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Cláudia Camacho: “Eu nunca coloco perfume no pescoço e alerto para que as pessoas não o façam”

Os perfumes são expressões da individualidade e personalidade de cada um. Quando escolhemos determinada fragrância é porque nos identificamos e, de certa forma, esta deixa-nos mais confiantes e seguras.

Cláudia Camacho foi a primeira perfumista portuguesa independente a lançar um perfume. Embora a perfumaria tenha sido sempre uma das suas grandes paixões, só em 2018 – “após  muitos anos a aprender de forma autodidata” – é que decidiu apostar na profissionalização e foi para Londres. Em 2021 lançou “Mystery”, o primeiro perfume em nome próprio, e conta nunca ter pensado queo mesmo tivesse uma aceitação tão grande por parte de uma crítica internacional habituada a trabalhar com as maiores marcas de perfumes do mundo”. Além disso, totalmente desconhecida, até então, no mundo perfumístico, o seu perfume foi considerado um dos destaques do ano, no Reino Unido. A partir daí a sua vida mudou e hoje trabalha a tempo inteiro na área.

Cláudia Camacho. Créditos: Tiago Cação

Cláudia Camacho. Créditos: Tiago Cação

Revela-se, por isso, a pessoa indicada para nos ajudar a desvendar o mundo da perfumaria e para nos dar truques e dicas, que nos vão ajudar a evitar cometer erros na hora de aplicar e comprar um perfume. 

Na hora de aplicar uma fragrância, quais são os erros mais comuns?

Não será tanto na hora de aplicar uma fragrância. Será mais na hora de a experimentar. Aí encontro vários erros recorrentes. Vou dar dois exemplos. As pessoas vaporizam o perfume na tira de papel (mouillette) e começam de imediato a abaná-la. Estão, desta forma, a perder o início do perfume, as notas mais voláteis, as notas de topo. É como se tivessem entrado numa sala de cinema e o filme já tivesse começado. O ideal é vaporizar, esperar uns segundos para que o álcool possa evaporar um pouco, e cheirar sem abanar a tira de papel. Outro erro frequente: colocar o perfume nos pulsos e esfregá-los. Estamos a aquecer as moléculas e o que vamos cheirar ficará desvirtuado.

Já todas ouvimos que existem partes do corpo onde devemos aplicar, ou não, perfume. Que partes são essas?

Aqui está um tema que precisa ser repensado. Normalmente, diz-se para se aplicar o perfume em pontos quentes (pontos de pulsão): pulsos, atrás das orelhas, atrás dos joelhos e tornozelos. Eu prefiro estes locais a todos aqueles onde, efetivamente, as pessoas costumam aplicar o perfume: no pescoço. Eu nunca coloco perfume no pescoço e alerto para que as pessoas não o façam.

Porque é que não coloca no pescoço?

A maior concentração de gânglios linfáticos (responsáveis por filtrar a linfa e muito importantes na defesa da nossa imunidade) dá-se no pescoço, na clavícula, nas axilas e nas virilhas. Os perfumes, hoje em dia, são compostos por moléculas sintéticas. As matérias-primas naturais foram estudadas durante milhares de anos (a primeira farmacopeia não oficial – informação técnica sobre a nomenclatura das matérias-primas – data do antigo Egipto), contudo, o uso de matérias sintéticas é relativamente recente, surgiu em força no tempo das Grandes Guerras, desconhece-se o seu efeito a longo prazo. Há uma legislação forte na União Europeia e no Canadá, em relação aos compostos na área da cosmética, mas o mesmo não acontece nos EUA e na China, por exemplo. Um perfume pode ser um disruptor endócrino e é preciso sermos conscientes disso. Tenho, também, por hábito também colocar perfume na roupa, desde que não a manche.

Por vezes temos a sensação de que, ao longo do dia, vamos perdendo o cheiro. O que pode ser feito para que o perfume dure mais tempo? 

Eu gostaria imenso de desmistificar aqui um tema na perfumaria: o que dá durabilidade a um perfume é a sua boa construção (maestria do perfumista) e as notas de fundo que compõem um perfume. Um perfume é composto por notas de topo, notas de coração e notas de fundo. São as notas de fundo que vão dar a durabilidade a um perfume porque as matérias-primas usadas são por si só duradouras. Um cedro, um pau-de-águila, um sândalo, ou um patchouli são notas persistentes, são “fixadoras”, “fixam-se” na tira de papel por 8 a 12 horas. Na perfumaria natural é assim que trabalhamos a perenidade de um perfume. Já na perfumaria sintética, a maestria não é tão necessária porque juntam-se umas moléculas sintéticas “mágicas” “et voilà”, temos um perfume que pode durar quase 72 horas (já me aconteceu com um perfume Tom Ford, por exemplo). Eu continuo a preferir a durabilidade de um perfume feito apenas com matérias-primas naturais.

