

Em Portugal, uma em cada oito mulheres pode vir a desenvolver cancro da mama e cerca de 1800 morrem anualmente devido à doença. Segundo dados estatísticos recentes do Globocan, este é o cancro mais frequente em Portugal e em todo o mundo. Embora não sejam conhecidas as causas exatas do cancro da mama, existem alguns fatores de risco, como a hereditariedade, que representa 10% dos casos. No Dia Nacional de Prevenção do Cancro da Mama, assinalado neste dia 30 de outubro, a LuxWoman esteve à conversa com Marta Fonseca, que viveu a doença, e com os especialistas Luís Costa, Diretor do Serviço de Oncologia da Unidade Local de Saúde SANTA MARIA (Hospital de Santa Maria) e Líder de um laboratório no GIMM CARE; Rita Sousa, Médica Oncologista na Unidade Local de Saúde SANTA MARIA (Hospital de Santa Maria), e Tânia Brandão, Codiretora do Mestrado em Psicologia da Saúde do Ispa – Instituto Universitário.
Na Primeira Pessoa
Foi uma dor intensa no peito que levou Marta Fonseca ao hospital. Sem casos de cancro na família, esta era uma realidade que não lhe era próxima. Aconselhada a fazer uma ecografia mamária, que levou ao pedido de uma biopsia, aos 33 anos foi diagnosticada com cancro da mama. Para lidar com a doença e ajudar quem está a passar pelo mesmo, criou a página de Instagram @_ser.paciente_ onde tem partilhado a sua jornada.

Marta Fonseca atualmente
Como e quando percebeu que tinha cancro da mama?
Estava no escritório a trabalhar quando tive uma dor intensa no peito que não passou, nem com medicação. Após alguns dias fui aconselhada a fazer uma ecografia mamária e, foi nesse momento, que me aconselharam a fazer uma biopsia. Soube que tinha cancro da mama quando o resultado chegou.
Tinha que idade?
Fiz a biopsia no meu aniversário, quando fiz 33 anos. Infelizmente, não há idade para um diagnóstico destes…
O que sentiu no momento em que recebeu o diagnóstico?
Não posso dizer que foi uma surpresa, porque, desde que fiz a biopsia, senti que ia ser maligno. Foram uns minutos de choque com a confirmação de que era realmente verdade.
Como lidou com a notícia?
Com foco na solução. Os momentos mais difíceis foram os de incerteza. Após saber o que tinha, o meu foco foi pensar no que fazer e como fazer. Procurei apoio na minha família, amigos e profissionais de saúde para me ajudarem a enfrentar o desafio e assim já tinha todas as “armas” que precisava!
Sentiu-se sempre acompanhada e apoiada pelas pessoas a quem recorreu?
Admito que não foi fácil gerir as pessoas ao meu redor. Principalmente porque durante todo o caminho senti sempre que era muito mais “fácil” poder enfrentar a doença do que ficar a ver alguém de que gostamos tanto a passar por isso. Sinto-me inexplicavelmente agradecida por todo o acompanhamento e apoio que tive. Os meus pais, o meu irmão, o meu “escudo protetor” e a gigante “equipa amarela” que formaram uma bolha de amor e proteção à minha volta.
Já tinha tido algum caso na família? Esta era uma realidade que lhe era próxima de alguma forma?
Não, não tinha casos na família e nunca tive nenhum caso próximo a viver esta doença.
O que mudou na sua rotina diária?
A minha rotina alterou-se completamente. Como vivia sozinha, voltei para casa dos meus pais para ter mais apoio, não tinha energia para fazer as coisas todas que estava habituada mas, felizmente, é apenas uma fase.

Marta Fonseca antes do diagnóstico
Profissionalmente, como se adaptou?
Profissionalmente, tive a sorte de ter todo o apoio e mais algum. Sou mesmo muito agradecida por toda a amizade que a Republica 45 me deu.
Depois do diagnóstico, fez tratamento?
Comecei com 6 meses de quimioterapia endovenosa, depois fiz cirurgia (mastectomia radical), depois 1 mês de radioterapia, mais 6 meses de quimio oral e, por fim, a cirurgia de reconstrução da mama.
O que foi mais doloroso em todo este processo?
