Todos temos um familiar que não resiste a dar um pedaço de comida ao nosso cão — porque ele lhe deita um olhar ternurento e esfomeado —, um que adora lançar foguetes no Ano Novo e outro que não consegue respeitar o espaço pessoal do seu gato.
Com a chegada da época festiva, há que olhar mais atentamente para os nossos animais de companhia. Os barulhos do fogo de artifício, os alimentos tóxicos e as alterações na rotina podem ser motivos de desequilíbrio na vida dos animais de quatro patas.
Diana Meireles, veterinária na AniCura Santa Marinha Hospital Veterinário, explica que alimentos devem ser evitados, como se podem prevenir acidentes domésticos com as decorações de Natal, preparar os patudos para viagens longas e protegê-los dos barulhos.
Que alimentos, tradicionalmente presentes na mesa de Natal, são perigosos para os cães e gatos?
Muitos dos alimentos típicos da ceia de Natal são perigosos para os animais, alguns mesmo em pequenas quantidades. Na prática clínica veem-se alguns casos de intoxicação associados a uvas e passas, que podem levar a insuficiência renal aguda; frutos secos (como nozes e avelãs), ricos em gorduras, que provocam problemas gastrointestinais e inflamação do pâncreas; os típicos doces desta época que contém altos níveis de açúcar, gordura e sal, o que pode provocar intoxicações, vómitos, diarreia e, em casos mais graves, danos em órgãos internos; e alimentos gordurosos ou salgados, como o presunto que podem desencadear gastroenterites agudas e outras complicações digestivas.
Diana Meireles, veterinária na AniCura Santa Marinha Hospital Veterinário
Existem alimentos que podem ser dados em segurança?
Na verdade, nenhum alimento da ceia de Natal deve ser oferecido aos animais, por muito inofensivo que possa parecer. A minha recomendação é evitar oferecer qualquer alimento humano ao seu cão ou gato. A única opção segura são guloseimas específicas para os animais ou alimentos indicados pelo próprio veterinário. Assim, protegemos o seu sistema digestivo e evitamos complicações mais ou menos graves.
Como orientar os convidados a não oferecerem “mimos” da ceia aos animais de estimação?
Antes da ceia, fale sempre com os seus convidados, especialmente com as crianças e, explique que, por mais que o animal pareça implorar, os alimentos de Natal podem ser nocivos para a saúde e bem-estar, principalmente em animais que possam ter alguma doença crónica ou subclínica. Na verdade, muitos dos casos de urgência nesta época resultam exatamente de “mimos” bem-intencionados oferecidos durante as celebrações. Por isso, o gesto mais amoroso que podem ter é respeitar a saúde do animal e evitar qualquer alimento humano.
Como se podem evitar acidentes domésticos com as decorações de Natal? Que medidas simples podem ser tomadas no dia a dia?
Por mais que as decorações sejam típicas desta época, é importante relembrar que estas podem parecer brinquedos irresistíveis para cães e gatos. Desde enfeites pequenos, laços, fitas de embrulho, velas e bolas de vidro que podem ser ingeridos, causando obstruções intestinais graves. Por isso, recomendo manter todas as decorações fora do alcance dos animais; evitar velas acesas sem supervisão, devido ao risco de queimaduras ou incêndio; e guardar fios e cabos elétricos em locais seguros.
Que plantas típicas desta época representam risco e quais os sintomas que exigem observação imediata?
Plantas como jacintos, amarílis, flor-de-Natal ou visco são tóxicas para os animais, por ingestão ou até por contacto. Os sinais clínicos incluem perda total de apetite, vómitos e diarreia, salivação excessiva, irritação ou úlceras na boca, aumento da sede e da urina (sinal de possível insuficiência renal), tremores, letargia ou convulsões em casos graves.
Qualquer suspeita de ingestão exige contacto imediato com um veterinário, mesmo na ausência de sintomas a toxicidade pode evoluir rapidamente.
No caso de passar o Natal fora e querer levar o animal de estimação, o que deve ser feito para habituar o cão ou o gato à mudança?
A preparação deve começar com antecedência já que as alterações na rotina são uma das principais causas de stress para os animais nesta época. Recomendo manter, tanto quanto possível, os horários habituais de alimentação, descanso e momentos de brincadeira.
Durante a viagem, é essencial levar objetos com cheiro familiar, como mantas ou brinquedos, para garantir conforto. O animal deve viajar com coleira e identificação visível, para além de um microchip com os dados atualizado, pois o risco de fuga ou desorientação é maior com a circulação constante de pessoas típica das festas.