É verdade que ter a pele hidratada ajuda na duração do perfume?

O hidratante vai ajudar à durabilidade do perfume, principalmente, se tiver os mesmos compostos aromáticos do perfume. O que acontece é que o perfume precisa de um condutor para se fazer sentir e se a pele estiver hidratada os óleos essenciais vão apegar-se mais facilmente a ela (o álcool e os óleos vegetais são condutores dos óleos essenciais). Somos nós que vamos sentir mais o perfume do que propriamente ele se fazer sentir. É o álcool que tem esse efeito, o de difundir o perfume, e não tanto o óleo vegetal ou determinada hidratação.

O que deve ser tido em conta quando se escolhe um perfume?

Entramos aqui numa esfera muito pessoal porque cada pessoa é um mundo de memórias olfactivas e gostos muito personalizados nesta área. Mas vou responder à pergunta tendo em conta as muitas dúvidas que me chegam, via mensagem, nas redes sociais. Percebo que as pessoas não dão a devida importância à tipologia de fragrância que estão a comprar. As fragrâncias são compostas por álcool e óleos essenciais. Uma “eau de toilette” contém 5% a 15% de óleos essenciais e uma “eau de parfum” contém 15% a 20% de óleos essenciais. Quanto mais alta for a percentagem de óleos essenciais mais forte e duradoura a fragrância se torna. Há quem se queixe que pagou muito dinheiro por um perfume e que o mesmo não dura muito tempo. Quando vou a ver, percebo que compraram uma água de colónia. Portanto, muito pouca percentagem de óleo essencial, pouca durabilidade. Quanto mais alta for a percentagem de óleos essenciais, mais caro o perfume se torna. Outro ponto sobre o qual gostaria de alertar: a indústria dos perfumes está cada vez mais agressiva e tenta captar o consumidor através das notas de topo (aquelas que o consumidor vai sentir em primeiro lugar). Ludibriado por essas notas, o consumidor faz a aquisição imediata do perfume esquecendo-se de que o perfume terá notas de coração e notas de fundo, ou seja, irá evoluir aromaticamente. Nunca compre um perfume no dia em que o experimenta. Pense um pouco, perceba se o perfume evolui de forma prazerosa e depois, sim, adquira-o. 

É, ou não, adequado oferecer um perfume a alguém?

Só é adequado oferecermos um perfume a alguém quando essa oferta é a repetição de um perfume que essa pessoa, em questão, tem por hábito usar. O perfume é uma marca pessoal muito própria. É arriscado, e até mesmo deselegante, oferecer um perfume a alguém com quem não tenhamos uma ligação íntima.

O que faz um bom perfume?

Um bom perfume conta uma história. Um bom perfume foge das tendências. Um bom perfume é intemporal. Tanto posso considerar um bom perfume uma criação mais clássica como uma criação mais disruptiva. Um bom perfume é aquele que respeita a personalidade de cada um. Para isso é preciso que cada pessoa se conheça muito bem. E muitas vezes isso não acontece. Conheço imensas pessoas que, através de um perfume, fingem ser quem não são. Quando um perfume e a personalidade do usuário não se fundem, estamos perante um descalabro olfactivo (risos).

Quando é que sabemos que este tem, ou não, qualidade?

Quando falamos de perfumaria sem recurso a matérias-primas sintéticas terei de fazer referência à excelência das matérias-primas naturais usadas no perfume. Não só, mas também. Estamos a falar de matérias-primas naturais escassas, com um valor de aquisição no mercado muito elevado e que, por si só, transformam um perfume num diamante, tipologia muito admirada no mercado de nicho. A maioria dos perfumes que as pessoas compram, hoje em dia, são construídos tendo como base sintéticos. Um nariz habituado a matérias-primas naturais quase que os recusa de forma imediata. São matérias muito fracas em termos evolutivos, costumam variar entre o muito forte e o mais fraco, perdendo todas as nuances intermédias de uma matéria-prima natural que, a cada cinco minutos, adquire uma nova personalidade. Não estou a dizer que os perfumes sintéticos são maus. Os perfumistas trabalham hoje numa conjugação criativa entre estes dois mundos. Mas podemos comparar o mundo dos perfumes ao mundo dos vinhos: quando se entra no universo dos bons vinhos é muito complicado retroceder. Carlos Ferreirinha, especialista na área do Luxo, escreveu um livro com o título “O paladar não retrocede”. Eu acrescento: O olfacto também não.

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