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Burnout, a doença do séc.XXI

Tido como uma das principais doenças do século XXI, o Burnout afeta cada vez mais pessoas em todo o mundo. Falámos com Marina Chiarelli, da Yoopies, empresa que realizou um estudo exclusivo, com mais de 1300 trabalhadores a tempo inteiro, de forma a perceber como a carga mental afeta as nossas vidas profissionais, ressalvando, ainda, a diferença salarial entre homens e mulheres

Porquê um estudo sobre esta temática: de que forma a carga mental afeta a nossa vida profissional?

A carga mental é uma das questões discutidas pela Organização Mundial de Saúde em relação à saúde mental no local de trabalho. O trabalho é importante para o equilíbrio mental, mas uma pessoa que está extremamente sobrecarregada com vários problemas – incluindo problemas pessoais – não tem condições e/ou concentração para fazer um bom trabalho e alcançar resultados positivos. O problema, na minha opinião, é que as pessoas têm medo de expor que estão a ter problemas em casa, que estão stressadas ou que estão sobrecarregadas, o que pode ter um impacto negativo no desempenho profissional e nas relações pessoais e profissionais. Afinal, quem se pode focar 100% numa tarefa tendo mil coisas em sua mente e inúmeros problemas para resolver?

Além disto, realizamos o estudo sobre como a carga mental afeta nossa vida profissional pois também acreditamos que a saúde mental continua a ser um tabu no local de trabalho, seja para funcionários ou empregadores. Quem tem a coragem de admitir ao gestor que não está rendendo ou que está infeliz profissionalmente? Sabemos que esta é uma questão delicada, mas que pode ter graves impactos na saúde mental, no bem-estar e no desempenho profissional e pessoal das pessoas e, portanto, a importância de desenvolver um estudo sobre este tema, para expor a realidade e falar abertamente sobre o assunto.

Além do mais, acreditamos, infelizmente, que a saúde mental não tem a mesma importância que a saúde física, o que é um erro e precisa de ser corrigido urgentemente. Por exemplo, porque é que as pessoas ainda têm medo de falar sobre stress e depressão entre colegas de trabalho ou têm vergonha de procurar ajuda, seja com superiores ou psicólogos fora do ambiente de trabalho? As pessoas podem deixar de trabalhar porque estão constipadas, mas não podem parar de trabalhar porque estão stressadas ou porque estão com ataques de ansiedade? Claro que digo isto de uma forma generalizada, há excepções e empresas que já trabalham internamente neste assunto, mas infelizmente, como mostra o estudo desenvolvido pela Yoopies, com cerca de 1.300 pessoas, ainda há um longo caminho a percorrer: 8 em cada 10 funcionários utilizam os dias de férias para lidar com problemas pessoais, ⅔ não falam sobre problemas pessoais com supervisores, ⅔ gostariam de receber auxílio dos empregadores para gerir assuntos pessoais, metade dos inquiridos admitem que a empresa em que trabalha não implementa nenhuma solução para apoiar os funcionários na gestão da vida pessoal, etc…

Portanto, acreditamos que o equilíbrio entre a vida pessoal e profissional precisa ser discutido, abordado e falado sem ser um tabu. A carga mental é determinante para o bem-estar, para a saúde e para o desempenho das pessoas em quaisquer atividades que elas tenham de realizar, e no local de trabalho não é diferente. Ambientes de trabalho que encorajam e apoiam a saúde mental dos colaboradores ou ajudam a gerir as tarefas domésticas em harmonia com a vida profissional estão muito mais propensos a reduzir a ausência laboral e aumentar a produtividade dos funcionários, e aqui na Yoopies acreditamos que tudo tem de ser conversado, porque em harmonia trabalhamos muito melhor.

Porque razão Portugal continua a ter uma diferença tão grande em termos salariais?

Infelizmente, o problema não está apenas em Portugal. De acordo com uma classificação do Banco Mundial, apenas seis países do mundo garantem por lei a igualdade laboral e económica entre homens e mulheres: Bélgica, Dinamarca, França, Letónia, Luxemburgo e Suécia. Ainda assim, continua a existir um fosso salarial nestes países. O mesmo estudo também avaliou a discriminação de género em 187 países e, há uma década, nenhum país concedeu às mulheres os mesmos direitos que os dos homens… Na minha opinião, há quem ainda pense que a mulher é o sexo frágil e que não dá conta do trabalho do homem, mas o que é o trabalho do homem? Trabalho que historicamente sempre foi realizado por um homem? Isto tem de mudar, uma mudança de mentalidade é o que precisamos. Quando as mulheres entraram no mercado de trabalho, não tinham experiência nem estudos como os homens e, por isso, recebiam menos, por falta de qualificações e de carreira. Mas isso mudou. Hoje, as mulheres estudam tanto quanto os homens e a diferença entre homens e mulheres com ensino secundário completo em Portugal é de apenas 1,2%, de acordo com o Índice de Desenvolvimento de Género publicado pelo Programa das Nações Unidas. A sociedade e as leis sempre fizeram dos homens os maiores assalariados e este modelo prevaleceu durante décadas e, infelizmente, ainda hoje molda o mundo do trabalho. Penso que o fosso salarial é tão grande porque, infelizmente, este é ainda um problema que vai muito além dos números, é uma questão cultural e comportamental que precisa de mudar.

