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Penso, Logo Exausto

Acredite em mim: eu sei o que é estar na bad (e só querer estar na bed). Eu sei o que é querer acreditar que tudo vai correr bem e, ao mesmo tempo, estar imersa até ao pescoço em inseguranças, incertezas, dúvidas e questionamentos. Eu sei o que é uma pessoa cobrar-se porque “se eu pensar negativo vou atrair coisas negativas” e, ao mesmo tempo, simplesmente não ser capaz de deixar que a mesma fucking imagem mental horrífica surja à cabeça, numa repetição perfeitamente neurótica e quase que sádica dos seus piores medos tornando-se “reais”. Ficar totalmente obcecada, abduzida, anestesiada e enlevada pela série – não das “n” séries dos analgésicos streamings da vida – mas pela série de coisas negativas que podem (supostamente, poderiam) acontecer.

Esta já fui eu ou você; ou, na melhor das hipóteses, somos todas nós, mulheres, que além de cismar tenazmente com diabo a quatro, queremos pintar telas, aprender cerâmica, falar todos os idiomas, aprender a tocar todos os instrumentos, ler todos os livros, ver todos os filmes, conhecer todas as músicas, tirar cursos de fotografia, culinária, artes de palco, formar uma banda e viver uma vida simples no campo.

Hoje escrevo para si, que vive aprisionada nos pensamentos, delírios ou desvarios e que está cansada, mente-captada nos corredores sombrios das suas próprias ideias, como um(a) viajante perdida(o) num labirinto mental.

Sim, no labirinto da mente, encontramos uma armadilha insidiosa: a síndrome do pensamento esgotante. É como se estivéssemos presa(o)s em um carrossel de cogitações, dando voltas e mais voltas, sem chegar a lugar nenhum. É como se pensar demais fosse uma virtude, quando na verdade é “só” um convite à exaustão mental.

Quantas vezes nos encontramos perdida(o)s num emaranhado de preocupações, análises e suposições, apenas para descobrir que nada mudou no mundo real? É como se estivéssemos a correr em círculos, à espera que a solução para os nossos problemas saltasse airosamente de dentro da nossa mente sobrecarregada.

Diga-me uma coisa: você acredita em tudo o que pensa?

Quiçá você esteja a lidar com algumas coisas difíceis na sua vida agora, mas independentemente do que estiver a acontecer, você está sempre “aqui e agora” (inclusive “aqui”, inclusive “agora” para poder ler isto), no famoso ou infame “presente momento”.

Muitas vezes estamos noutros lugares na nossa mente, incapazes de nos ligarmos ao “agora”, utilizando os recursos que se têm, onde se está, da maneira como der. Nós temos preocupações e costumamos confundir pensar sobre o problema com resolvê-lo.

A verdade é que reflectir é essencial, mas pensar excessivamente é auto-destrutivo. É como girar um rato na sua roda mental, e acreditar que estamos a avançar, quando, na realidade, estamos apenas a desgastar-nos.

Porém… para transformar obstáculos é necessário estar centrada(o) no agora, e não nos pensamentos ou nos devaneios.

É só no “agora” que conseguimos aceder à nossa sabedoria, à nossa força e paz para poder encarar a vida.

Porém… nós não fomos ensinada(o)s a duvidar dos nossos pensamentos. Muito pelo contrário, fomos estimulada(o)s a acreditar piamente no “Penso, logo Existo”, não foi?

Como se o único lugar através do qual pudéssemos existir fosse na nossa cabeça. Mas não é.

Toda(o)s nós sentimos a necessidade de buscar orientação, validação e aprovação do lado de fora porque não fomos estimulada(o)s a buscar orientação, validação e aprovação do lado de dentro. E crescemos com a sensação de que dentro de nós existe um parafuso qualquer em falta. “Quando eu fizer isto”, “quando eu conseguir aquilo”, “quando tal coisa acontecer” – aí então eu vou sentir-me bem.

Porém… o caminho de se sentir bem é o oposto: é despertar este guia adormecido pelas vozes da mente que mente que mente que mente e aceitar que a nossa vida, vivida a partir das narrativas mentais e das pautas que os nossos pensamentos nos estabelecem, em larga escala, são meras interpretações, distorções, projecções, equívocos ou vieses cognitivos.