O mais doloroso em todos estes processos foram os momentos de indecisão, onde não tinha respostas e não sabia se devia ser positiva e correr o risco de “a queda ser maior” ou negativa e sofrer por antecipação sem necessidade. Para além disso, o processo de congelamento de óvulos também foi emocionalmente doloroso para mim, até porque inicialmente estava muito mal informada.

Marta Fonseca durante o tratamento
A nível médico, sentiu-se sempre acompanhada?
O Dr. Rodrigo Oom é um anjo da guarda na terra. Não tenho dúvidas que fiz a melhor escolha ao ser seguida por ele. Apoiou-me em todos os momentos de dúvidas, medos e celebrou comigo todos os momentos de vitória.
Como foi receber a notícia de que não tinha qualquer vestígio de doença no corpo? Festejou esse momento?
Fiz uma grande festa! Reuni melhores amigos e família num jantar de grande felicidade. Todas as etapas foram sempre festejadas em conjunto e recordo esses momentos com muita emoção! O plano é continuar a festejar todos os anos, durante os 5 anos que não temos alta como precaução de uma possível recidiva.
Quando decidiu criar a página de instagram @_ser.paciente_? Sentiu a necessidade de partilhar a sua jornada?
Quando soube que estava doente, tentei encontrar pessoas que tivessem passado pelo mesmo e não foi muito fácil encontrar informação de experiências pessoais e menos médicas. Como sempre falei sobre o tema de forma aberta, fez-me sentido criar a página para ajudar o máximo de pessoas possível que estejam a passar pelo mesmo ou que conheçam alguém que esteja a passar por isso.
Sente que ainda há algum estigma associado a esta doença? Que faz falta falarmos sobre o cancro?
Acho que é fundamental falarmos cada vez mais de cancro. Infelizmente é uma doença cada vez mais comum, que afecta cada vez mais pessoas mais novas, e ainda é muito pouco falada. Sinceramente, não acredito que seja possível alguém durante a sua vida não ter passado por esta doença, como doente ou como apoio. Portanto, quanto mais falarmos sobre o tema, mais nos podemos ajudar uns aos outros.
Sempre com um sorriso contagiante no rosto, considera-se uma pessoa feliz?
Considero-me uma pessoa feliz. A felicidade é um caminho, não é um destino. Independentemente do que vivemos na vida, na minha opinião, podemos sempre ver o copo cheio ou o copo vazio. Eu gosto do meu copo sempre cheio!
O que diz a ciência?
Em Portugal, uma em cada oito mulheres pode vir a desenvolver cancro da mama. Considerado um dos cancros com maior mortalidade no nosso país, cerca de 1800 mulheres morrem anualmente devido à doença, e 70% dessas mortes resultam de cancro da mama metastático. O investimento na área da oncologia tem permitido uma perspectiva mais otimista e, hoje em dia, é mais fácil conseguir vencer esta doença. Os especialista Luís Costa, Diretor do Serviço de Oncologia da Unidade Local de Saúde SANTA MARIA (Hospital de Santa Maria) e Líder de um laboratório no GIMM CARE, e Rita Sousa, Médica Oncologista na Unidade Local de Saúde SANTA MARIA (Hospital de Santa Maria), explicam à LuxWoman o que está a ser feito.

Luís Costa, Diretor do Serviço de Oncologia da Unidade Local de Saúde SANTA MARIA (Hospital de Santa Maria) e Líder de um laboratório no GIMM CARE
Em Portugal, cerca de 1800 mulheres morrem anualmente devido à doença, e a esmagadora maioria dessas mortes resultam de cancro da mama metastático. Os números têm aumentado?
Luís Costa – O número de mortes por ano tem estado estável, com ligeiro aumento, mas o número de doentes diagnosticados com cancro tem aumentado substancialmente. Curamos mais pessoas, mas temos mais cancros, acabamos por não reduzir a título absoluto o número de mortes por cancro da mama.
Hoje em dia, é mais fácil detetar o cancro da mama?
Luís Costa – Temos melhor tecnologia de imagem para detetar um cancro da mama, mas não temos facilidade em aplicar essa tecnologia para o rastreio, no qual se pretende detetar antes de ser clinicamente significativo (palpável).
Os rastreios devem ser feitos a partir de que idade? E de que forma?
