Temos assistido a notícias sobre mães que abandonam os seus bebés e, sendo este um tema que nos choca enquanto sociedade, merece alguma reflexão. Cátia Silva, Psicóloga Clínica especializada em Ansiedade, Depressão, Autoestima, Luto, Burnout e PHDA, explica que uma mãe pode decidir abandonar o seu bebé devido a uma combinação de fatores, incluindo problemas financeiros, vergonha/medo de uma gravidez não planeada, ausência do pai, e a incapacidade de prover sustento. A falta de apoio afetivo e de um modelo de cuidado seguro durante a própria infância, podem também dificultar a capacidade da mãe de cuidar adequadamente do seu filho. Nos casos mais severos, em que há ideação suicida, despersonalização ou sintomas psicóticos, a mãe pode sentir-se desligada emocionalmente do bebé ou incapaz de cuidar dele, o que pode levar a comportamentos de afastamento.
Cátia Silva, Psicóloga Clínica especializada em Ansiedade, Burnout, Depressão, PHDA e Autoestima
Mas há outro fator, muitas vezes ignorado e até normalizado, que afeta entre 10% e 15% das mulheres, com estimativas em Portugal a indicarem que uma em cada cinco mulheres pode ter tido ou ter esta condição, a média mais elevada da União Europeia. Falamos da depressão pós parto. Globalmente, a Organização Mundial da Saúde estima que 13% das mulheres em período pós-parto experienciam problemas de saúde mental, principalmente depressão.
A depressão pós-parto é uma perturbação do humor que pode surgir nas primeiras semanas ou meses, após o nascimento do bebé. É caracterizada por tristeza persistente, cansaço extremo, perda de prazer, irritabilidade, culpa e, por vezes, dificuldade em criar vínculo com o bebé, e pode ser subdiagnosticada, uma vez que a dor é mascarada por sorrisos e pela ideia cultural de que “ser mãe é o momento mais feliz da vida”.
Cátia Silva explica que a causa para a depressão pós-parto é desconhecida e pode dever-se a um conjunto de vários fatores como:
- Alterações hormonais: após o parto, há uma queda abrupta de estrogénio e progesterona, que influencia a regulação do humor;
- Fatores psicológicos: história prévia de ansiedade ou depressão, perfeccionismo, baixa autoestima, dificuldades em lidar com a perda de controlo e com a nova identidade materna;
- Fatores sociais e contextuais: falta de apoio familiar, isolamento, ausência de rede de suporte, experiências de parto traumáticas, dificuldades financeiras ou conjugais;
- Histórico de perda gestacional ou infertilidade: também pode aumentar o risco, uma vez que intensifica o medo e a vulnerabilidade emocional após o nascimento.
A psicóloga clínica refere que a maternidade é um processo de enorme transição psicológica e que “o ideal romântico da “mãe perfeita” torna-se muitas vezes numa armadilha. Quando a mulher não sente a felicidade esperada, instala-se a culpa e o silêncio”.
É por isso fundamental reconhecer os sinais que podem indicar o início de uma depressão pós-parto e que estão presentes por um período superior a 2 semanas:
- Tristeza, apatia ou choro frequente sem motivo aparente;
- Irritabilidade, ansiedade intensa ou sensação de vazio;
- Dificuldade em dormir, mesmo quando o bebé descansa;
- Falta de energia ou de prazer nas atividades do dia a dia;
- Sentimentos de inadequação (“não sou uma boa mãe”);
- Dificuldade em criar laços afetivo com o bebé;
- Culpa, vergonha ou medo de ficar sozinha;
- Pensamentos de desespero ou, em casos mais graves, ideação suicida.
“Estes sinais não são fraqueza nem falta de amor. São manifestações de sofrimento emocional que exigem cuidado e acompanhamento”, esclarece a especialista.
Estratégias para lidar com a depressão pós-parto
A recuperação é possível e começa pelo reconhecimento de que há algo que precisa de ser cuidado.
- Pedir ajuda especializada é o primeiro passo: a terapia é essencial pois ajuda a reestruturar pensamentos de culpa, a trabalhar a autoexigência e a construir novas formas de vinculação emocional.
- Envolver o parceiro e a família no processo é fundamental: o apoio emocional, a divisão de tarefas e a escuta sem julgamento reduzem o risco de agravamento.
- Promover o autocuidado: ter uma alimentação equilibrada, sono sempre que possível, pequenos momentos de descanso e práticas de relaxamento ou mindfulness.
- Evitar o isolamento: participar em grupos de mães ou programas de apoio pós-parto ajuda a normalizar a experiência e a quebrar o silêncio.
- Em casos moderados a graves, a intervenção medicamentosa pode ser necessária: sempre sob supervisão médica e compatível com a amamentação.
Recursos úteis
– Ordem dos Psicólogos Portugueses: ordemdospsicologos.pt/pt/membros
– Linha SNS 24: 808 24 24 24
– SOS Voz Amiga: 213 544 545 / 912 802 669 / 963 524 660
– INEM (emergências): 112