Nós tendemos a imaginar que coisas más irão acontecer no futuro. Este é o cerne da preocupação: “pré – ocupar-se” com dificuldades que ainda nem estão a acontecer.

Isso faz com que seja criado um grande nervosismo e uma ansiedade que começa a incapacitar a pessoa, uma vez que ela não se sente capaz de enfrentar esse futuro negativo imaginado, querendo prever até soluções para algo que ainda nem aconteceu.

Assim, projecta coisas más. Cria essa realidade de dificuldades sem nem ao menos ela ter acontecido, pois a preocupação afecta negativamente o seu estado emocional e, consequentemente, faz com que você gere essas dificuldades para si (e antes de tudo, dentro de si…). Isso mina a sua energia e a sua potência mental para vivenciar o “agora”.

Por isso, muitas pessoas acham que estão certas em preocupar-se. Vendo que todos os seus medos e receios estão a acontecer com ela nesse momento (sendo que foi ela mesma quem os causou com a própria mente), ela acha que está com razão e que deve, sim, preocupar-se com tudo, o que gera um ciclo interminável de infelicidade e negatividade. E, claro, de fadiga e exaustão mental.

E o que é mais “irónico”? Tal reafirma a necessidade de estar sempre preocupada(o).

Com isso, a energia e a potência realizadora são drenadas e o presente dessa pessoa é sempre uma projecção de um futuro negativo.

Querida pessoa, relaxe. É que “para o bem ou para o mal” nada está sob o seu controlo (excepto as suas próprias respostas emocionais ao que sucede ou deixa de suceder).

Os “pensadores exaustos”, como agridocemente gosto de as chamar, ou seja, as pessoas que estão mentalmente exauridas, emocionalmente esgotadas, e moram nas suas cabeças desde cedo (e que por algum motivo aprenderam que seria melhor pensar mais do que sentir), geralmente têm um produto típico, extremamente comum, disso mesmo: acreditam em absolutamente tudo o que os seus pensamentos lhes dizem, sem pestanejar.

A partir de um pensar distorcido, criamos problemas impossíveis de serem resolvidos, porque tentamos solucioná-los, utilizando para isso, o quê (ora adivinhem lá, corações)? Isso mesmo: os próprios pensamentos que os criaram. Solução difícil, não é?…

Quem é “pensador exausto” experiencia a realidade predominantemente a partir de um plano mental, por vezes dissociando-se da sensorialidade e de outras fontes de informação valiosíssima que permeiam a totalidade dos nossos sentidos (veículos/interface da nossa relação com o mundo), com as quais vão perdendo contacto.

Se desse para fazer um raio X do campo electro-encefalogrâmico de um “pensador exausto” talvez se parecesse com um cogumelo. O “pensador exausto” gasta muita energia nos processos mentais, sempre nos “e se’s?” da vida, sempre a pensar em todas (as que ele acha que são “todas”) as possibilidades, e sempre a tentar controlar o mundo à sua volta.

No meio de todo este controlo (artificial) que exerce só não se deu conta de que (ainda) não sabe exercer um controlo (saudável e mais real) que é aquele que pode ter sobre a própria mente e permanece sempre a repetir padrões, geralmente automáticos e disfuncionais – e sem entender porque cacete faz isso, já que a lógica e a razão dizem que esses padrões não fazem sentido.

Quem é “pensador exausto” às vezes sente que veio com “defeito de fábrica” porque por mais que “entenda” (como eu costumo dizer, do “pescoço para cima”) um monte de coisas sobre a vida e supostamente sobre si mesma(o), nunca é o suficiente para virar a chave e viver a vida mais realizada, leve e prazerosa que diz querer viver.

O “pensador exausto” adopta condutas nocivas no piloto automático, vive à procura no lado de fora de alguma coisa que ainda falta do lado de dentro e tem a expectativa de que “assim que” acontecer alguma coisa… “aí sim” é que as coisas vão fazer sentido.

Só que nunca é assim, porque o “pensador exausto” é um exímio juiz sobre como as coisas deveriam ser e não são ou são e não deveriam ser, e como a sua energia está toda na cabeça e pouco no corpo (não sabe sentir).