Luís Costa – O Rastreio começa a partir dos 49 anos de idade e vai até aos 70 anos de idade, é feito com mamografia anual ou bianual. Temos a consciência de que vamos precisar de começar a fazer rastreios a partir dos 45 anos de idade, ou mesmo antes se soubermos a quem (estão em curso estudos clínicos para saber a quem fazer rastreios personalizados em idades mais jovens).
Havendo 10% de probabilidade do cancro da mama ser hereditário, o que se deve fazer quando se tem casos na família?
Luís Costa – O médico assistente deve reconhecer os casos que têm indicação para um estudo genético e em consequência orientar para uma consulta de genética. Muitas doentes com história familiar de cancro da mama não são devidamente orientadas para estes estudos genéticos que podem ser decisivos para a prevenção/deteção e até tratamento de novos cancros.
Por outro lado, precisamos de mais investigação científica para justificar os casos de cancro da mama em doentes com história familiar marcada, mas sem que consigamos identificar uma mutação patogénica que justifique o risco para cancro.

Rita Sousa, Médica Oncologista na Unidade Local de Saúde SANTA MARIA (Hospital de Santa Maria)
Hoje em dia, contrariamente ao que já aconteceu, é mais fácil conseguirmos vencer esta doença?
Rita Sousa – Sem dúvida. Temos disponíveis exames complementares de diagnóstico mais eficazes que permitem um diagnóstico mais precoce, quando há maior potencial de cura. A investigação na área do tratamento também tem evoluído bastante permitindo tanto um maior controlo da doença, quando em estádio mais avançado, como uma maior taxa de cura, quando o diagnóstico é precoce.
Quais os tratamentos existentes? São estes mais eficazes?
Rita Sousa – A inovação na área de oncologia e especificamente na área de cancro de mama é constante. Atualmente de acordo com o subtipo de cancro da mama, temos várias opções disponíveis, cada vez mais eficazes que permitem um melhor controlo da doença e aumentar a taxa de cura. Os tratamentos são cada vez específicos para alguma característica do tumor, o que permite também identificar que tumores respondem melhor a determinada terapêutica.
Podemos, realmente, afirmar que um “cancro está curado”?
Rita Sousa – Do ponto de vista biológico, os vários subtipos de cancro de mama têm comportamentos bastante distintos. Por exemplo, o cancro da mama triplo negativo, conhecido por ser um subtipo mais agressivo e com pior prognóstico, também é aquele em que habitualmente as recidivas ocorrem mais frequentemente nos primeiros 2-3 anos. Assim, ao final de 5 anos é raro haver recidivas. Se calhar é aquele tipo de tumor de cancro de mama em que temos maior facilidade em assumir uma cura. Nos subtipos luminais, tumores hormono-dependentes, as recidivas podem ocorrer ao final de vários anos, apesar da probabilidade ir reduzindo.
Com a evolução da medicina, quais são as perspetivas para o futuro? Há novos estudos que sejam mais otimistas?
Rita Sousa – Felizmente tem havido um grande investimento na área de oncologia, o que possibilita sempre uma melhor perspetiva no futuro com a entrada de novas terapêuticas inovadoras ou biomarcadores que permitem personalizar o tratamento, melhorando sempre os cuidados que prestamos ao doente.
O que é o Biobanco e como tem contribuído para o combate ao cancro da mama?
Rita Sousa – O Biobanco permite realizar estudos básicos e translacionais com amostras de doentes, por exemplo identificar biomarcadores que identifiquem quem vai responder a determinado tratamento ou levando até à descoberta de novos alvos terapêuticos. Há toda uma panóplia de estudos que podem ser realizados com estas amostras, potenciando a investigação científica.
Luís Costa – A coleção de amostras tumorais de cancro da mama complementadas com a história clínica e com amostras de tecido normal da doente, permite a realização de estudos clínicos e investigação científica que pode trazer novas hipóteses para a classificação prognóstica e para a descoberta de novas terapêuticas.
Lidar com a doença
Para Tânia Brandão, Codiretora do Mestrado em Psicologia da Saúde do Ispa – Instituto Universitário, o confronto com uma doença oncológica é um dos “desafios mais exigentes que uma pessoa pode enfrentar”. Embora sejam muitas as formas encontradas para lidar com a doença, esta pode ser emocionalmente avassaladora, desencadeando medo, tristeza, incerteza e isolamento. O acompanhamento psicológico revela-se, assim, uma mais valia, munindo o paciente de ferramentas que ajudam a enfrentar os desafios da doença de uma forma mais equilibrada e saudável. Para além disso, este deve ser também procurado por quem acompanha em primeira mão a doença.

