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Acha mesmo que o amor é (só) um sentimento?

Spoiler alert: fomos enganados pelos filmes românticos, essa é a verdade. Acreditar que o amor é (só) um sentimento envenenou a forma como nos relacionamos, seja num par afectivo ou na família.

Se você acha que o amor é (só) um sentimento, lamento, mas eu acho que vou desapontá-la(o) no meu texto de hoje. Calma, leia até ao fim, porque… talvez descubra que ele não seja.

Talvez esse ideal romântico de que o amor é um sentimento – ooh, essa coisinha deleitosa que sentimos no coração – acaba por ser responsável por um monte de confusões na vida quotidiana. E eu explico-lhe o motivo disso.

Quando nós achamos que o amor é um sentimento (e isso acontece com relacionamentos que vão durando mais tempo) pensamos que o simples facto de as pessoas se amarem é o suficiente para que o relacionamento siga. Amor só não basta. E essa crença de que o amor é um sentimento nasce dessa coisa de que o amor é algo meramente filosófico e interno. De que o amor, sendo uma emoção, acontece de uma forma meramente subjetiva.

 Eu apresento-lhe uma perspetiva um pouco mais complexa do amor. A perspetiva (e a sensação) de que o amor, como força propulsora, de beneficiação de outras pessoas, para poder existir da maneira mais completa de como ele pode manifestar-se, necessariamente precisa passar por uma fase de materialização.

 Sinceramente, eu não consigo entender o amor como uma coisa meramente “abstrata” e subjetiva, vivida ao nível do quentinho-do-fundinho-do-peitinho, como algo fechadinho apenas “aqui dentro”. O amor, nessa esfera de ação, necessariamente precisa materializar-se. Inevitavelmente precisa tornar-se uma ação que beneficie a outra pessoa, caso contrário, ele não passa de uma vã alucinação interna.

Muitas pessoas acreditam que é possível realmente ter um amor para a vida, mesmo quando esse amor é baseado num relacionamento de ausências, de idas e vindas, ou sequer se tenha consumado. Porém, isso é “amor” de mão única, logo é platónico, delirante ou imaginário.

O amor de verdade é uma ação que se faz a quatro mãos em que as duas partes florescem como pessoa.

Então, imaginemos que, por exemplo, você está num relacionamento comigo. Eu amo-o(a)… mas eu 1) não digo que o(a) amo; 2) não expresso, de forma alguma que o(a) amo; 3) não deixo nas entrelinhas que o(a) amo. Se isso na vida real de todos os dias não se transforma numa celebração, numa materialização do amor, então, será que adianta eu pensar ou sentir que o(a) amo?

Já sei que muitas pessoas vão dizer-me agora o seguinte: “ah, mas eu amo através de fazer coisas”. Ok, então, fazer coisas talvez devesse implicar dizer essas coisas. Deixar claro como o seu amor se manifesta. Isso ajuda a materializar o amor, no sentido de que ele não é apenas uma “simples” admiração aleatória no meio do vácuo das galáxias do universo.

 O amor é uma coisa palpável, que se manifesta em atos, em palavras, em atitudes, em vivências, em convivências, em comportamentos que não deixam margem para dúvidas de que “aquilo” é amor. E quando conseguimos ter essa constatação de forma muito “física”, quase visceral, conseguimos expressar com mais profundidade o amor, como “fenómeno” subjetivo que é. E sabe que mais? Muitas vezes, as relações não acabam por falta de amor; o amor é que acaba por falta de relação. Leia de novo.

Então, caro(a) leitor(a), se você ama do fundinho do seu coração MAS:

– Não facilita a vida da pessoa;

– Não a apoia nos seus projectos de crescimento individual;

– Não para de atormentar a pessoa com coisas irrelevantes;

– Não acompanha a pessoa nos grandes projectos de prazer;

– Se não a apoia nos dias difíceis ou de grande sofrimento;

– Se não potencializa o melhor que ela tem em forma de facto;

– Se esse amor só viver dentro do seu coraçãozinho felpudo, dentro da sua cabeça ensimesmada… lamento, mas talvez você não ame muito a pessoa.

Talvez você só tenha um pequeno delírio de compaixão que não se manifesta em nada.

É capaz de imaginar uma pessoa que diz que ama a outra, mas parece tratá-la como escrava, com desdém ou tirania? Ir buscar um copo de água é um sacrifício, fazer um desvio do percurso habitual é um estorvo, planear um fim-de-semana agradável é um suplício. Ao final de tudo lá vem a frasezinha apaziguadora “eu amo-te!”

Só que não… Não, não é amor, pois esse sentimento transforma-se numa alegria genuína pelo bem-estar do outro. O amor tem a capacidade de nos fazer orgulhar de quem somos, de sonhar grande e não de nos fazer sentir pequenos ou mesquinhos. Para saber se essa balança está equilibrada é só perguntar-se: “eu sinto-me uma pessoa melhor quando estou ao lado do meu amor?”.