Mas – oh, ironia! – quando chega a frustração, a palpitação, a angústia, o “pensador exausto” percebe que ser “pensador exausto”cabeçudo não a(o) ajuda em nada. Muito pelo contrário: o “pensador exausto” tem medo de sentir. Por isso “refugia-se” tanto na cabeça. Sentir é arriscado. A autenticidade, a espontaneidade são perigosas, em algum momento aprendeu que tudo o que brotava da sua mais natural e genuína expressão era “errado” ou inadequado, logo, censurável (para não dizer punível, à boa moda medieval). A mente (aliás, as suas habituais rotinas cerebrais) tornam-se uma casa-abrigo onde o “pensador exausto” cria hipóteses, tenta controlar e manipular o mundo à sua volta e julga a realidade o tempo todo. Um “pensador exausto” que se preze sabe pensar muito bem, mas não sabe sentir como deve ser.

Então, como escapar desse ciclo vicioso? A chave está em aprender a observar e a desidentificar-se com os nossos pensamentos automáticos. Somos mais do que os nossos pensamentos. Somos observadores deles. Podemos sentir as emoções que brotam desses pensamentos, mas não precisamos prender-nos a eles.

Comece por um exercício simples, seguindo-me nas propostas que de seguida lhe vou apresentar:

  • Não acredite em tudo o que você pensa. Coloque uma pitada de dúvida naquilo que você acredita e vive quase que cegamente. Os seus pensamentos podem estar contaminados por um vício em reforçar só aquilo que lhe faz mal.
  • Independentemente de conseguir ou não mudar as lentes do seu pensamento neste momento, convide-se a perspectivar as suas leituras da realidade enquanto isso mesmo que são: leituras possíveis e não verdades absolutas e vitalícias.
  • Treine a sua flexibilidade mental na sua relação consigo mesmo e com os outros. E sobretudo, na sua relação com os seus próprios pensamentos.
  • Quando estiver preocupada(o) com alguma coisa, preste atenção à realidade que você está a criar, na negatividade extenuada que você está a trazer para o seu momento presente (provavelmente, sem necessidade nenhuma).
  • É isso que você quer para a sua vida? Viver num futuro distópico?
  • Se a resposta for não, precisa entender uma coisa: você só vive o presente. Não adianta ficar a antecipar o que você vai fazer, pois isso mina a sua energia de realização no “aqui e agora” e produz negatividade na sua vida.
  • Mantenha-se sintonizada(o) com a sua própria confiança e repita sempre, dentro de si: “Eu vou dar conta de tudo o que venha a acontecer comigo. Eu tenho energia e potência para realizar e resolver qualquer situação.”
  • Observe em que medida percebe que tudo isto a(o) coloca mais próximo de um estado de equilíbrio emocional.

O nosso equilíbrio emocional está dependente do conhecimento que temos dos nossos estados internos e da influência que estes têm sobre o nosso pensamento, comportamento e atitudes.

Assim, fica fácil perceber que os pensamentos são isso mesmo: pensamentos. E não factos da “realidade”.

Além disso, mais do que aquilo que lhe acontece, é a forma como olha e interpreta o mundo à sua volta que determina a sua experiência (e logo, o seu pensamento).

Este facto tem tanto de entusiasmante como de assustador: por um lado dá-nos poder e dá-nos esperança, por outro responsabiliza-nos.

Então, da próxima vez que se encontrar preso nesse turbilhão de pensamentos, faça uma pausa. Respire fundo e lembre-se de que um pensamento é apenas um pensamento, não um decreto da realidade. Liberte-se da necessidade de controlar cada pensamento e abrace a liberdade de simplesmente observá-los passar.

Eventualmente, ao abandonarmos a ilusão de que pensar incessantemente resolverá os nossos problemas, podemos finalmente dar um pouco mais de tréguas às chamas que ardem internamente (será mesmo que sem se ver?) e à exaustão mental. Talvez, ao ficamos menos fundidos com o conteúdo dos nossos pensamentos, possamos encontrar paz na serenidade do momento presente.

Então, lembre-se: é bom pensar, mas é ainda melhor pensar com moderação. Não se deixe enganar pela armadilha da síndrome do pensamento esgotante.

Como diz o velho aforismo: “Penso, logo existo” – mas, acrescentaria eu com um sorriso nos lábios: penso, logo (me) assisto. Penso, logo invisto (em mim). Penso, logo (mal) subsisto. Penso, logo adesivo. Penso menos, logo, vivo (mais).


Sara Ferreira

Email: apsicologasara@gmail.com

Site: www.apsicologasara.com

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