Tânia Brandão, Codiretora do Mestrado em Psicologia da Saúde do Ispa – Instituto Universitário
É importante, durante o processo da doença, ter acompanhamento psicológico?
O confronto com uma doença oncológica pode ser um dos desafios mais exigentes que uma pessoa pode enfrentar. Contudo, cada pessoa reage de forma diferente a esta experiência. Há quem tenha recursos emocionais, cognitivos e sociais que lhes permitem adaptar-se aos desafios impostos pela doença, sem precisar de apoio psicológico. No entanto, é fundamental reconhecer que, para muitos, o acompanhamento psicológico pode ser algo essencial, ajudando a lidar com emoções difíceis, como o medo, a ansiedade e a incerteza. Em qualquer fase do ciclo psico-oncológico – seja no momento do diagnóstico, durante os tratamentos ou na fase de sobrevivência – pode surgir a necessidade de acompanhamento psicológico, mesmo para aqueles que inicialmente se sentiam preparados. Assim, enquanto o acompanhamento psicológico pode não ser necessário para todos, é importante que haja uma monitorização do bem-estar emocional de cada pessoa, garantindo que, quando necessário, o apoio seja disponibilizado. Para aqueles que precisam, o acompanhamento psicológico é, sem dúvida, fundamental.
Este é procurado?
O apoio psicológico tem vindo a ser cada vez mais procurado por pessoas com doenças oncológicas, refletindo uma maior consciencialização sobre a importância do bem-estar emocional ao longo de todo o processo da doença. Muitas pessoas com doença oncológica já reconhecem que o impacto psicológico do cancro é tão relevante quanto os sintomas físicos, especialmente considerando os desafios que acompanham o diagnóstico e o tratamento. Apesar deste progresso, ainda existe uma tendência significativa para que o apoio psicológico seja procurado apenas em momentos de maior dificuldade ou quando o sofrimento emocional já se tornou intenso. Este cenário está muitas vezes relacionado com a ideia errada de que é necessário “ser forte” e com a crença de que procurar apoio psicológico representa um sinal de fraqueza, podendo levar algumas pessoas a adiar o pedido de ajuda até ao limite das suas capacidades emocionais. Além disso, a pressão social do “pensamento positivo” (o “vai correr tudo bem”, o “tens de ser positivo”, o “não chores”) também contribuem para este adiamento ou falta de procura de apoio psicológico, e à ideia de que as suas emoções e pensamentos mais negativos e de medo não são válidos ou normais. No entanto, é importante reforçar que o apoio psicológico não só ajuda a gerir o sofrimento emocional quando este já está presente, como também é fundamental na prevenção deste sofrimento, proporcionando estratégias e ferramentas que ajudam a enfrentar os desafios da doença de uma forma mais equilibrada e saudável. Procurar ajuda não é um sinal de fraqueza, mas sim um ato de cuidado próprio, que pode fazer toda a diferença na qualidade de vida das pessoas com doença oncológica durante todas as fases da jornada oncológica.
Quais os benefícios desta ajuda?
O apoio psicológico é extremamente benéfico para pessoas com dificuldades em adaptar-se ao diagnóstico e tratamento do cancro. Enfrentar esta doença pode ser emocionalmente avassalador, desencadeando medo, tristeza, incerteza e isolamento. O acompanhamento psicológico ajuda a gerir estas emoções, reduzindo a ansiedade e a depressão e promovendo a resiliência ao longo de todas as fases da doença. Um dos principais benefícios é a capacidade de ajudar as pessoas com doença oncológica a lidar com as mudanças na imagem corporal e na identidade pessoal, promovendo a aceitação e a reconstrução da autoestima. Outro benefício relevante é a melhoria das relações interpessoais, facilitando a comunicação com familiares e amigos, o que ajuda a prevenir o isolamento e a sobrecarga emocional, aumentando a perceção de apoio social. Por fim, o apoio psicológico promove um aumento significativo da qualidade de vida, proporcionando ferramentas para enfrentar os desafios com esperança e equilíbrio, mesmo nos períodos mais difíceis. Assim, o apoio psicológico não é apenas importante para quem tem dificuldade na adaptação; ele pode ser um recurso valioso também para qualquer pessoa que queira enfrentar o cancro com mais resiliência e bem-estar emocional. Em suma, vários desafios podem ser trabalhados no apoio psicológico prestado a pessoas com doença oncológica, incluindo nas questões relacionadas com o sofrimento emocional, sexualidade, parentalidade, entre outros aspetos que podem ser afetados pela vivência desta doença.
