[wlm_register_Passatempos]
Siga-nos
Topo

Encontros improváveis

Num encontro improvável, fado e moda unem-se na vanguarda. Sem esquecer a glória que traz o passado, é na certeza de uma inovação de futuro que os dois mundos propõem um caminho uno. A convite da Max Mara, a fadista Carminho vestiu a pré-coleção primavera/verão 2023, Resort. O resultado? Uma sinergia própria que se traduz na elegância a que tão bem a marca já nos habituou…

Texto Leonor Antolin Teixeira

Fotografia German Larkin

Vídeo German Larjin

Styling Joseph Errico by Max Mara

Make-up Rita Fialho

Cabelos Helena Vaz Pereira

Como surgiu esta oportunidade de colaboração com a Max Mara?

Esta colaboração começou com um convite da Max Mara para estar presente nesta ligação da marca à cultura portuguesa. Houve um primeiro jantar com o Ian e com o Giorgio que faz parte da comunicação já há 40 anos na marca, ambos a contarem-me a história da marca e o processo que estavam a desenvolver nesta nova coleção. E o convite foi feito no sentido de poder partilhar os valores da marca e sentir que a mulher portuguesa estava a ser olhada por eles, mas que eles também queriam saber um feedback e fazer uma ponte com alguém que representava a cultura cá. E o twist final foi quando houve o convite a fazer parte da banda sonora com o Johnny Dynell, e que a seleção seria feita à volta dos fados, das minhas canções e sobretudo desta questão da voz, do fado que é algo tão particular e tao feminino de alguma maneira e disse que sim.

O que representa a moda, para si?

A moda para mim representa mais uma área da expressão artística e da criatividade. Eu sinto que tudo já foi de alguma maneira feito e é incrível como certos criadores e artistas olham para as pecas e as roupas que as pessoas culturalmente usam por um lado mais prático e as transformam em algo bonito, belo e que faz sentido com o tempo em que a pessoa vive. É tão estranho pensar que uma peça é datada, mas se lhe cortarem as mangas passa a ser contemporânea. Há pequenos detalhes que falam sobre as línguas e os desenhos da contemporaneidade. E alguém que consiga traduzir essas linhas e essas imagens é um artista e sinto um grande fascínio por essa visão artística sobre a cultura, neste caso nos costumes da roupa, mas qualquer expressão cultural.

A Max Mara, em concreto, o que representa?

Para mim, a Max Mara representa consistência e tradição, de alguma maneira foi isso que me atraiu. Consegui fazer muitas relações com o fado e com esta minha busca do ícone da mulher portuguesa, através daquilo que faço. E quando temos um olhar externo, internacional, um olhar que vê o mundo temos muita coisa para beber daí e essa minha busca que através do fado acabo por tentar encontrar-me com a mulher que eu sou, mas também com a mulher portuguesa e ter uma marca que se interessa e inspira nas mulheres portuguesas e quer vesti-las, porque a roupa é uma parte importante da mulher. E, portanto, vestir a mulher portuguesa é também de alguma maneira caracteriza-la. E sinto que esse olhar de uma marca com 70 anos de história e com tanta experiência nesse tal olhar de descoberta e de perceber qual o detalhe que vai caracterizar profundamente esta mulher e esta cultura portuguesa foi algo que me fascinou e que me relacionou diretamente com o convite onde eu aprendi muito e que me dá continuidade a esta busca.

Como define esta ligação à marca?

Eu definiria esta ligação à marca como um encontro de valores. Eu identifico me e compreendo e admiro valores numa marca que tenta preservar esses mesmos valores há 70 anos, portanto eu acho que é um encontro de valores. Eu acredito que há muitos paralelismos também com a tradição do fado, é um seguir a tradição e ser fiel àquilo que se acredita com um olhar sempre para o futuro, mas sem nunca esquecer de onde se vem.

Como foi participar nesta experiência?

