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“Bebés” Reborn: uma psicóloga analisa este fenómeno

O fenómeno dos bebés reborn está a ganhar força nas redes sociais, mas por trás dos vídeos ternurentos e das rotinas maternais encenadas, pode esconder-se um grito silencioso de dor. Para a psicóloga Cátia Silva, este não é apenas um passatempo inofensivo — é, em muitos casos, um reflexo alarmante de lutos não resolvidos, traumas e solidão profunda. 

Os bebés reborn têm dominado as redes sociais nas últimas semanas. Estes bonecos hiper-realistas, que imitam recém-nascidos com um nível de detalhe incrível, são para Cátia Silva, Psicóloga Clínica e Supervisora pela Ordem dos Psicólogos Portugueses, um dos fenómenos “mais preocupantes”.

 Cátia Silva, Psicóloga Clínica e Supervisora pela Ordem dos Psicólogos Portugueses

Cátia Silva, Psicóloga Clínica e Supervisora pela Ordem dos Psicólogos Portugueses

Vivemos uma época em que a fronteira entre o real e o artificial se torna cada vez mais frágil. Entre filtros, realidades ilusórias e simulações perfeitas, há cada vez mais pessoas a procurarem fugas emocionais rápidas, para conseguirem lidar com dores profundas. Embora estes bonecos sejam muitas vezes apresentados como objetos artísticos ou instrumentos de conforto, há um número crescente de mulheres que leva esta prática ao extremo, tratando-os como filhos verdadeiros. “É sobre esse extremo que importa falar, não como curiosidade, mas como alerta para os impactos psicológicos, emocionais e relacionais que podem surgir”, afirma a especialista.

O que leva uma mulher adulta a cuidar de um bebé de silicone como se fosse real?

A resposta não é linear. Segundo Cátia Silva pode haver luto mal resolvido, infertilidade, solidão, trauma, depressão ou uma necessidade profunda de vínculo.

“Neste contexto, o bebé reborn parece oferecer conforto, mas nem sempre é saudável. Quando uma dor emocional não é cuidada de forma adequada, existe o risco de se fixar a objetos, rotinas ou fantasias. E aqui, o reborn deixa de ser uma peça de coleção para se tornar um substituto emocional perigoso”, revela a psicóloga.

Há casos em que mulheres:

  • Criam quartos de bebé com todos os pormenores.
  • Acordam de madrugada para simular cuidados ao “bebé”.
  • Levam a boneca ao supermercado, ao café ou ao parque.
  • Sentem ansiedade ou tristeza real na ausência da boneca.
  • Simulam partos.

Cátia Silva refere também que, o afeto excessivo ao bebé reborn não influencia apenas a relação da pessoa consigo própria: “Afeta, muitas vezes, os relacionamentos à volta: com o companheiro, com filhos reais, com familiares ou amigos. As emoções são canalizadas para algo que não responde, não exige, não frustra. E isso, à superfície, parece mais fácil. Mas essa facilidade é ilusória. Substituir relações humanas por vínculos com objetos, compromete a capacidade de lidar com o outro na sua complexidade. O bebé reborn é previsível, controlável, sempre disponível. As pessoas não o são”.

E isso pode levar a:

  • Isolamento emocional e social.
  • Dificuldade em manter relações afetivas reais.
  • Ausência de investimento na parentalidade verdadeira.
  • Redução do envolvimento em atividades familiares ou profissionais.

Existem várias razões clínicas possíveis para uma relação simbiótica com o bebé reborn

Entre elas, Cátia Silva destaca: luto perinatal ou perdas gestacionais não elaboradas; ansiedade crónica com necessidade intensa de controlo; perturbações depressivas com retraimento afetivo; trauma associado à maternidade, ao abandono ou à perda; e dificuldades graves de vinculação emocional.

Especializada em luto, depressão, ansiedade e auto estima, a psicóloga refere que “nestes casos, o bebé reborn pode funcionar como um mecanismo de defesa. Não resolve a dor, adia-a. Não é julgamento, é responsabilidade. Trata-se de cuidar. De abrir espaço para conversar sobre um fenómeno que está a ganhar força e que, em muitos casos, reflete uma dor não reconhecida. Estamos a romantizar o evitamento”.

O papel das redes sociais no reforço do fenómeno

As redes sociais, em particular o TikTok e o Instagram, têm um papel determinante na amplificação deste fenómeno. Através de vídeos emocionais, vlogs de “rotinas maternais” e partilhas de “momentos de ternura” com estes bonecos, cria-se uma imagem idealizada e muitas vezes romantizada do cuidado a um bebé reborn. Segundo Cátia, “estes conteúdos geram empatia, comentários de apoio e validação pública, o que reforça o comportamento e dificulta o reconhecimento de que pode haver ali sofrimento. Além disso, o algoritmo favorece vídeos que geram envolvimento emocional. O resultado? Um ciclo que alimenta a ilusão, a validação social e a dificuldade em pedir ajuda. Estamos a dar “likes” a uma dor que deveria ser escutada, validada e cuidada”.

Este fenómeno não vive isolado. Surge num contexto cultural onde a maternidade é frequentemente representada como a realização máxima da mulher. Há uma pressão estética e emocional constante para ser a mãe perfeita, afetuosa, dedicada, disponível e isso pode gerar sentimentos de fracasso, culpa ou inadequação em quem não tem filhos, perdeu um bebé ou viveu traumas na parentalidade. “O bebé reborn, nesse sentido, aparece como uma forma de simular esse ideal sem riscos reais. Mas quando o cenário se torna mais importante do que a verdade emocional, o sofrimento não se resolve, apenas se disfarça “, refere a psicóloga.

O que pode ser feito para ajudar?

Se conhece alguém que está a viver esta realidade, o mais importante não é retirar-lhe o boneco. “O mais importante é criar espaço para escutar a dor que está por trás”, aconselha. Ajudar a pessoa a voltar ao mundo real, a restabelecer vínculos com pessoas reais e a permitir-se sentir e processar o que dói. A saúde mental precisa de presença, vínculo humano, escuta e validação. “Como psicóloga, acredito que temos de ser capazes de reconhecer estas expressões de sofrimento emocional, disfarçadas de consolo. Só assim conseguimos intervir com empatia, com ciência e com verdade”, conclui Cátia.

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