Há estratégias para lidar com a doença?
Claro que sim, existem várias estratégias eficazes para lidar com a doença oncológica, e o apoio psicológico é essencial para ajudar as pessoas com doença oncológica a desenvolverem estas ferramentas/recursos. A regulação emocional é um dos pilares fundamentais, pois enfrentar o cancro envolve uma grande carga emocional. Estratégias que promovem a expressão emocional e que ajudam a identificar e modificar crenças e pensamentos desajustados são essenciais. A promoção de uma rede de apoio social sólida também é crucial. O cancro pode ser uma experiência isoladora, mas a presença de familiares, amigos e até grupos de suporte ajuda a minimizar o impacto emocional, oferecendo conforto e um sentido de pertença. Além disso, é importante melhorar as estratégias de comunicação, tanto com familiares como com amigos, de modo a facilitar a expressão dos sentimentos e necessidades do paciente, o que reduz o risco de isolamento emocional e promove uma relação mais saudável com a rede de apoio. Para aqueles que são pais, a gestão da parentalidade durante o tratamento oncológico pode ser especialmente desafiante. O apoio psicológico oferece ferramentas que ajudam a comunicar sobre o cancro com as crianças de forma honesta, mas reconfortante, respeitando a idade e o nível de compreensão de cada filho. A gestão da ansiedade e do stress também é central para enfrentar o percurso da doença. Técnicas de relaxamento e meditação são eficazes na redução do stress, ajudando as pessoas com doença oncológica a sentirem-se mais calmas e preparadas, especialmente em momentos de procedimentos médicos ou durante tratamentos invasivos. Estas estratégias combinadas permitem que as pessoas com doença oncológica enfrentem os desafios da doença de uma forma mais equilibrada e adaptativa, promovendo uma melhor qualidade de vida e um maior bem-estar emocional.
E depois da doença? Faz sentido continuar com este apoio?
Sim, faz todo o sentido continuar com o apoio psicológico mesmo após o término do tratamento oncológico. Muitas vezes, o fim do tratamento não marca o fim dos desafios emocionais; na verdade, pode ser o início de uma nova fase de adaptação igualmente exigente. O retorno à “normalidade” traz consigo um misto de sentimentos: alívio pela recuperação, mas também medo de recaída, incerteza sobre o futuro. Além disso, é comum que os sobreviventes de cancro tenham de se reajustar a novas realidades, quer sejam físicas, emocionais ou sociais. O impacto do tratamento pode trazer mudanças permanentes no corpo e nas capacidades físicas, o que afeta a autoestima e a imagem corporal. O regresso ao trabalho é outro desafio importante. Após a fase ativa do tratamento, retomar a vida profissional pode ser uma fonte de ansiedade, especialmente devido a preocupações sobre o desempenho, a capacidade física e a aceitação por parte dos colegas. O acompanhamento psicológico pode ajudar a preparar esse regresso, oferecendo estratégias para gerir o stress e adaptar-se gradualmente às exigências do trabalho. Também é importante mencionar que os relacionamentos interpessoais podem sofrer alterações significativas durante e após a doença. A terapia ajuda os pacientes a comunicarem melhor com as pessoas à sua volta, a expressarem as suas necessidades, e a reconstruírem as relações que possam ter sido afetadas durante o tratamento. Por fim, o apoio psicológico pode ajudar na redefinição de objetivos de vida. Depois de uma experiência tão desafiante, muitas pessoas sentem necessidade de redefinir o que é importante para elas, reavaliar prioridades e encontrar um novo sentido de propósito. O acompanhamento psicológico pode guiar este processo de redescoberta. Portanto, o apoio psicológico após a doença não só faz sentido como é muito importante para os sobreviventes de cancro.
E para a família, como podem apoiar?
