Ter um filho é, para muitos casais, um sonho. Representa uma união para a vida entre duas pessoas. Porém, este desejo pode tornar-se numa frustração, quando as tentativas se estendem por vários meses. Os anos vão passando e o sonho vai escapando por entre os dedos, como a areia da ampulheta. Mas não tem de ser assim.
No passado, os tratamentos de fertilidade eram vistos como temas sensíveis ou tabu. Nos dias de hoje são muito mais amplamente aceites e os números comprovam: cerca de 1 em cada 6 casais enfrenta dificuldades de fertilidade, e um número crescente recorre à reprodução medicamente assistida. “Devido a esta prevalência, quase toda a gente conhece atualmente alguém que tenha realizado um tratamento ou que seja pai/mãe graças a ele”, afirma Giselda Carvalho, Médica Especialista em Ginecologia e Obstetrícia da Ferticentro.
Giselda Carvalho, Médica Especialista em Ginecologia e Obstetrícia da Ferticentro
Posto isto, os casais precisam de saber exatamente quando devem procurar apoio médico. Das dúvidas mais frequentes, passando pelos sinais de alerta, até à importância do acompanhamento médico e do apoio emocional neste processo, falámos com a médica especialista Gisela Carvalho.
Quando deve um casal procurar apoio médico para engravidar?
Um casal deve procurar apoio médico se tiver tentado engravidar naturalmente, sem sucesso, durante um ano ou, caso a mulher tenha mais de 35 anos e tiverem tentado por seis meses; se houver um histórico de abortos de repetição ou se existirem condições médicas que possam afetar a fertilidade. De um modo geral, é sensato consultar um especialista o mais cedo possível, uma vez que intervenções simples podem, muitas vezes, produzir uma diferença significativa em apenas algumas semanas.
Existem sinais ou fatores de alerta que devem levar a uma avaliação precoce? Quais seriam?
Existem alguns fatores que justificam uma avaliação clínica mais precoce, nomeadamente: idade feminina superior a 35 anos (devido ao fator idade influenciar a qualidade ovocitária), distúrbios menstruais (ciclos irregulares ou ausência de menstruação, hemorragias uterinas anormais), história de cirurgia pélvica prévia, endometriose, infeções pélvicas de repetição, fatores masculinos já identificados que condicionem alterações nos espermatozoides ou histórico familiar de cancro ginecológico. Essas condições podem reduzir as chances de concepção espontânea, portanto justificam investigação antes do tempo usual de 12 meses de tentativas (ou 6 meses em mulheres acima de 35 anos). Estas patologias descritas devem ser estudadas com os exames clínicos e de diagnóstico adequados, de forma a ter uma orientação terapêutica célere e a diminuir o risco de complicações e diminuição da fertilidade.
Em casos de doenças como endometriose ou outras patologias ginecológicas, qual é o momento certo para procurar ajuda?
A mulher deve iniciar a vigilância ginecológica se houver queixas de dismenorreia (dores menstruais intensas), irregularidades menstruais ou após início da atividade sexual, e efetuar exames de rastreio adequados à idade, ou outros exames de acordo com os sintomas ou fatores de risco, nomeadamente histórico familiar de cancro ginecológico.
A idade é, de facto, o fator mais determinante ou existem outros a ter em consideração?
A idade é, de facto, o fator mais significativo na influência da fertilidade, com as taxas de fertilidade a diminuírem abruptamente após os 35-37 anos. Aos 40 anos, a probabilidade de gravidez natural por mês reduz para cerca de 5%, comparativamente com cerca de 20 a 25% durante a década dos 20 anos. Esta diminuição deve-se, sobretudo, à redução da quantidade e da qualidade dos ovócitos ao longo do tempo. De forma semelhante, a fertilidade masculina também declina com a idade, afetando a qualidade e a motilidade dos espermatozoides. Contudo, a idade não é o único fator a considerar. A qualidade dos óvulos e espermatozoides pode ser impactada por fatores genéticos, condições clínicas subjacentes e exposições ambientais; todos elementos que exercem influência significativa nos desfechos reprodutivos. Adicionalmente, fatores de estilo de vida, como o tabagismo, o consumo de álcool, a alimentação e o stress, podem impactar a saúde reprodutiva, embora, geralmente, em menor grau do que a idade. Embora a idade defina o quadro geral, uma abordagem holística que considere estes outros fatores ajuda a maximizar as hipóteses de uma gravidez bem-sucedida.
Que tipos de reprodução medicamente assistida estão hoje disponíveis em Portugal? Quais as técnicas mais eficazes atualmente e em que situações se aplicam?
