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Flávia Junqueira: “A infância é uma grande inspiração para mim”

Inspirada pela infância, fase que descreve como estar “em suspensão mágica”, Flávia Junqueira é conhecida internacionalmente por criar paisagens imaginárias e narrativas fantásticas em espaços culturais históricos e emblemáticos. Há 4 anos, começou a catalogar teatros históricos pelo mundo e a decorá-los, temporariamente, com os seus balões. O objetivo é dar vida a esses espaços, muitos abandonados, e “reafirmá-los como potência”.  Integrada na série “Theatros”, este sábado, a artista brasileira de arte contemporânea viaja até Lisboa para apresentar a sua instalação imersiva, que contará com mais de 1000 balões de vidro suspensos no ar, no Teatro Tivoli BBVA. As portas abrem ao público às 10h e fecham às 18h, no dia 27 de julho.  A entrada é feita mediante donativo, que reverterá a favor da APOIARTE / Casa do Artista.

A LuxWoman aproveitou a vinda da artista a Portugal para saber mais sobre o que a trouxe ao nosso país, bem como ficar a conhecer o seu percurso artístico.

Como começa o seu interesse pela arte? Foi algo que partiu da infância?

Sim, foi algo que partiu da infância. Creio que me dei conta que a Arte (como um todo) me interessava muito antes de entrar para a faculdade. Interessava-me pelos temas de filosofia, literatura, artes… Isso sem, necessariamente, apresentar habilidades técnicas incríveis para a arte. Aliás, acho que isso não é necessário para se ser um bom artista.

Durante o colegial fiz cursos de artes plásticas e música, tentando encontrar o que realmente gostava e fazia bem. Ainda assim, cursei três anos de direito e filosofia antes de optar, finalmente, pela faculdade de artes plásticas. Não foi uma decisão fácil…

Porquê?

Cresci num ambiente familiar que sempre me deu liberdade de escolha, porém, por estar imersa num contexto de valores mais tradicionais, me sentia pressionada a escolher profissões que proporcionassem aparentemente maiores garantias no mercado de trabalho. Cursei Direito e Filosofia antes de assumir que o que realmente desejava era estudar artes. Precisei de passar por esse processo para perceber que precisava de um meio mais eficaz para apresentar o meu olhar sobre o mundo, algo que as artes plásticas me proporcionaram.

É conhecida por criar paisagens imaginárias e narrativas fantásticas. Onde vai buscar inspiração para as suas instalações?

Sempre me senti inclinada a pensar em realidades alheias ao nosso quotidiano comum, assim como, sempre tive um interesse forte pelos elementos mágicos, teatrais e cenográficos. Quando era adolescente e jovem, continuava a gostar muito dos objetos e atividades das crianças, porque eram sempre divertidos, leves e sem preconceitos. Quando entrei na faculdade de artes plásticas, estudei cenografia teatral com J.C Serroni e entrei no mundo de “faz de conta” dos cenários teatrais. Todo esse universo sempre me inspirou energeticamente e visualmente.

Que “realidades alheias ao nosso quotidiano comum” são essas?

Encontrar saídas para o nosso quotidiano comum, através dos elementos lúdicos e atípicos, sempre foi um caminho para falar de nossas memórias, lidar com nossos medos e principalmente criar estratégias para lidar com a morte e com nossos traumas, a consciência da finitude das experiências, relações, etc.

O que mais a inspira?

A infância é uma grande inspiração para mim: essa fase em que parecemos estar numa suspensão mágica, onde posso idealmente sonhar ser quem eu quiser, sempre me acolheu para recriar esses mundos avessos ao senso comum. Estudá-la e apropriá-la é a maneira que tenho encontrado para me distanciar de algumas realidades e de criar outras.

O procura transmitir com a sua arte?

Há um ponto de partida no meu trabalho que é biográfico, que tem a ver com o fascínio que a festa infantil, os parques de diversões, sempre exerceram sobre mim. Mas há, também, uma forte vontade em transmitir um aprofundamento da pesquisa ao longo destes mais de dez anos de produção que culmina num conceito de infância, que não se reduz a uma etapa pela qual passamos em direção à vida adulta.