O apoio psicológico não é direcionado apenas às pessoas com doença oncológica, mas também aos seus familiares, que desempenham um papel fundamental durante todo o percurso da doença oncológica. A família, ao apoiar o paciente, muitas vezes enfrenta os seus próprios desafios emocionais, como o medo, a incerteza e a sobrecarga. É essencial que os familiares recebam apoio e orientação para que possam, também, cuidar do seu próprio bem-estar enquanto prestam suporte ao ente querido. Os familiares podem ser uma fonte poderosa de apoio emocional e prático, e o apoio psicológico ajuda-os a compreender melhor as necessidades do paciente, ensinando estratégias para comunicar de forma aberta e empática. Ao desenvolver competências de comunicação eficazes, a família pode criar um ambiente em que o paciente se sinta à vontade para expressar os seus medos, necessidades e limitações, sem receio de sobrecarregar os outros. Esse tipo de comunicação ajuda a reduzir o isolamento e a fortalecer o vínculo familiar, contribuindo para uma rede de apoio mais sólida. Além disso, é importante que os familiares aprendam a lidar com as suas próprias emoções para evitar a exaustão emocional. Assim, o apoio psicológico é fundamental não só para os pacientes, mas também para os familiares, ajudando-os a gerir as suas emoções, melhorar a comunicação e desenvolver estratégias de autocuidado. Através deste suporte, a família consegue estar emocionalmente mais preparada para oferecer o tipo de apoio que a pessoa com doença oncológica realmente precisa, contribuindo para uma vivência mais equilibrada e com maior qualidade de vida para todos os envolvidos.
Há uma tendência para tratar a pessoa como se esta fosse mais frágil. Isto é correto?
É verdade que, após um diagnóstico oncológico, há uma tendência comum para tratar a pessoa com doença oncológica como se fosse mais frágil ou incapaz. Embora este comportamento possa ter a intenção de proteger e cuidar, ele nem sempre é benéfico para o bem-estar emocional da pessoa com doença oncológica e pode até ter efeitos contraproducentes. Tratar alguém como se estivesse constantemente vulnerável pode, na verdade, reforçar sentimentos de impotência e limitar a perceção da própria capacidade. É fundamental que os familiares e amigos reconheçam que, embora a pessoa esteja a passar por um desafio significativo, ela pode continuar a ter recursos, capacidades e um desejo de manter algum controlo sobre a sua vida. Assegurar que a pessoa sente que ainda pode tomar decisões e participar na sua própria vida é crucial. Isso não significa que não devam ser oferecidos cuidados e apoio. O ideal será encontrar um equilíbrio, adaptando o tipo de suporte às reais necessidades da pessoa e ao que ela manifesta como importante para si.
Nos cenários mais tristes, em que a pessoa acaba por partir, deve quem cá fica procurar ajuda?
Sim, procurar ajuda psicológica após a perda de um ente querido devido ao cancro pode ser extremamente importante. O luto é um processo natural e necessário, mas nem sempre é fácil de enfrentar, especialmente quando envolve a perda de alguém que atravessou uma longa e difícil jornada de doença. O apoio psicológico pode ajudar os familiares e amigos a vivenciar o luto de uma forma mais saudável. O luto envolve uma ampla gama de emoções, como tristeza profunda, culpa, raiva, que podem ser confusas e difíceis de gerir sozinhas. O acompanhamento psicológico proporciona um espaço seguro para explorar e processar estas emoções, sem julgamentos. Outro aspeto importante do apoio psicológico é a normalização do processo de luto. Muitas vezes, as pessoas sentem que deveriam “recuperar” rapidamente, especialmente devido a pressões sociais para voltar à rotina. O psicólogo ajuda a compreender que o luto não tem um prazo fixo e que cada pessoa tem o seu próprio tempo e ritmo. A validação dos sentimentos e a compreensão de que é normal sentir-se perdido ou vulnerável são fundamentais para que o processo de luto se desenvolva de uma forma saudável. Para aqueles que desempenharam o papel de cuidadores durante a doença, o luto pode também envolver a necessidade de redefinir a sua própria identidade e rotina, já que o cuidado do outro era uma parte importante do seu dia-a-dia. O apoio psicológico é essencial para ajudar a lidar com esta transição, oferecendo ferramentas para redefinir papéis e encontrar um novo propósito. Portanto, procurar ajuda psicológica após a perda de alguém querido pode ser fundamental para garantir que o luto seja vivido de forma saudável e que, gradualmente, se encontre um caminho para além da dor.