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A invisibilidade das doenças que também afetam as mulheres

Sofia Ferreira, Managing Director da Organon Portugal, aborda uma dimensão muitas vezes negligenciada da saúde da mulher: a invisibilidade de várias doenças que afetam desproporcionalmente ou de forma distinta o sexo feminino. Doenças como a enxaqueca, artrite reumatóide, esclerose múltipla, doenças cardiovasculares e Parkinson são exploradas neste texto sob uma perspetiva crítica e atual

A saúde da mulher continua a ser vista através de uma lente estreita e desatualizada, que concentra as atenções quase exclusivamente nas doenças ginecológicas, patologia da mama e problemas materno-fetais. Historicamente, estas têm sido as maiores preocupações da medicina quando em causa está o sexo feminino, ofuscando muitas vezes outras doenças que afetam desproporcionalmente as mulheres ou se manifestam nelas de forma diferente. O que acaba por ser um reflexo preocupante de como a medicina ainda não conseguiu abraçar a complexidade da saúde da mulher.

Exemplos não faltam que tornam esta lacuna evidente. Basta olhar para os números: a enxaqueca, considerada uma das desordens neurológicas mais frequentes, afeta três vezes mais mulheres do que homens, de acordo com os dados de vários estudos epidemiológicos. Contudo, raramente esta realidade é integrada nas discussões mais gerais sobre saúde da mulher, deixando milhões sem o reconhecimento e apoio adequados para uma condição que pode ser profundamente debilitante.

O padrão repete-se na artrite reumatóide, outro exemplo de um impacto desproporcional entre sexos, onde por cada homem diagnosticado existem duas a três mulheres a enfrentar esta doença articular inflamatória crónica. Ou ainda na esclerose múltipla, em que as mulheres apresentam uma probabilidade duas vezes maior de terem este diagnóstico do que os homens, todos exemplos que revelam uma verdade desconfortável: apesar dos avanços da medicina moderna, continuamos a negligenciar uma parte significativa da experiência de saúde da mulher, que se mantém presa a estereótipos tradicionais.

Mas a desigualdade não se fica por aqui. Há, depois, um conjunto de doenças historicamente rotuladas como “masculinas”, que afetam as mulheres de forma diferente, mas que nem por isso deixam de ter consequências graves. Mais uma vez, os exemplos são vários, como é o caso das doenças cardiovasculares, que continuam a ser uma das principais causas de morte no mundo, com as mulheres a apresentarem taxas de mortalidade mais elevadas e piores resultados após eventos cardiovasculares agudos do que os homens.

Uma discrepância tão acentuada que motivou recentemente um debate no Parlamento Europeu, em parceria com a Sociedade Europeia de Cardiologia, precisamente para destacar as disparidades de género neste campo e a urgência de estratégias específicas para as mulheres.

O problema, aqui, vai além dos fatores de risco, incluindo a forma como as doenças se manifestam: quando uma mulher sofre um enfarte, é mais provável que sinta dor entre as omoplatas, náuseas, vómitos ou falta de ar, sintomas que fogem ao “padrão clássico” masculino. Esta diferença na apresentação clínica resulta em diagnósticos tardios ou perdidos, com consequências potencialmente fatais.

No caso da doença de Parkinson, ainda que exista um equilíbrio quando se trata da prevalência nos dois géneros, o sexo feminino enfrenta maiores desafios, mostra um estudo recente que contou com a participação da Egas Moniz School of Health & Science, e que deita por terra a ideia do doente de Parkinson como um homem idoso. É o mesmo trabalho que conclui que as diferenças de género têm um impacto significativo na progressão da doença, assinalando ainda um risco aumentado de desenvolvimento de movimentos involuntários e descontrolados pelas mulheres e uma progressão mais rápida dos sintomas.

A lista de doenças é mais vasta do que aquelas aqui apresentadas, que são, no entanto, suficientes para confirmar uma dupla invisibilidade: por um lado, as doenças que afetam desproporcionalmente as mulheres; por outro, as doenças que se manifestam distintamente nelas, o que revela uma lacuna sistemática na medicina moderna. Enquanto a saúde da mulher permanecer confinada ao conceito tradicional de ginecologia, mama e maternidade, vamos continuar a falhar milhões de mulheres que merecem cuidados médicos tão personalizados e eficazes como aqueles que são já dirigidos aos homens.


Artigo de Opinião Sofia Ferreira

Managing Director Organon Portugal

Organon Retratos

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