Aconselho, ainda, evitar alimentá-lo imediatamente antes da viagem, manter uma temperatura estável e confortável dentro do veículo e fazer paragens para hidratação, especialmente em viagens mais longas.
No caso dos gatos, habituá-los a conviver com a transportadora umas semanas antes pode ser benéfico. Ter a transportadora acessível dentro de casa e permitir que ele possa entrar e dormir lá dentro, ou até fornecer snacks ou outro alimento que o gato goste, dentro da transportadora para evitar reações de fobia a este objeto.
É, de facto, benéfico levá-los ou, em alguns casos, é preferível ficarem em casa ou num hotel?
O Natal traz mudanças na rotina e no ambiente, o que pode ser muito stressante, especialmente para os gatos, animais mais velhos ou mais ansiosos. Na minha opinião, se o animal não estiver habituado a viagens ou a novos ambientes, é mais seguro deixá-lo em casa com um cuidador de confiança ou num alojamento supervisionado. É importante relembrar que o bem-estar emocional do animal deve pesar mais do que a vontade de o incluir em todos os planos.
Como organizar um “kit de viagem” essencial para o animal?
Com base nos riscos mencionados, o kit essencial deve incluir alimentação habitual e água, tigelas portáteis, coleira com identificação visível e microchip atualizado dado a maior probabilidade de fugas e desaparecimentos. Ter a caderneta de vacinas atualizada, o contacto do veterinário habitual e a localização do hospital veterinário mais próximo do destino, a medicação habitual (se aplicável), brinquedos e cama com cheiro familiar, para reduzir o stress, e ter toalhitas para limpar qualquer sujidade que apareça.
Nos dias mais frios, devemos ter especial atenção aos animais mais idosos ou muito jovens e aqueles cuja raça tem pouco pelo ou pelo muito curto, pois são particularmente vulneráveis ao frio, pelo que devemos pensar em levar connosco uma roupinha adequada ou mantas/cobertores onde possam descansar confortavelmente e sem frio.
Falem com os vossos veterinários habituais para poderem saber se algum tipo de suplemento alimentar (por exemplo, reguladores da flora intestinal, relaxantes para o stress, vitaminas, imunoestimulantes) possa fazer particular sentido para os vossos animais de companhia nesta fase de maior stress para eles.
Durante o Ano Novo é típico o lançamento de foguetes. Sabendo que quem mais sofre com isto são os nossos animais, que estratégias práticas podem ser adotadas para reduzir o medo de foguetes e outros ruídos intensos?
Todos os anos vejo o impacto dos fogos de artifício e da música alta nos animais. A audição deles é muito mais sensível que a nossa e o baralho pode causar stress, pânico, taquicardia, fugas e até traumas psicológicos e físicos. As minhas recomendações são, essencialmente, manter o animal num ambiente confortável e isolado do ruído, com cortinas e janelas fechadas, criar um refúgio seguro com mantas e brinquedos familiares, fornecer comida que seja altamente palatável para distrair a atenção, manter a calma e a rotina dentro do possível, porque os animais sentem a nossa ansiedade. Nunca devemos punir o medo, pois isso agrava a fobia, e, em casos de agitação severa, considerar soluções como medicação ou terapia comportamental, mas sempre com orientação profissional.
Existem, também, animais que não são fãs de música alta ou de muitas visitas. Nestes casos, o que podemos fazer para garantir o bem-estar de todos, animais e humanos?
A movimentação de visitas, a música alta e a alteração da rotina são fatores de stress frequentemente comuns nesta altura do ano. Aconselho sempre a respeitar o espaço do animal ao garantir um local tranquilo onde se possa recolher, manter a rotina de alimentação e descanso o mais estável possível, e informar os convidados para não forçar interações.
Um animal em pânico não desfruta da festa e também não deixa os seus cuidadores desfrutarem. O equilíbrio está em celebrar com consciência.
O que fazer em situações de emergência durante as festas e que sinais de alerta não devem ser ignorados?
Nunca subestime os seguintes sinais, e aconselho sempre os cuidadores a vigiar:
- Vómitos e diarreia;
- Falta de apetite e prostração;
- Aumento súbito da sede e da urina;
- Feridas ou úlceras na boca;
- Dificuldade respiratória ou convulsões;
- Comportamento invulgar (como agressividade súbita, esconderijo extremo, tentativas de fuga).
- Sangramentos.
Se algum destes sinais surgir procure imediatamente assistência veterinária, mesmo nos dias festivos há hospitais veterinários a trabalhar 24h por dia.



