% a afirmarem a plena felicidade. Assim, as patologias não diagnosticadas acabam por se refletir na saúde psicológica, chamando atenção e despertando um alerta necessário. Ansiedade é fator crucial na vida de centenas de mulheres. O que nos pode aliviar é que são muitas as que se apercebem que vivem com essa característica diariamente, o que, por si, é um sinal positivo.
Seja porque a negligenciamos, porque é difícil atuar sobre a sua causa, porque faltam terapêuticas no âmbito da saúde pública, ou até por relutância na toma continuada de analgésicos, a dor de muitas mulheres portuguesas parece continuar a ser inadequadamente tratada e/ou desvalorizada. Esta acomodação e normalização do sofrimento por parte das mulheres é algo que é de todos e que, como sociedade, devemos combater e tentar mudar. Não, a dor não é normal e muito menos temos de aceitar viver com ela. A dor não tem se ser uma condição normal de ser mulher.
Artigo de Opinião de Maria do Carmo Silveira
Responsável de Orquestração Estratégica, Ecossistema de Saúde Médis
