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Duas mulheres que lidam com o cancro ginecológico, de maneiras diferentes

Os cancros ginecológicos são todos os que têm início nos órgãos reprodutores da mulher, nomeadamente: o cancro do colo do útero, cancro do ovário, cancro da vagina, cancro da vulva e cancro do endométrio.

Neste tipo de doenças oncológicas, do foro ginecológico (endométrio e ovário), o acesso a tratamentos inovadores, que podem mudar a realidade e o destino destas mulheres, é um dos principais desafios. De acordo com o estudo “WAIT Indicator” da EFPIA – European Federation of Pharmaceutical Industries and Associations, o tempo que uma doente tem de esperar para ter acesso a um medicamento após a concessão da AIM continua a aumentar: Alemanha é o país em que o acesso é mais rápido (120 dias) e Portugal (641 dias) é um dos países da Europa em que o acesso é mais lento, sendo apenas ultrapassado por países de leste como a Roménia (média de 883 dias). 

No caso dos medicamentos inovadores para o cancro, o acesso é ainda mais lento: as doentes oncológicas portuguesas têm de esperar cerca de 723 dias (mais de dois anos), segundo o mesmo estudo, enquanto na Alemanha o prazo médio continua a ser de 120 dias.

A questão do acesso tem sido uma das grandes batalhas das doentes oncológicas, nomeadamente da União Internacional para o Controlo do Cancro com o compromisso de querer até 2024 “Close The Care Gap” (acabar com a iniquidade no acesso ao tratamento), uma vez que o sítio onde vivemos não pode ser determinante para os cuidados de saúde a que as mulheres podem vir a ter acesso.

Para abordar este tema decidimos trazer duas perspectivas: uma médica e uma paciente. Duas mulheres que lidam com este tipo de cancro, de maneiras diferentes.

Mónica Nave

Dra.-Mónica-Nave

Mónica Nave é oncologista no Hospital da Luz.

Pode explicar-nos o que são os cancros ginecológicos?

Cancros ginecológicos são tumores malignos que afetam o trato ginecológico da mulher, sendo os mais frequentes o cancro do colo do útero, o cancro do endométrio (do corpo do útero) e o cancro do ovário. Outros locais do trato ginecológico como a vulva, a vagina ou a trompa podem também ser sede de tumores, mas com muito menos frequência.

Que impacto é que este tipo de tumores tem na vida das doentes?

São tumores com enorme impacto na vida das mulheres por várias razões: podem surgir em idades jovens (sobretudo o cancro do colo do útero); são tumores malignos, ou seja, se não corretamente tratados podem evoluir originando sintomas que afetam a qualidade de vida e colocam em risco a própria vida; por outro lado os próprios tratamentos usados no tratamento destas doenças (cirurgia, quimioterapia, radioterapia, terapêuticas alvo) podem ter impacto negativo, de uma forma transitória ou mais definitiva, na qualidade de vida das mulheres.

É possível prevenir?

Dos três cancros ginecológicos mais frequentes, é possível prevenir o do colo do útero através da vacinação para o HPV (Vírus do Papiloma Humano e causa do cancro do colo do útero) que desde há vários anos faz já parte do PNV (Plano Nacional de Vacinação). Além disso, o rastreio deste tipo de tumor, realizado nas consultas de medicina geral e familiar e de ginecologia, com deteção de lesões pré-malignas/ lesões malignas em fase muito precoce, é também uma arma muito importante no combate a esta doença. Em relação ao cando do ovário e cancro do endométrio, é importante estar atento à história familiar de cancro e reportá-la ao médico assistente pois, apesar de num número reduzido de casos, pode haver um risco hereditário de cancro que, se identificado, pode levar à realização de cirurgias redutoras de risco de se vir a desenvolver esse tipo de cancros. Além disto e de uma forma geral, manter uma vida saudável com manutenção de um peso adequado ao longo da vida, a abstenção tabágica e a prática de exercício físico contribuem também para a prevenção de tumores em geral.

Quais são os tratamentos disponíveis para este tipo de cancros?

Os tratamentos dependem, entre outros, do tumor em causa e do estadio da doença (fase de evolução da doença em que a mesma é diagnosticada). Genericamente usamos várias opções de tratamento bem definidas para cada caso e que podem incluir cirurgia, radioterapia, quimioterapia e terapêutica alvo.