Esta experiencia foi muito rica e muito inspiradora para mim, desde o primeiro encontro que tivemos aqui em Lisboa em que fomos a uma casa de fados, também para eles verem um bocadinho o ambiente mais profundo que se vive num bairro mais tradicional e numa casa de fados, até à minha viagem até Reggio Emilia para conhecer a fábrica, a coleção Maramotti, a marca e a família de alguma maneira, este encontro com o valor matriarcal da Max Mara e a própria produção, qual é o cuidado que eles dedicam a cada pormenor, ver isso de perto foi muito bonito e muito inspirador. A toda a construção da banda sonora ao lado do Johnny Dynell que utilizou os meus fados para construir algo que pudesse passar na runway, em que as modelos pudessem passar com os vestidos, mas que continuasse a respeitar e a preservar a essência do fado e da linguagem portuguesa e foi muito gratificante fazer esse trabalho com o Johnny. E por fim, quase como uma excentricidade mas foi um convite que a marca me fez e insistiu, eu até me senti um bocadinho reticente ao principio, mas eles insistiram e eu aceitei e confiei neles, para fazer uma passagem do desfile com dois vestidos da coleção e que foi uma experiência única e muito bonita naqueles jardins da Gulbenkian, tão bem preparados, tão bonito que foi esse momento e muito emocionante, algum nervosismo mas com muita emoção, muita alegria de fazer parte de algo tão marcante para uma marca que é a sua coleção principal, a nível mundial.

Algum nervosismo?

Confesso que senti algum nervosismo no início, mas depois pensei, isto andar é para todos os seres humanos por isso vou me divertir e foi isso que eu fiz, não há pretensão nenhuma de fazerlo de uma maneira tecnicamente por isso eu simplesmente vivi o momento ao lado de pessoas tão talentosas e foi uma experiência muito gratificante.

É uma experiência que quer repetir?

Quererei repetir certamente a experiência de colaborar com marcas em que eu acredito de uma forma profunda, num entrosamento entre valores em que eu acredito, em que a marca acredita e haver esse encontro, porque eu não sou vendedora de produtos, eu posso identificar-me e apaixonar-me por ideais e por mensagens que podem estar associadas a certas marcas e essas colaborações interessam-me e fascinam-me porque fazem me aprender e colaborar e utilizar a minha pessoa ou aquilo que eu posso representar em prol de algo em que eu acredito e a Max Mara sim no sentido de buscar cada vez mais profundamente este ícone da mulher portuguesa, defini-lo, este olhar do exterior para o interior com um olhar internacional acaba por trazer muitos pontos de interesse a essa busca. E, por isso, sim tenho vontade de repetir estes encontros.

Lisboa foi o palco escolhido pela marca para o desfile. Lisboa começa a ser palco para alguns eventos internacionais. Como se sente, enquanto portuguesa e, em concreto, enquanto fadista?

Lisboa é deslumbrante, é inevitável, é incontestável, e sinto-me sempre uma privilegiada por fazer parte dela, por enraizar a minha história na dela, por sentir que eu existo enquanto artista muito por causa de Lisboa e por isso o respeito que têm pela minha cidade é sempre motivo de alegria. Respeitar, admirar, perceber todo o potencial, toda a beleza, toda a história, com respeito com a vontade de querer conhecer. Tudo isto me traz sentimentos muito bons, de orgulho de realização um bocadinho como quando gostam muito do nosso filho, ou quando tratam bem alguém que nós gostamos, é sempre uma sensação muito reconfortante.

O fado foi protagonista. É importante levar a cantiga portuguesa além-fronteiras?