Em Portugal temos acesso a vários tratamentos de fertilidade que incluem a IIU (inseminação intrauterina) com espermatozoides do companheiro ou de dador, um procedimento simples frequentemente utilizado em casos de infertilidade masculina ligeira ou infertilidade inexplicada; a FIV (fertilização in vitro), geralmente recomendada quando outros métodos não tiveram sucesso ou em situações de problemas de fertilidade mais complexos; a FIV com óvulos ou espermatozoides de dador, indicada quando um dos parceiros não pode utilizar os seus próprios gâmetas; e o PGT (teste genético pré-implantação), que permite identificar condições genéticas nos embriões antes da implantação.
Os tratamentos de fertilidade têm custos elevados? Que apoios existem ao alcance dos casais em Portugal?
Os tratamentos de fertilidade podem representar um investimento financeiro, mas, em Portugal, dispomos de opções financiadas pelo Estado. Mulheres elegíveis, até aos 40 anos de idade, podem aceder a Centros de Reprodução em Hospitais do Serviço Nacional de Saúde e efetuar até 3 ciclos de FIV ou outros tratamentos indicados. Quando se esgota o recurso ao financiamento público, ou se preferem avançar de forma mais célere do que o sistema público permite, podem optar por tratamentos em centros de reprodução privados. Os tratamentos de fertilidade no setor privado, em Portugal, são significativamente mais acessíveis do que em muitos outros países. Por exemplo, os tratamentos de FIV realizados em Portugal têm frequentemente um custo equivalente a metade, ou até a um terço, do praticado em países como o Reino Unido ou os Estados Unidos, o que os torna uma opção tanto para pacientes portugueses como internacionais.
A saúde mental deve ser uma preocupação central neste percurso?
Sim. A saúde mental deve ser uma preocupação central ao longo de todo o percurso de fertilidade, uma vez que o impacto emocional, e a gestão de expectativas, é muito desgastante. Sentimentos de ansiedade, stress, frustração, luto e até isolamento são muito comuns entre indivíduos e casais que tentam conceber, especialmente quando os tratamentos são prolongados ou não têm sucesso. Não se trata apenas de um processo físico, afeta todas as dimensões da vida de uma pessoa: as relações, o trabalho, a autoestima e o bem-estar geral.
Na Ferticentro, compreendemos profundamente esta realidade, razão pela qual o apoio psicológico é parte integrante da nossa abordagem. A nossa psicóloga especializada em fertilidade trabalha em estreita colaboração com os pacientes, ajudando-os a gerir os desafios emocionais dos tratamentos, a desenvolver estratégias de coping e a sentirem-se acompanhados em cada etapa do processo — seja na preparação para uma FIV, no luto por perdas anteriores ou na tomada de decisões relativas à utilização de gâmetas de dador.
Entre as preocupações mais frequentemente partilhadas pelos nossos pacientes destacam-se o medo do insucesso do tratamento, o impacto na relação do casal, a dificuldade em lidar com a incerteza e a pressão associada ao fator “tempo”. Ninguém deve sentir que tem de enfrentar este caminho sozinho, e os cuidados emocionais são tão importantes quanto os cuidados médicos quando se trata de construir uma família.
Que conselhos dá aos casais para se manterem unidos durante um processo que pode ser longo e emocionalmente exigente?
O tratamento de fertilidade pode ser um percurso longo e emocionalmente exigente, sendo perfeitamente natural que, em determinados momentos, os casais se sintam sobrecarregados. Os nossos conselhos para manterem a ligação e a força ao longo deste processo incluem: encontrar uma rede de apoio, seja entre amigos, familiares, grupos de entreajuda ou com o acompanhamento de um terapeuta. Falar com outras pessoas que compreendem a situação, ou que simplesmente sabem ouvir, pode fazer uma diferença enorme. É igualmente fundamental confiar nos profissionais e partilhar as preocupações com a equipa médica. Tentar controlar todos os resultados apenas aumenta o nível de stress. Confiar que se está a ser acompanhado por uma equipa experiente permite que o casal se concentre um no outro, em vez de se deixar consumir pela pressão do processo. E, claro, serem gentis um com o outro. Estão do mesmo lado. Priorizar a empatia em vez da culpa, fazer pausas sempre que necessário e criar momentos de alegria fora do contexto da fertilidade pode ter um impacto muito positivo. O mais importante é manter as linhas de comunicação abertas e enfrentar este caminho juntos.
Quais são os principais fatores que podem sabotar ou dificultar uma gravidez, mesmo com apoio médico?