Esses tratamentos são de fácil acesso?

Os doentes com cancros ginecológicos devem ser tratados em centros com equipas multidisciplinares e com experiência no tratamento destas doenças, onde possam ter acesso a estes vários tratamentos mencionados.

Este tipo de cancros surge, normalmente e maioritariamente, em que idade?

Depende: o cancro do colo do útero surge sobretudo em mulheres entre os 35 e os 55 anos. Os cancros do endométrio e do ovário surgem habitualmente em mulheres já na menopausa, embora, em casos raros e sobretudo em situações de cancros hereditários (associados a mutações genéticas familiares) possam surgir em mulheres mais jovens.

Rosa Marçal

Rosa Marçal tinha acabado de fazer 58 anos quando descobriu que tinha cancro do ovário (estadio 4).

“Descobrir que tinha esta doença foi estranho, muito estranho. Foi surreal. Não sei se é a expressão correta, mas, sim, foi assim que me senti, como se não fosse verdade, como se estivesse a viver um pesadelo. Estava em completa negação. Quando me caiu a ficha foi como se me tirassem o chão.”

A partir daí a sua vida mudou completamente. Desde o pessoal ao profissional, conta-nos que o seu estado de espírito nunca mais foi o mesmo. Lidar com a doença não tem sido fácil, há dias difíceis, mas Rosa conta-nos que esses tenta vivê-los da melhor maneira que sabe.

Os outros, os bons, esses nem sequer me permito lembrar que sou uma doente oncológica

O grande pilar tem sido a sua família e um pouco de otimismo à mistura. Para Rosa o otimismo é fundamental: Sem dúvida nenhuma, se enfrentamos isto sem otimismo, se pensamos que vai correr mal, vai mesmo correr mal. Eu nunca pus a hipótese que ia correr mal, em momento algum

Não é só a nível físico, o cancro também afeta psicologicamente e emocionalmente. Para esta mulher, o impacto foi positivo, diz-nos que se tornou uma pessoa melhor.

“Fez de mim uma pessoa melhor, hoje sou uma pessoa diferente mas acredito que para melhor”

O tratamento e acesso ao mesmo é uma das dificuldades que as mulheres que sofrem deste tipo de cancros enfrentam. Rosa diz-nos que teve um acompanhamento muito positivo no hospital onde é acompanhada, mas o acesso à medicação necessária já foi diferente:

“Eu descobri que tinha cancro no dia 3 de Agosto de 2020 a 22 de Setembro estava a ser operada e 6 semanas depois comecei a quimioterapia. Tive um acompanhamento muito positivo no hospital onde sou tratada.

Quando acabei a quimioterapia e tendo em conta que não tinha mutação genética, foi pedido ao Infarmed um medicamento para que pudesse retardar ou evitar o aparecimento de recidivas  que veio indeferido, uma vez que não corria risco imediato de vida. Reunimos todos os esforços, falámos com todos os que nos foi possível falar, mas ainda assim não conseguimos o acesso ao medicamento.

Infelizmente esta condição mantém-se e as mulheres nas mesmas condições que eu continuam sem ter acesso à medicação. Escusado será dizer que todo este processo me causou muita angústia e muito stress, mas acima de tudo uma grande injustiça.

Chorei muito quando soube que me tinham tirado a oportunidade de fazer uma terapêutica que me iria ajudar a retardar o aparecimento do meu cancro.”

Para ajudar nesta luta de acesso à medicação necessária, existe uma associação a quem Rosa demonstra a sua gratidão. A MOG, Associação Cancro do Ovário e outros Cancros Ginecológicos, é uma associação sem fins lucrativos, da qual Rosa faz parte e que a ajudou muito, inclusive a perceber que não estava sozinha nesta luta.

“Quero aqui deixar um grande agradecimento à MOG, Associação Cancro do Ovário e outros Cancros Ginecológicos, que fez todos os esforços possíveis para que eu pudesse ter acesso ao medicamento.”

Às que estão a passar pelo mesmo, Rosa deixa uma mensagem de força: “Acredite muito, muito, muito que coisas boas acontecem e que vai tudo correr bem.”

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