O fado foi realmente figura principal no desfile e na coleção e sinto-me muito orgulhosa por isso. É uma canção que é apreciada e que é querida no mundo inteiro, talvez por representar tão definidamente um povo e uma cultura. Eu sinto que as pessoas se interessam também pela própria história da música do fado, não só a música em si, mas todas as suas representações, a cidade de onde vem, a figura da fadista, os instrumentos tão peculiares e a sonoridade que tem, depois também os temas que são tratados, a poesia cantada. Tudo isto é muito atraente e como tem uma identidade tão própria torna-se muito apetecível conhece-la melhor. O desfile acabou por se tornar tão português e toda a envolvência da roupa e das inspirações acabaram por fazer tanto sentido ao som daquela banda sonora e foi uma grande honra ser a voz e fazer parte da construção dessa banda sonora.

O que acha desta coleção, apresentada pela marca?

Uma coleção muito bonita, clássica, mas com muita atenção realmente a certos detalhes das inspirações que foram tendo na Natália Correia, Amália Rodrigues, na mulher em particular que vive e que viveu em Portugal e que é portuguesa, sempre com uma consistência na sua própria imagem de marca que é a da Max Mara com as suas linhas bastante definidas e clássicas, mas a arriscarem nesse detalhe que acabou por trazer qualquer coisa de português ao desfile e foi bem conseguido nesse sentido. Acho que todos os vestidos são muito bonitos, dão vontade de serem usados e aspiracionalmente acaba por ser uma coleção muito próxima das mulheres, eu gostei imenso de vestir os vestidos.

Uma peça em particular, de que goste?

Não posso deixar de citar a peça que me marca mais que é o casaco “Carminho”. A Max Mara dá um nome a todos os seus casacos, um nome de mulher e o Ian fez o casaco “Carminho” e eu fiquei muito honrada, muito emocionada com esse gesto. É um casaco branco, curto, bastante volumoso e tenho muita vontade que chegue o Inverno para usar bastante.

Algum dia imaginou que a sua voz acompanharia um desfile de moda de uma marca de luxo? Como se sente?

Nunca imaginei tal coisa, mas também as coisas mais fantásticas que me aconteceram na vida eu nunca as imaginei, foi a vida que me as trouxe e eu tive de estar à altura para as abraçar e para as aceitar e perceber, onde é que elas fariam sentido no meu contexto e no meu conceito. E por isso, a música faz sempre sentido desde que o contexto e conceito o digam.

É importante a ligação da música, e em particular do fado, a outros tipos de arte? O que ganha com isso, a própria música?

Todas as formas de arte estão relacionadas de alguma maneira, elas complementam-se, elas inspiram-se umas às outras e trazem influencia, portanto, o fado é uma forma de expressão musical que pode estar a par de tantas outras expressões artísticas como a pintura, o cinema, a moda, como têm estado na verdade, e por isso é um movimento natural da expressão artística.

Os lenços e a tradição minhota foram também cruciais nesta coleção. É importante este trabalho da Max Mara em alocar a cada coleção ícones da própria cidade e do próprio país?

Estes pequenos detalhes que cada cultura tem de uma forma muito própria, muito única acabam por trazer essa relação com o lugar, por isso se eles fazem uma coleção inspirada na mulher portuguesa, estes pequeninos detalhes vão caracterizar então essa mulher, e de facto o lenço dos namorados foi algo muito bonito que o Ian introduziu na sua coleção não só nas estampagens mas também em t-shirts e fez bordados, fizeram uma quadra própria para eles, como é próprio do lenço dos namorados ter quadras alusivas a temas e neste caso o tema era a Max Mara e o desfile. Eu tive a oportunidade de oferecer ao Ian também um lenço dos namorados com o bordado rico, com uma quadra sobre a amizade e é isto, esta partilha, eu digo-te a ti o que é que sinto por ti através de um lenço e isso é tão único, tão bonito e ele apanhou de uma forma muito respeitosa e muito bonita a sensibilidade e a beleza desses lenços

Falando de música… O que reserva para apresentar em breve? Algo que possa já revelar?

