Normas institucionais contra o discurso de ódio, combinadas com um estímulo que incentiva a tomada de perspetiva das vítimas, são determinantes para reduzir o efeito do espectador e aumentar o comportamento de denúncia. Esta é uma das conclusões do estudo “Como podemos impulsionar a denúncia do discurso de ódio online?” efetuado pelo Centro de Psicologia da Universidade do Porto (CPUP) no âmbito do financiamento que a Fundação “la Caixa” concede à investigação na área das ciências sociais.
Nos dias que correm, as redes sociais desempenham um papel fundamental na comunicação, na partilha de conhecimento e na construção de comunidades. No entanto, este cenário digital tem testemunhado um aumento preocupante do discurso de ódio online que ameaça não apenas as vítimas, mas também a coesão social, o bem-estar social e, em última instância, a democracia.
O discurso de ódio pode ser entendido como qualquer expressão oral ou escrita destinada a difamar, insultar, desumanizar ou incitar a violência contra as pessoas simplesmente com base na sua pertença a um grupo social desfavorecido. Trata-se de uma manifestação de uma ideologia de ódio, que se sustenta num conjunto de crenças e atitudes que promovem e justicam a discriminação, o preconceito e a hostilidade contra certos grupos de pessoas, com base em características como raça, etnia, religião, género, orientação social ou qualquer outra característica percebida como diferente.
O estudo “Como podemos impulsionar a denúncia do discurso de ódio online?” testou a eficácia de dois fatores psicológicos fundamentais para contrariar a tendência natural para a passividade dos espectadores em relação ao discurso de ódio online: a tomada de perspetiva (ou seja, colocar-se na posição das vítimas de ódio) e as normas prescritivas (ou seja, as regras sociais que indicam qual a ação apropriada face à conduta imoral dos outros). “Investigações anteriores sugerem que o efeito combinado dos processos de tomada de perspetiva e da saliência das normas prescritivas institucionais pode estimular, por um lado, empatia para com as vítimas de ódio e, por outro, a autorregulação moral psicológica relativamente ao mau comportamento discriminatório, encorajando os indivíduos a denunciar o discurso de ódio online por eles testemunhado”, explicam as investigadoras do Centro de Psicologia da Universidade do Porto (CPUP), Catarina L. Carvalho e Isabel R. Pinto.
Nesta experiência laboratorial, realizada em Portugal, 226 participantes estavam convictos de estar a participar num campeonato académico com o nome de “Olimpíadas Europeias Universitárias”. Alocados aleatoriamente em uma de quatro condições de grupo: 51 participantes não receberam qualquer estímulo ou informação (grupo de controlo); 56 foram expostos apenas ao estímulo de tomada de perspetiva; 62 foram expostos apenas a normas institucionais sobre discurso de ódio; e 57 foram expostos tanto ao estímulo de tomada de perspetiva como a um conjunto de normas prescritivas institucionais. Em todos os grupos, um suposto membro da equipa publicou mensagens usando palavras e expressões do português brasileiro, criando, assim, a impressão de que o membro era um imigrante do Brasil. Como parte da experiência, este membro foi alvo de uma mensagem de discurso de ódio num chat da equipa (fictício).
Percentagem de participantes que utilizaram o botão de denúncia, quando foram expostos a um estímulo de tomada de perspetiva e a normas prescritivas institucionais (%)
De todos os cenários propostos pelo estudo, aquele que teve um impacto mais forte na denúncia do discurso de ódio foi a combinação da tomada de perspetiva e das normas prescritivas institucionais, contrariando uma tendência maioritária do cenário base de adoção de um comportamento passivo por parte dos espectadores (59% dos participantes no grupo de controlo). Neste grupo, 68% denunciou o discurso de ódio contra o membro da equipa identificável como imigrante. Curiosamente, os resultados também mostraram que os participantes nesta situação combinada, foram os que menos se envolveram em respostas alternativas, como, por exemplo, escrever no chat para confrontar o agressor (o que tende a fazer escalar em vez de resolver o conflito). Em conjunto, estes resultados mostram que “a estimulação da empatia e da autorregulação moral, no sentido da intolerância a comportamentos discriminatórios, parecem funcionar na diminuição da passividade dos espectadores face ao discurso de ódio e na adoção de comportamentos pró-sociais”.
Posto isto, é crucial considerar ambos os fatores – tomada de perspetiva e das normas prescritivas institucionais – ao desenvolver campanhas de comunicação, programas de intervenção e estratégias para combater o discurso de ódio. Esta abordagem é essencial para cultivar um sentido de responsabilidade social interna e de empoderamento entre as testemunhas, encorajando a denúncia de casos de discurso de ódio online e promovendo uma utilização responsável das redes sociais. “Enfatizar a tolerância zero em relação ao ódio contribui para um ambiente digital que prioriza o respeito pelos direitos humanos, a dignidade humana, a justiça social e o bem-estar das pessoas e da sociedade como um todo”, concluem as investigadoras.