Mesmo com apoio médico, existem diversos fatores que podem dificultar a obtenção de uma gravidez bem-sucedida e, infelizmente, as técnicas de procriação medicamente assistida não nos garantem uma gravidez. A boa notícia é que muitos desses desafios podem ser identificados e tratados com os cuidados adequados. Entre os problemas mais comuns destacam-se: as falhas de implantação, em que um embrião com aspeto saudável não chega a implantar-se no útero. Esta situação pode estar associada a fatores embrionários, uterinos, questões imunológicas ou problemas a nível celular. Na Ferticentro, utilizamos ferramentas de diagnóstico avançadas, sempre que clinicamente indicadas para este efeito. Outro desafio frequente são os resultados de estimulação pouco satisfatórios, nos quais os ovários não respondem ao tratamento da forma esperada, resultando na recolha de um número reduzido de ovócitos. Nestes casos, ajustamos cuidadosamente os protocolos de estimulação com base no perfil hormonal e no histórico de resposta de cada mulher, sendo possível a acumulação de ovócitos em casos particulares. Embora estes obstáculos possam ser frustrantes, não representam o fim do caminho. Com cuidados especializados, constante adaptação e uma abordagem personalizada, muitos destes desafios podem ser ultrapassados. Cada ciclo representa uma oportunidade para compreendermos melhor o que o corpo de cada paciente necessita para alcançar o sucesso.
Que papel têm o estilo de vida e os hábitos diários (alimentação, tabaco, álcool, stress) na fertilidade?
O estilo de vida e os hábitos diários, tais como a alimentação, o consumo de tabaco, o consumo de álcool e o stress, desempenham, de facto, um papel na fertilidade, mas é importante compreender que, embora o seu impacto seja real, este é limitado. Por exemplo, está demonstrado que o tabagismo reduz a qualidade tanto dos ovócitos como dos espermatozoides; o consumo excessivo de álcool pode perturbar o equilíbrio hormonal; e o stress crónico pode interferir com a ovulação ou a função sexual. Uma alimentação inadequada e a falta de exercício físico podem igualmente afetar o peso e a saúde metabólica, ambos fatores que influenciam a fertilidade. No entanto, estes fatores raramente são a causa única da infertilidade. Na Ferticentro, focamo-nos em ajudar os pacientes a implementar mudanças saudáveis e exequíveis. Pequenos ajustes, como a redução do consumo de álcool, o abandono do tabaco, a melhoria da nutrição ou a adoção de estratégias para gerir o stress, podem apoiar a fertilidade e melhorar os resultados dos tratamentos, mas não é necessário ser perfeito. O objetivo é o progresso, não a perfeição, e a nossa equipa está disponível para orientar os pacientes com conselhos realistas, baseados em evidência científica e adaptados ao seu estilo de vida.
Que mitos sobre infertilidade e reprodução medicamente assistida sente ser mais urgente desmistificar?
Existem vários mitos sobre a infertilidade e reprodução medicamente assistida que precisam urgentemente de ser desmistificados. Muitas pessoas sobrestimam a facilidade de engravidar e subestimam a rapidez com que a fertilidade diminui com a idade. O conhecimento geral sobre fertilidade é muito reduzido. É necessária uma maior educação acerca do momento em que é verdadeiramente “seguro” adiar o início de uma família. Esperar até ao final da década dos 30, ou após os 40 anos, reduz significativamente as hipóteses de conceção natural e aumenta a necessidade de tratamentos de fertilidade. Uma melhor compreensão do processo de tratamento de fertilidade é essencial para reduzir o medo e o estigma; muitos acreditam que estes tratamentos são excessivamente complexos, invasivos, ou reservados apenas para casos de “último recurso”, quando, na realidade, a consulta e o apoio precoces podem fazer uma grande diferença. Para além disso, é fundamental aumentar o apoio relacionado com o aborto espontâneo, uma vez que este é frequentemente uma parte negligenciada, mas comum, do percurso de fertilidade, que acarreta um impacto emocional significativo. Ao melhorar a educação pública e o apoio disponível, podemos capacitar as pessoas a tomar decisões informadas e a sentirem-se menos sozinhas ao longo do seu caminho para a parentalidade.
Ainda existe tabu em recorrer a técnicas de reprodução assistida? Como podemos combatê-lo?
Embora tratamentos de fertilidade tenham sido, no passado, temas sensíveis ou, mesmo tabu, hoje são muito mais amplamente aceites. Cerca de 1 em cada 6 casais enfrenta dificuldades de fertilidade, e um número crescente recorre à reprodução medicamente assistida. Devido a esta prevalência, quase toda a gente conhece atualmente alguém que tenha realizado um tratamento ou que seja pai/mãe graças a ele. Para continuar a quebrar os tabus que ainda persistem, é necessário promover mais educação e discussão aberta sobre fertilidade e opções de tratamento. Quando as pessoas se sentem à vontade para falar sobre estas questões, é mais provável que procurem aconselhamento especializado atempadamente, o que pode melhorar significativamente as hipóteses de sucesso. A redução do estigma não só ajuda os indivíduos a sentirem-se apoiados, como também incentiva a intervenção atempada, contribuindo, em última análise, para que os casais superem os desafios de fertilidade de forma mais eficaz.