E porque razão continua o nosso país a ser ‘tão pouco amigos das famílias’?

Eu não diria “tão pouco amigo das famílias”. Eu diria que Portugal precisa de melhorar e muito no que diz respeito à carga mental e à conciliação da vida profissional e pessoal. Como disse na primeira pergunta, o assunto continua a ser um grande tabu e os trabalhadores e empregadores têm de encarar o assunto com mais normalidade. Não é vergonha nenhuma estar estressado, deprimido ou ansioso. Qualquer pessoa está vulnerável a isto. Mais uma vez, digo que temos de mudar a nossa mentalidade.As empresas precisam cada vez mais de implementar e pensar em soluções que apoiem os colaboradores na gestão dos assuntos pessoais e os colaboradores precisam também de se sentir mais confortáveis em expor os problemas pessoais aos supervisores e, consequentemente, mais propensos a aceitar ajuda. Temos que concordar que a taxa salarial em Portugal não é das melhores e, na minha opinião, todos tentam trabalhar e apoiar famílias e filhos diariamente. Parece que tudo está muito automático e esquecemos de que é normal termos problemas, é normal estarmos sobrecarregado e não há vergonha em expor isto. Muito pelo contrário. Na maioria das vezes expor e conversar com colegas, supervisores e psicólogos é a melhor maneira de resolver problemas relacionados à carga mental.

Uma das questões que o estudo aborda também são as questões das tarefas doméstica, continuam a ser predominantemente exercidas por mulheres. Prevê-se que, a curto ou médio prazo, o cenário mude?

Espero que sim. Mas é algo que não posso dizer com certeza. A mudança de mentalidade, como já disse algumas vezes, está a acontecer. Mas está provado que em Portugal o trabalho doméstico não está distribuído de forma igual entre homens e mulheres. Como mencionado no comunicado de imprensa, a Fundação Francisco Manuel dos Santos indicou que as mulheres fazem 74% das tarefas domésticas e, infelizmente, este número não me dá esperança de que o cenário vá mudar a curto prazo. Claro que vai mudar. Está a mudar lentamente. Mas não acredito que seja a curto prazo. Acredito que as mulheres ainda precisam de lutar muito pela igualdade de remuneração, pela igualdade de educação e, inclusive, pela igualdade na realização das tarefas domésticas.

As mulheres estão mais sobrecarregadas, em termos mentais, do que os homens?

Acredito que sim. A dupla jornada com que as mulheres têm de lidar diariamente contribui para uma carga mental e física exaustiva. Por outras palavras, acredito que conciliar a vida pessoal e profissional é muito mais difícil para as mulheres do que para os homens. Para além de assumirem as suas próprias responsabilidades, as mulheres tendem a acumular as tarefas dos outros e têm sempre de provar que são capazes de lidar com tudo, têm sempre de lutar contra tabus, preconceitos, machismo… Isto é exaustivo.

Que consequências tem esse cenário e que implicações tem na vida destas mulheres?

Creio que a pergunta anterior responde parte desta pergunta. Mas eu acrescento que a carga mental faz com que não só as mulheres, mas qualquer pessoa sofra de doenças como ansiedade, depressão, síndrome do pensamento acelerado, deficit de atenção, fadiga, stress, etc.

Isso faz com que, no trabalho, a mulher não consiga ter as mesmas oportunidades que o homem, por estar mais sobrecarregada mentalmente? Faz com que tenha menos motivação, por exemplo?

Penso que isto pode prejudicar o desempenho profissional das mulheres, mas não creio que seja esta a razão pela qual as mulheres têm menos oportunidades do que os homens. Honestamente, a motivação de um funcionário é uma questão de reconhecimento. Um funcionário que recebe reconhecimento profissional, oportunidades de crescimento, treinamentos voltado para o seu desenvolvimento e feedback e atenção dos superiores será um profissional motivado. Portanto, não acredito que a carga mental que muitas mulheres vivem atualmente possa ser uma das justificativas para a desigualdade de género. O que é muito desmotivante, a meu ver, é justamente a desigualdade que as mulheres têm de enfrentar todos os dias.

Há um longo caminho a percorrer em Portugal para que se consiga conciliar vida familiar e vida profissional? O que falta fazer?

Desta vez não apostaria num longo caminho. Claro que precisamos de melhorar a conciliação da vida pessoal e profissional, mas acredito que Portugal já está no caminho certo. Um estudo realizado pela Mercer, por exemplo, aponta que cerca de 44% das empresas portuguesas concede um plano de pensão aos colaboradores, 47% oferece um complemento de subsídio de doença, 93% concede um plano de assistência médica fora do país… Portanto, não acredito que haja um longo caminho a percorrer em Portugal em termos de conciliação da vida familiar e profissional. O que acho que ainda falta é mais conversa, diálogo do âmbito pessoal e profissional. A conciliação das tarefas domésticos requer harmonia e diálogo entre todas as pessoas da casa. No local de trabalho, os funcionários também precisam de conversar mais com colegas e supervisores para que o ambiente seja harmonioso e equilibrado para todos. As empresas precisam de compreender as necessidades, exigências e desejos dos colaboradores. Como é que isto é possível sem uma conversa? As empresas precisam de estar conscientes de que, para manter os colaboradores motivados, precisam de pensar em medidas, recursos e auxílios que vão ao encontro das necessidades dos colaboradores.

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