Se você ama mas não age amorosamente, não funciona. É importante dizer, é importante fazer (precisamos ser lembrados disso), mas precisamos – acima de tudo – fazer sentir ao outro, de forma consistente e coerente, que o(a) amamos (e vice-versa). É o mesmo que experienciar sentimentos de segurança, proteção, aceitação, pertença, e por aí fora. Não basta achar que se tem, precisamos de facto senti-los em concordância dentro dos poros da nossa pele para ser real.

Sentir para dentro sem materializar isso aqui fora não enche a barriga das nossas emoções e necessidades humanas mais delicadas.

Então, na minha opinião, qual é que é o maior equívoco que podemos ter em relação ao amor? E porque é que isso faz com que, muitas vezes, confundamos o que é o amor (e acabamos por permitir que aconteçam coisas opostas a isso na nossa vida, nomeadamente, abusos cometidos, supostamente, sob a égide do “amor”)…?

Numa época em que a violência nas relações de intimidade atingem proporções alarmantes, e os crimes cometidos por, alegadamente, se “amar demais” disparam, talvez seja importante pararmos para reflectir sobre como é que amamos? Como é que nos permitimos ser amada(o)s? Que confusões andamos a fazer?

Acredito que vivemos num tempo em que talvez fosse importante reformularmos o significado da palavra “amor” porque muitas vezes aparece associado a uma “química”, a um sentimento entre pessoas. A palavra amor geralmente é utilizada de acordo com a sua definição mais corrente no dicionário, e que é esta: “um sentimento intenso de afeição profunda”. Noutras palavras, o amor é aquilo que uma pessoa sente, certo? Errado. Porquê?

Porque o sentimento é só metade da história. É meio caminho andado, porém, não é o destino final. E qual seria o destino final? Seria o amor! Seria amar!

Amar é fazer. Amar é dizer. Mais do que sentimentos, amar são ações. São atitudes. Gestos concretos. É uma decisão.

Então, eu diria que o que percebo que tem faltado muito na definição pessoal de muitas pessoas relativamente ao que é o “amor” é esta não-ação do amor. O amor interpretado como um sentimento e não como uma ação real (condicente com o amor, na prática).

Uma das razões pelas quais tantas mulheres permanecem em relações abusivas / violentas (e nem sabem que estão nesse tipo de relação) é porque a violência e o amor aparecem muitas vezes associados, confundidos. Muitas vezes a violência é vista, inclusive, como sinónimo de “amor”…

Que estrutura social é esta que nos oprime e silencia e faz com que não consigamos, por exemplo, expressar a raiva, adoecendo-nos, não ficando na posição de sujeitos, somente de objetos?

O amor não é um sentimento apenas. O amor sentido realmente deve levar a acções em conformidade.

 Então, amar será o quê senão sentir “”E”” agir? Agir amorosamente. Assim sendo:

– Amar não é agredir;

– Amar não é abusar;

– Amar não é hostilizar, amar não é negligenciar, amar não é chantagear, amar não é aprisionar.

Amar não é um nome próprio. Amar é um verbo, e todo o verbo exprime uma ação.

Eu recebo constantemente pessoas em relacionamentos dolorosos que pensam que os parceiros ou as parceiras agem desta ou daquela forma porque “são assim” e porque é “a maneira dele(a) de amar” ou de exprimirem o seu “amor”… mesmo que sejam tratada(o)s com ódio. Mesmo que sejam tratadas com desprezo, indiferença, com abuso. Quantos casos e situações já testemunhei de pessoas serem destruídas (emocional, psicológica e/ou fisicamente) pelos que (supostamente) “mais as amavam”… E porquê? Como é que muitas pessoas confundem as noções mais essenciais em torno do amor e do não-amor de uma forma tão gritante?

Provavelmente, a palavra esconde a verdade e a verdade é esta: como é que alguém que o ama pode abusar de si?

Então, amar é dar, amar é receber, amar é cuidar, amar é proteger, amar é apoiar, amar é ensinar, amar é aprender, amar é escutar, amar é acolher, amar é escolher, amar é compreender, amar é respeitar.

E a boa notícia é que você não precisa que seja o seu companheiro ou a sua companheira a fazer isso por si. Isso é, antes de mais, um trabalho seu. É responsabilidade sua poder fazê-lo. E quando mais o fizer para si, naturalmente mais estará apta(o) a fazê-lo para os outros.

 Lembre-se que o amor fá-la(o) sentir poder ser mais de si mesma(o). E, na verdade, fâ-la(o) sentir poder ser realmente você mesma(o).

Sara Ferreira

https://www.facebook.com/apsicologasara

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