Estou a fazer o novo disco, acabaram as gravações há pouco tempo, foram dois anos de muito trabalho, de muita composição, de muita pesquisa, de leitura, de procura pela mensagem, de procura de temas, sobretudo procura da continuidade desta cultura que é o fado que para mim é uma cultura viva que não pode ficar estagnada num passado glorioso e vou aí beber muita da minha inspiração para continuar adiante num processo de olhar para o futuro com esta tradição que eu sinto que acompanha o tempo. É um disco que em princípio sairá em fevereiro do próximo ano, tem muitas composições próprias, ainda não tem nome, mas é sobre fado, sobre a mulher portuguesa e sobre mim

Tem alguns concertos agendados para breve. O que espera desses concertos?

Sim, agora tenho vários concertos agendados, sobretudo fora de Portugal, muito pela Europa, também vou estar no México e o que eu espero desses concertos de facto é encontrar aquilo que eu busco, de alguma maneira é sempre uma procura pela felicidade, pela autorrealização, pelo fado na sua essência mais perfeita e mais pura, tentar procurar o fado mais bem interpretado de sempre, que é uma utopia mas é a busca e essa busca é através destes concertos e levá-lo também a pessoas que nunca ouviram fado ou que não estão tão acostumados, ou que não ouvem cantar em português e isso também me traz alguma realização no sentido de que é também uma forma de levar a cultura portuguesa mais longe, de a tornar mais forte para que surjam cada vez mais artistas a faze-lo em português, cada vez mais fadistas, cada vez mais pessoas a interessarem-se pelo género, pela língua, pela poesia… E isto é tudo uma cadeia que tem que fluir naturalmente e por isso temos de continuar a fazer aquilo para o que fomos chamados e eu sinto que é para isso que fui chamada.

Vemos cada vez mais artistas portugueses a seguirem um caminho de sucesso e, nomeadamente, alguns fadistas. O fado, enquanto música, está a evoluir? Em que sentido?

O fado não tem como não evoluir porque o fado faz parte do tempo, é uma língua viva, é como a língua portuguesa que evolui pelo simples facto de a falarmos e, portanto, pelo simples facto de cantarmos o fado e de termos que escolher repertório para gravar estamos a promover a evolução do fado. A direção que ele tomará, isso será algo que não dependerá de um artista só ou de uma intenção própria, vai ser o tempo que dirá qual é o caminho que o fado vai tomar, mas ele nunca deixa de evoluir, portanto nunca parou, e é isso também que me interessa muito, é pensar que existiam fadistas que hoje em dia consideramos grandes clássicos e grandes pilares da linguagem, que na altura deles faziam o seu próprio repertório e faziam essas escolhas e as composições muitas vezes eram dos próprios e isso vai alimentando esta ideia de que o fado precisa de ser constantemente ser trabalhado, dentro da sua linguagem e das suas regras, trabalhado contemporaneamente, segundo as inspirações e o tempo em que cada fadista vive. Isso é muito interessante porque a mensagem vai mudando, as angústias, as alegrias, as necessidades de cada pessoa vão sendo diferentes de época para época por causa do seu contexto. E, por isso acho muito importante aparecerem cada vez mais fadistas, cada vez mais artistas a fazê-lo de formas distintas porque isso vai determinar depois numa soma qual é o caminho que o fado vai tomar, e tenho alguma curiosidade para saber, daqui a muitos anos, onde é que está o fado que eu conheci.

Mas a sua essência mantém-se?

A sua essência tem de se manter, porque nesse caso não estaríamos a falar na evolução do fado, mas sim na criação de nova música, que também é válido, mas não se trata da evolução do fado. A evolução do fado só pode existir se houver fado. E é nesse sentido que existe uma essência e um valor e uma consistência que se deve manter, que se deve procurar preservar para que depois outros elementos mais criativos possam trazer essa novidade, essa contemporaneidade ao género de que ele tanto precisa também para sobreviver. A sua continuidade vive do passado que traz a história e do futuro que traz a sua continuidade

Veja mais em Lifestyle

PUB