Hoje, o que me interessa no meu trabalho de arte, é propor um modo de nos relacionarmos com o tempo, com o corpo e com a matéria, que pode ser aprendido e cultivado por qualquer um que não subscreva o projeto moderno de civilização que, baseado em noções como a razão e o progresso, se afastou demasiado do horizonte da alegria. A teatralidade, a imaginação e propor ao espectador experiências sensíveis é algo que me move através da arte.

A série “Theatros” já esteve em sítios como o Liceu Opera Barcelona (Espanha), o Teatro Colón (Colômbia) e o Teatro Amazonas (Brasil). De onde partiu a ideia para este projeto?

A primeira série de trabalhos em que os balões passaram a ser o protagonista da imagem foi nos principais teatros do Brasil, essa é uma catalogação de Teatros Históricos de todo o mundo, e que ainda está em processo, e começou há 4 anos. O critério, nesse caso, é encontrar os teatros mais relevantes, cuja época em que foram construídos, na maioria datados séc. XIX, em que a arquitetura e conservação, apresentavam verdadeiras fábulas visuais e conceituais sobre um período determinado da história. Independente dos teatros, a maioria dos espaços escolhidos (edifícios, salões, igrejas, monumentos) têm características marcadas por serem na maioria das vezes, símbolos culturais, históricos, tombados ou de grande relevância para uma cultura específica.

Que impacto pretende causar?

Num primeiro momento desejo apropriar-me desses espaços, em que a memória do passado e magia da teatralidade estão fortemente presentes, e reafirmá-los como potência, pois muitos desses locais estão abandonados ou a grande maioria das pessoas nem sabe que eles existem. Os balões ou elementos lúdicos da infância, representam uma desconstrução, e crio um deslocamento do que se espera comumente encontrar ali, abrindo a criação de novas camadas de realidades, mais próximas da fabulação, sonho e fantasia. É uma maneira de olhar para nosso passado e ao mesmo tempo reinventá-lo.

Como são, então, escolhidos os espaços?

Eu já produzi fotografias em espaços e arquiteturas muito diferentes. Alguns espaços foram escolhidos em função de sua rica ornamentação, como é o caso dos teatros. Outros espaços, como o Minhocão no Centro de São Paulo ou as quadras de escolas de samba no Rio de Janeiro, foram fotografados pelo uso recreativo. Em um caso como no outro, parece haver um tensionamento da razão instrumental moderna. Quando levo os balões para o Minhocão, por exemplo, estou a juntar-me, do meu modo, aos frequentadores do parque que se apropriam e subvertem numa estrutura urbana criada durante a ditadura militar como parte de um projeto de desenvolvimento urbano, que concebia o espaço público como local de passagem de automóveis, e não de convívio e experiência lúdica.

Este sábado, os portugueses poderão ver mais de 1000 balões de vidro suspensos no Teatro Tivoli BBVA. Expor em Lisboa já era uma das suas ambições? 

Sim, fotografar teatros de outros países é incrível. Consigo ampliar a minha catalogação de Teatros do mundo, como também levar a minha poética visual para novas culturas e espectadores. A escolha do Teatro Tivoli BBVA foi muito especial, pois trata-se de um dos mais relevantes teatros, localizado na Avenida da Liberdade, que é um local imponente e muito visitado. Além disso, o Teatro está a comemorar 100 anos em 2024, e os balões que estamos levando para dentro são uma maneira de celebrar essa história de arte e cultura, através dessa construção lúdica e mágica aberta ao público.

A exposição estará aberta ao público por apenas 8 horas. As suas exposições são sempre assim tão efémeras? 

Sim, são. Como construímos a instalação com bolas de gás de látex ao vivo, no espaço, os Balões duram apenas o tempo comum de uma “festa”. Nós assumimos esse teor vivo da instalação, que traz algo de mágico para a experiência. Sobretudo, hoje em dia, é muito importante trazer essa ideia de passagem de tempo e contemplação aos visitantes.

 A entrada será mediante donativo. Esta questão solidária é importante para si?

Sim, muito importante. Na minha opinião a Arte é uma maneira de posicionamento cultural, social e político. Através da cultura nós proporcionamos, não só o acesso à cultura, como também ajudamos outras pessoas, praticando o bem.

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